Trinta
minutos é o tempo médio que o paciente fica exposto a uma
modalidade de exames por imagem denominada Spect (sigla
em inglês para tomografia por emissão de fóton único), utilizada
para detectar, por exemplo, se o músculo cardíaco está ou
não adequadamente irrigado. Um método de reconstrução das
imagens tomográficas que está sendo desenvolvido na Unicamp,
a partir de algoritmos numéricos, permitiria reduzir esse
tempo de obtenção de dados para até 5 minutos: seria uma
imagem com a mesma qualidade, mas com muito menos dados
e diminuindo o tempo de aquisição.
O método é fruto da tese
de doutorado de Elias Salomão Helou Neto, apresentada no
Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica
(Imecc), com orientação do professor Alvaro Rodolfo De Pierro.
“Grande parte da tese se relaciona com algoritmos para otimização
convexa, um tema bastante matemático e um tanto abstrato.
O que deve interessar mais ao leigo é esta aplicação imediata
para reconstrução em tomografia”, afirma o autor do estudo.
Elias Helou Neto explica
que a Spect serve principalmente para exames de perfusão
cardíaca, mas também para diagnósticos cerebrais e oncológicos.
No paciente é injetado um radioisótopo (marcador), geralmente
o Tecnécio-99, que não é processado pelo organismo e permanece
no sangue, possibilitando a análise do fluxo sanguíneo.
“Ao decair, o radioisótopo gera o raio gama que é detectado
por uma ou até três câmeras posicionadas em torno do paciente.
Feita a leitura pelo tomógrafo, é necessário um método matemático
para transformar esses dados em imagens do processo metabólico”.
O pesquisador apresenta
reconstruções a partir de dados reais de um paciente com
problemas cardíacos, por meio de imagens obtidas por métodos
tradicionais, em 60 ângulos diferentes. “Um software controla
o giro da câmera, que ficou meio minuto em cada posição
para gerar os dados completos. Nosso método exige apenas
dez ângulos para construir uma imagem muito semelhante,
com razoável nível de não-degradação. É uma redução para
1/6 do tempo de leitura, ou seja, de 30 para 5 minutos.
A ideia é que o paciente fique menos tempo no tomógrafo,
mas sem diminuir a qualidade do exame”.
Esta aplicação direta é a parte mais visível do estudo,
mas o autor observa que o trabalho mais intenso envolveu
a busca de algoritmos flexíveis que se encaixassem no ferramental
para resolver o problema da obtenção das imagens. “Pessoalmente,
acho que o estudo da teoria matemática recente para desenvolver
esses métodos numéricos é o aspecto mais importante. A aplicação
vem em seguida, quando programamos os métodos no computador
e observamos o resultado”.
A
diminuição dos dados, ou seja, do número de equações
usadas na reconstrução (muito menor que o número de incógnitas)
é possível e fundamentada por uma nova teoria matemática,
conhecida como Compressed Sensing. Essas idéias
– também denominadas novos Princípios de Incerteza ou
novos Teoremas de Amostragem – estão revolucionando a
matemática aplicada, especialmente em todas as áreas relacionadas
com a teoria de sinais (compressão, processamento, transmissão).
O objetivo do Grupo de Problemas Inversos do Imecc é a
extensão dessas novas teorias à reconstrução, essencialmente
de diferentes tipos de tomografia.
Agora no pós-doutorado,
Elias Helou Neto segue desenvolvendo métodos matemáticos
com algoritmos numéricos para otimização e trabalha também
na análise estatística dos resultados para definir qual
seria a redução possível no tempo de leitura do exame por
Spect. “A redução que conseguimos é mais que suficiente,
mas precisamos da comprovação estatística de que isso não
prejudicará um diagnóstico mais sensível. Ainda que o método
seja aprovado apenas para determinados exames, já vai representar
um grande avanço”.
Na Argentina
O professor Alvaro De Pierro, orientador da tese de doutorado
e que supervisiona este trabalho de pós-doc, informa
que o estudo estatístico tem a colaboração do pesquisador
Roberto Isoardi, da Fundación Escuela de Medicina Nuclear,
de Mendoza (Argentina). “Evidentemente, poderíamos desenvolver
apenas a parte teórica, que é a matemática, sem os dados
reais. Mas fazemos matemática aplicada e buscamos uma relação
direta com necessidades concretas”.
O docente do Imecc explica
que o grupo argentino, que possui o equipamento de Spect,
tem se encarregado de enviar tomografias de pacientes para
reconstrução das imagens na Unicamp. Caberá aos médicos
e físicos de Mendoza avaliar a qualidade das imagens produzidas
a partir da redução de dados. Uma vantagem é que este método
não pede adaptações no tomógrafo, apenas no software que
reconstrói as imagens.
De Pierro, que trabalha
na área de reconstrução em tomografia há mais de 20 anos,
lamenta a falta de interação mais efetiva com grupos de
pesquisa brasileiros. “Participamos de um projeto temático
com o InCOR envolvendo outra modalidade, a PET [tomografia
por emissão de pósitrons], que é a melhor ferramenta para
diagnóstico de metástases e essencial para se saber, por
exemplo, se uma cirurgia é viável ou não, entre outras aplicações.
Mas não conseguimos dados reais de pacientes em cinco anos
de projeto e trabalhamos apenas com dados simulados”.
Elias Helou Neto discorre
na tese sobre dois tipos de tomografia, por transmissão
e por emissão. “Métodos de tomografia por transmissão costumam
ter como objetivo estudar a constituição física de um objeto.
Em aplicações médicas da tomografia por raios x, por exemplo,
a anatomia dos órgãos internos pode ser investigada, pois
eles possuem, entre si, coeficientes de atenuação diferentes
e isso nos permite identificá-los em imagens obtidas por
essa técnica”.
O autor do estudo acrescenta
que a tomografia por emissão (como a Spect e a PET) vai
além da anatomia. “Em muitas circunstâncias pode haver
maior interesse sobre o metabolismo, assim como no acompanhamento
da dinâmica de um medicamento in vivo. A ideia é
detectar eventos ocorridos no interior do objeto de estudo,
por meio de sinais detectáveis do lado de fora. Em aplicações
médicas, as emissões são causadas por decaimento radioativo
de algum marcador introduzido no paciente”.
A matemática
De acordo com Alvaro De Pierro, modalidades tomográficas
como Spect e PET são classificadas como não-difrativas,
ou seja, o sinal é emitido em linha reta, sem espalhamento
ou desvio. “Em relação à Spect, uma das aplicações mais
importantes é a análise do fluxo sanguíneo, a fim de localizar
uma região infartada através dos sinais emitidos pelo tecnécio.
Quando a câmera gama detecta o sinal, determina um conjunto
de retas, ou seja, as equações para cada ângulo fixo”.
O professor afirma que o
objetivo, no caso, é diminuir o número de ângulos utilizados
para detectar a emissão de tecnécio, o que implica aumentar
os espaçamentos no giro da câmera. “Matematicamente,
isso é uma questão de otimização, com muitas incógnitas
e muitas soluções possíveis. Aplicamos então a teoria
que já mencionamos (Compressed Sensing), que considero
a mais importante da matemática aplicada neste século:
havendo um milhão de equações para um milhão de incógnitas,
tratamos basicamente de encontrar a solução, digamos,
com 50 mil equações”.
Aplicabilidade
A pesquisa de Elias Helou Neto já rendeu duas publicações
em revistas científicas, referentes aos aspectos teóricos,
sendo que o pesquisador aguarda novas avaliações do grupo
de Mendoza sobre a qualidade das tomografias, antes de produzir
artigo com os resultados diretamente aplicáveis.
Quanto à aplicação do método
desenvolvido no Imecc, o autor atenta para a impossibilidade
de qualquer previsão. “Entre a pesquisa na universidade
e a aplicação prática há sempre o fator econômico. Isso
pode acontecer caso uma empresa se interesse em lançar uma
nova geração de equipamentos dotada com este método. Os
tomógrafos já viriam com um protocolo programado, cabendo
ao técnico inserir os parâmetros no software para controlar
o giro da câmera”.
A respeito da aplicabilidade,
o professor Alvaro De Pierro observa que este e outros produtos
gerados nas universidades podem levar anos para chegar ao
público. “Trabalhamos de forma totalmente independente.
Nosso papel é fazer pesquisa e publicá-la para discussão.
Nesse caso, demos um bom exemplo de como resolver problemas
teóricos de otimização, com base numa teoria nova, demonstrando
ao mesmo tempo uma aplicação prática”.