De
máquina fotográfica em punho, nove pessoas, entre travestis
e mulheres profissionais do sexo, saíram às ruas do Jardim
Itatinga, maior zona de prostituição de Campinas, para capturar
imagens do bairro e de elementos próximos à sua realidade.
Depois, por seis meses, participaram de oficinas de fotografias
e, novamente, foram em busca de imagens. “Houve diferença
no olhar fotográfico, e pude observar uma transformação
na forma de fazer fotografias. É como se elas começassem
a refletir sobre o cotidiano a partir da prática”, destaca
o fotógrafo Luiz Carlos Sollberger Jeolás, autor da dissertação
de mestrado “Vendo o corpo, vendo a imagem: a auto-representação
fotográfica de travestis e mulheres profissionais do sexo
do Jardim Itatinga/Campinas”, apresentada no Instituto de
Artes (IA) e orientada pelo professor Fernando De Tacca.
O
objetivo do trabalho foi responder basicamente a duas questões
iniciais. Primeiramente, se a prática fotográfica das colaboradoras
apresentaria marcas de gênero. Ademais, Jeolás também queria
saber se a utilização da técnica fotográfica poderia realocar
as percepções do público estudado. Neste sentido, a proposta
do fotógrafo foi realizar uma produção endógena, ou seja,
capturar imagens a partir do olhar de pessoas pertencentes
ao ambiente. “Acredito que alcançaria resultados extremamente
diferentes se eu chegasse ao local para fotografar, ao invés
de deixá-las livres para fazer as imagens”, explica.
Foram produzidas mais de
seis mil fotos, que constituem um dos maiores acervos de
imagens do Jardim Itatinga, visto pelo ângulo de quem pertence
ao lugar. Em pesquisa sobre as fotos produzidas no Jardim
Itatinga, Jeolás esteve diante de um volume grande de imagens
depreciativas do bairro.
Outro
resultado importante foi a premiação máxima e menção honrosa
recebidas no 8º Seminário Internacional Fazendo Gênero,
organizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
em agosto de 2008. Onze fotos foram enviadas para o concurso,
em uma seleção feita por Jeolás. Para apresentação do trabalho,
ele pretende montar uma exposição no bairro com fotos selecionadas
pelas próprias colaboradoras, assim como as imagens que
compõem a dissertação também escolhidas por elas.
Durante as oficinas, eram
passadas orientações sobre técnica e foram estudadas imagens
de fotógrafos famosos nacionais e internacionais que já
abordaram a questão do gênero e da prostituição. Os autores
das imagens tiveram acesso a vídeos e debatiam, em seguida,
as produções. Desta forma, Jeolás constatou uma mudança
na percepção das colaboradoras. “Perceberam a foto como
veículo de interrogação. Não fotografavam mais só as ‘coisas’
bonitas, mas captavam terrenos baldios, lixos e muitos outros
elementos que caracterizavam o bairro. Mais do que capturar
imagens, elas passaram a refletir sobre o local em que vivem”,
esclarece o pesquisador, que contou com o apoio financeiro
da Fapesp.
Segundo o fotógrafo, em
nenhum momento o trabalho teve como finalidade estimular
a mudança de vida dos travestis e profissionais do sexo.
A ideia foi, segundo ele, justamente partir para a auto-representação.
Além do bairro, os travestis e as mulheres profissionais
do sexo puderam ainda fazer fotos no Museu da Língua Portuguesa
e na Rua São Caetano – conhecida como a “rua das noivas”
– ambos localizados em São Paulo. Também percorreram algumas
ruas do centro de Campinas. No entanto, diz Jeolás, a noção
de realizar uma memória do bairro foi bastante evidente.
(R.C.S.)