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Um medievalista na Unicamp
Dominique Iogna-Prat, pesquisador do CNRS, dá curso e conferências no IFCH


O medievalista francês Dominique Iogna-Prat: "Fico surpreso ao ver a demanda social da história do cristianismo medieval". (Foto: Divulgação)NÉRI DE BARROS ALMEIDA*
Especial para o JU


Entre os dias 15 de outubro e 1 de novembro a Unicamp recebe, por meio do Programa de Apoio ao Professor Visitante da PRP-Faepex, Dominique Iogna-Prat, diretor de pesquisas do CNRS e do Lamop (Laboratório de Medievística Ocidental da Universidade de Paris I/Sorbonne-Panthéon). Dominique dedica-se ao estudo das lógicas religiosas do social entre os séculos IX e XII. É autor, entre outras obras, de Ordonner et exclure. Cluny et la société chrétienne face au judaïsme et à l'Islam (1000-1150) [Ordenar e excluir. Cluny e a sociedade cristã face ao judaísmo e ao islã] (Paris, Aubier, 1998) e La Maison Dieu - Une histoire monumentale de l'Église au Moyen Age [A Casa de Deus - Uma história monumental da Igreja na Idade Média] (Paris, Seuil, 2006) em que estuda, respectivamente, a construção do discurso de exclusão cristão e o estabelecimento da dimensão espacial da noção de cristandade por meio da sacralização litúrgica dos edifícios eclesiais entre os séculos IX e XIII.

O professor realizará duas conferências no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp: "O que é o sagrado? O ponto de vista do historiador da Idade Média" (20/10 às 10:30hs) e "A Igreja como objeto de estudo: da história à sociologia" (26/10 às 14hs). Também irá ministrar o curso de curta duração "A Igreja, a cidade e o espaço público na Idade Média" (18, 19 e 25/10 às 14hs). Além dessas atividades, o professor realizará seminários de pesquisa com mestrandos e doutorandos da Unicamp e discutirá acordo de cooperação entre o CNRS e o Departamento de História do IFCH. A visita de Dominique Iogna-Prat faz parte das atividades promovidas pela nova linha de pesquisa "Historiografia, cultura e religiões", do programa de pós-graduação em História.

Jornal da Unicamp – O que motiva um medievalista como o senhor a vir ensinar História Medieval no Brasil?
Dominique Iogna-Prat
– Diversas razões complementares. Primeiramente, o desejo de praticar uma história em escala global; não a história do mundo na Idade Média, mas uma história da Idade Média observada por meio de questões do homem de hoje com toda a diversidade de pontos de vista de um mundo globalizado. Em seguida, o gosto pelo Brasil, este país americano que obriga os historiadores da velha Europa a adotar um outro olhar, a mudar seu ponto de vista e a realizar a prática da história em um quadro mais amplo, aquele das ciências humanas e sociais.

JU – Como o senhor avalia o interesse crescente de estudantes brasileiros pelos estudos medievais?
Dominique Iogna-Prat
– Sem dúvida devido ao interesse por uma época fundadora da modernidade, da qual provém o Brasil. A maneira como a Europa medieval se exporta para o Novo Mundo é de fato um aspecto apaixonante do destino da história medieval. Este é aliás um dos temas que será abordado no curso “A Igreja, a cidade e o espaço público na Idade Média”: como a sacralidade eclesial europeia pode remodelar os quadros de vida no Novo Mundo.

JU - Como, efetivamente, pesquisadores brasileiros podem contribuir para o conhecimento do período medieval?
Dominique Iogna-Prat -
Eles podem fazê-lo praticando de maneira eficaz o "descentramento", o estudo feito ao mesmo tempo de empatia pelo objeto de estudo e distância, um pouco como antropólogos estudando culturas muito distantes, isso tudo com um grande apuro metodológico decorrente do aprendizado rigoroso das ciências sociais.

JU - Em sua opinião, quais as mudanças mais importantes no quadro dos conhecimentos a respeito da Idade Média nos últimos 20 anos?
Dominique Iogna-Prat
- Parece-me que esta disciplina acadêmica que trata de um período amplo (de 500 a 1500) mas limitado ao mundo antes da modernidade se desentranhou e abriu amplamente às questões dos historiadores de outros períodos e sobretudo às interrogações científicas gerais sobre os fundamentos e os modos de funcionamento das sociedades. Este horizonte de uma história total se inscreve, evidentemente, na dinâmica da Escola do Annales mas que soube articular, daí em diante, horizontes amplos e restritos de estudo, caracterizado (no espírito da "micro-história") por um jogo de escalas extremamente estimulante.

JU - Ainda há muito o que descobrir ou revelar sobre a Idade Média? Que temas ou problemas promissores para o conhecimento do período ainda são pouco explorados?
Dominique Iogna-Prat
- Creio que o mais urgente a investigar na Idade Média é a razão de ser desta categoria e dessa prática acadêmica na construção de nossa própria identidade de homens do século XXI. Para que nos serve a Idade Média? Em que as questões deste passado original nos ajuda a apreender melhor as questões sociais atuais? Em que medida os estereótipos do presente - por exemplo, a xenofobia e as questões raciais - ganham um esclarecimento por meio de um retorno à história da Europa cristã na Idade Média?

JU - Quais as principais diferenças entre a pesquisa e o ensino sobre a Idade Média em países como França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos e que lições o sr. acredita que se possa tirar dessas experiências?
Dominique Iogna-Prat
- A abertura historiográfica efetiva e amplamente praticada há um quarto de século permite perceber melhor as diferenças de história e de análise por países e espaço cultural. Fico realmente surpreso ao ver o quanto ainda somos dependentes da grande virada dos anos 1880-1900 no decorrer dos quais nossos campos disciplinares foram organizados no quadro de culturas nacionais. É primeiramente a construção de categorias filosóficas em língua vernácula nos séculos XVII e XVIII que nos obriga a pensar em termos de culturas nacionais. No entanto, a mudança nesse quadro é rápida. Por um lado, o movimento da História Mundo ou História Global ampliou horizontes. Por outro, a construção europeia, que obriga os estudantes a se formar em dois ou três países, está a ponto de en-gendrar uma nova geração de historiadores que serão, sem dúvida, capazes de operar diferentes historiografias.

JU - O estudo da Igreja e do cristianismo medieval podem ajudar a compreender melhor a contemporaneidade?
Dominique Iogna-Prat
- Este estudo é de grande atualidade! Fico surpreso ao ver a demanda social da história do cristianismo medieval, e isso tanto na Europa quanto nas duas Américas. Parece haver uma relação entre essa época marcada pela enorme variedade de oferta do religioso e pessoas mais preocupadas com os fundamentos religiosos das sociedades humanas. Para um historiador das religiões, semelhante demanda social é muito estimulante.

JU - A interdisciplinaridade continua um objetivo incontornável tanto aos projetos de pesquisa quanto de ensino. Seus trabalhos dialogam de forma intensa tanto com a sociologia quanto com a antropologia. O que a produção do conhecimento histórico em geral pode aprender com a prática interdisciplinar no domínio dos estudos medievais?
Dominique Iogna-Prat
- Nós historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos, somos fundamentalmente cientistas pertencentes ao mesmo universo: as ciências do homem e da sociedade. Estou certo da importância que o papel do medievalista pode ter a desempenhar em um mundo científico livre de paliçadas. Um exemplo vem do fato de que não temos como compreender a história a longo termo do indivíduo moderno ou da gênese das sociedades modernas sem retornarmos à nossa base ocidental comum: o laboratório dos pensadores escolásticos, o tempo em que foram forjadas as próprias noções - por exemplo, de individuação, de bem comum, de comunidade - que, em seguida, vão ser sistematizadas pelo direito constitucional ou pela sociologia, sem falar daquilo que a psicologia moderna deve aos tratados medievais sobre os movimentos da alma.

JU - Fala-se muito na contribuição da sociologia e da antropologia para a história mas poucas vezes se ouve falar de contribuição no sentido inverso. Como o senhor vê o papel da história no debate interdisciplinar?
Dominique Iogna-Prat
- Por muito tempo os historiadores se sentiram devedores da sociologia e da antropologia pelos conceitos e categorias que utilizavam um pouco como se eles tivessem um complexo face a disciplinas com forte potencial metodológico e teórico. Creio que as relações estão a ponto de se inverter. O que eu dizia há pouco sobre o laboratório escolástico é um bom exemplo: a história ajuda a reconstruir a gênese da formação da tradição sociológica e os fundamentos da reflexão sobre o homem que levou à emergência da antropologia. Mas para que esse movimento atinja sua plenitude, ainda é preciso que o historiador da Idade Média aceite sair de seus limites e que esteja disponível para trocas sem complexo!

JU - Que ideias o sr. pretende defender nas conferências que irá apresentar na Unicamp?
Dominique Iogna-Prat
- Gostaria muito de incitar justamente um movimento contrário aos enclaves disciplinares tanto dos especialistas em Idade Média quanto de historiadores em geral, sociólogos e antropólogos das religiões e mostrar o importante polo federador que representam, para todos nós, noções gerais como as de "sagrado" ou de espaço público.


*Néri de Barros Almeida é professora de História Medieval do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e coordenadora associada do Laboratório de Estudos Medievais (Leme), que reúne professores e pesquisadores da área atuantes na Unicamp, USP, Unifesp, UFMG e UFG




 
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