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Água de neblina garante sobrevivência
de árvores na Serra da Mantiqueira
Pesquisa desenvolvida no
IB mostra
que gotas são absorvidas pelas folhas
Em
Campos do Jordão, no interior do Estado de São
Paulo, a neblina já faz parte do cartão postal
da cidade. Além disso, quando interceptada pelas superfícies
das florestas de altitudes e gotejada no solo, a neblina pode
ser fonte de água para as raízes, garantindo
a sobrevivência das plantas em épocas secas.
Pesquisa desenvolvida no Instituto de Biologia (IB) apontou
outro papel importante da neblina para as matas nebulares:
suas gotas são absorvidas pelas folhas das árvores
e, consequentemente, podem acabar hidratando outras partes
da espécie. O estudo apontou que a água da neblina
absorvida pelas folhas pode representar de 30% a 40% do conteúdo
de água no interior dos tecidos foliares da árvore.
"Até então,
não se tinha uma comprovação científica
de que as folhas de espécies arbóreas tropicais
absorviam água de neblina, tampouco não era
sabido como o transporte de água do exterior para os
tecidos foliares pode ocorrer. A informação
é nova e pode contribuir para o entendimento do papel
ecológico da neblina em regiões onde o fenômeno
é constante", explica a autora do estudo, a bióloga
Aline Lopes e Lima.
Outros trabalhos já indicavam
que na região de Itatiaia, a cem quilômetros
de Campos do Jordão e também pertencente ao
complexo da Serra da Mantiqueira, a neblina está presente
em cerca de 60% dos dias do ano. Trata-se de uma frequência
alta e que deve ser ainda maior em Campos do Jordão,
pois os funcionários do Parque Estadual, onde a pesquisa
foi realizada, reconhecem a presença de neblina em
torno de 80% dos dias do ano.
Neste
cenário, explica Aline Lima, a água da neblina
interceptada e absorvida diretamente nas folhas favorece a
hidratação imediata dos tecidos aéreos
e o desempenho ecofisiológico, permitindo maior assimilação
de carbono. Como consequência, as árvores ganham
em crescimento e sobrevivência, mesmo sob baixa disponibilidade
de água no solo. "A neblina é uma importante
fonte de água para os ecossistemas terrestres e pode
molhar as superfícies das plantas, mesmo que não
haja aumento significativo do conteúdo de água
no solo", lembra.
A pesquisa tomou como objeto três espécies de
árvores abundantes na região. São elas:
a Drimys brasiliensis, a Eremanthus erythropappus e a Myrsine
umbellata, cujos nomes populares são cataia, candeia
e capororoca, respectivamente. Das três espécies,
a bióloga obteve mudas por sementes ou remoções
nas matas nebulares de Campos do Jordão e realizou
os experimentos em laboratório e em casa de vegetação.
Num primeiro momento, ela conseguiu evidenciar as vias anatômicas
envolvidas no transporte da água do meio externo para
o interior das folhas, ou seja, por meio de soluções
contendo sais que ficam fluorescentes, como contraste, sob
a luz ultravioleta. Assim, observou a difusão direta
pela cutícula em todas as espécies e participação
de outras estruturas, como os tricomas ou pêlos das
folhas.
As concentrações
de neblina entre 30% a 40% do conteúdo de água
no interior dos tecidos foliares da árvore foram obtidos
a partir de experimentos de nebulização artificial
com água enriquecida em óxidos de deutério.
Trata-se de um estudo em longo prazo realizado com plantas,
cuja única fonte de água era a da nebulização
exclusiva das folhas, sendo que o solo foi isolado da entrada
de água.
Para comparação,
amostras de plantas também foram tratadas com irrigação
contínua do solo, enquanto outras eram apenas deixadas
sem nenhum tipo de água. A cataia, por exemplo, morreu
no primeiro mês sem nenhum tipo de irrigação,
enquanto que o tratamento com neblina artificial fez com que
a mantivesse viva por mais de dois meses. "A neblina
favoreceu a manutenção das trocas gasosas, maior
crescimento e maior sobrevivência das espécies
arbóreas", conclui.
Publicação
Tese "O papel ecológico da neblina e a
absorção foliar de água em três
espécies lenhosas de Matas Nebulares, SP - Brasil"
Autor: Aline Lopes e Lima
Orientador: Rafael Silva Oliveira
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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