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O rural na memória afetiva
de idosos
Visitas de grupos a propriedades rurais
de São Paulo suscitam recordações
A
expansão do turismo cultural, especialmente aquele
voltado à educação patrimonial no Estado
de São Paulo, levou a pesquisadora Lívia Morais
Garcia Lima a investigar de que formas as propriedades rurais
históricas paulistas proporcionam atividades de lazer
direcionadas ao público idoso. O resultado mais relevante
de sua pesquisa apontou que o prazer de construir um conhecimento
sobre o passado rural por meio da reconstrução
das memórias familiares é o principal elemento
motivador dessas visitas.
Lima explicou
que boa parte dos visitantes é composta de filhos de
imigrantes que, quando desembarcaram no Brasil, foram trabalhar
em fazendas de café. Outra parte dos visitantes chegou
a viver nessas fazendas como colonos, portanto, não
tinham o direito de entrar na casa sede. "O retorno a
esse espaço permitiu não só a reconstrução
de laços familiares como também conhecer o que
antes era proibido", afirmou a pesquisadora.
Para a
fase de análise, Lima selecionou duas fazendas entre
as 14 participantes do projeto em políticas públicas
"Patrimônio Cultural Rural Paulista: espaço
privilegiado para pesquisa, educação e turismo"
- a Quilombo, localizada na cidade de Limeira, e a Pinhal,
na cidade de São Carlos. Nelas, a pesquisadora acompanhou
dois grupos de classe média alta e dois grupos de classe
média baixa. Ela disse que, apesar não ser o
seu objetivo, essa diversidade social acabou enriquecendo
muito o trabalho.
Depoentes
A
partir do acompanhamento, Lima estabeleceu um contato mais
próximo com os grupos. Como o pessoal que esteve na
Fazenda Quilombo era proveniente da cidade de São Paulo,
com a ajuda do res-ponsável, a pesquisadora agendou
um novo encontro, agora na capital paulista, e lá cinco
idosas deram entrevista. "Pude perceber que eram pessoas
com grau superior completo, de classe média alta",
disse.
Na Fazenda Pinhal, onde os grupos eram de classe média
baixa, Lima acompanhou idosos de um centro de convivência
da cidade de Ibaté - localizada ao lado de São
Carlos. Ficou acordado que ela visitaria esse centro para
colher os depoimentos. Segundo Lima, são pessoas muito
carentes e que se sentiram valorizadas pelo fato de que monitores
e guias da fazenda terem dado uma atenção especial.
"No final da visita, por exemplo, foi oferecido a eles
um café no salão nobre da fazenda", contou.
Na instituição,
com a ajuda da terapeuta ocupacional, ela se aproximou mais
deles. "Alguns até lembravam meu nome", disse
sorrindo. Muitas vezes o depoimento era carregado de emoção,
como o de uma senhora que chorou ao lembrar que seu pai veio
do Japão para trabalhar na fazenda de café.
Ela era de origem urbana e foi muito importante para ela conhecer
a fazenda para saber como seu pai trabalhou e enfrentou sérias
dificuldades, enquanto imigrante.
Para
Lima, independentemente da classe social, essas visitas tiveram
um caráter educativo, deixando de longe o conceito
de um passatempo desprovido de valor. "É isso
que tento mostrar. O turismo é uma ferramenta de educação.
Por meio da educação patrimonial e do turismo cultural é
possível criar uma visita diferente a partir de uma
perspectiva educacional não-formal", acrescentou.
História oral
Graduada no curso de turismo da Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
(UNESP), Lima veio para a Unicamp à procura da professora
Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, na época diretora
do Centro de Memória da Unicamp (CMU). O interesse
pela metodologia da história oral associado a um nome
de referência nacional motivou a aluna a desenvolver
seu mestrado.
Ela contou que nesse meio tempo surgiu
o projeto em políticas públicas "Patrimônio
Cultural Rural Paulista: espaço privilegiado para pesquisa,
educação e turismo", financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) e coordenado pelo professor Marcos Tognon, do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Trata-se
de um projeto interdisciplinar do qual o CMU é parte
integrante. "É um projeto pioneiro que trabalha
com fazendas históricas paulistas que antes eram inacessíveis
a qualquer pesquisador. A professora Olga me levou a conhecer
o programa de mestrado em Gerontologia desenvolvido em seu
início na Faculdade de Educação (FE)
e agora sediado na Faculdade de Ciências Médicas
(FCM)", afirmou.
A experiência de um estágio realizado no Museu
de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
(USP), trabalhando a educação patrimonial com
a chamada terceira idade, foi outro fator motivador para a
pesquisadora. A inquietação trazida pelos proprietários
das fazendas para as reuniões, sobre como entreter
esse segmento etário, ajudou na definição.
No entanto, ela faz uma crítica sobre os termos "terceira
idade" e "melhor idade". Para ela, os slogans
criados para programas do governo federal ou por empresas
turísticas na verdade ocultam a questão da fragilidade,
das doenças e, também, da incapacidade físico-cognitiva
e tentam ideologicamente afastar a realidade da velhice, vendendo
a ideia de que o lazer e o turismo rejuvenescem. "Então,
eu utilizo os termos velho ou idoso", revelou.
Lima
disse ainda que um dos próximos passos da pesquisa
será realizar um estudo da demanda desse tipo de turismo,
não só para os idosos como também para
crianças e adolescentes. "É necessário
pensar em uma educação do uso do tempo livre,
já na fase escolar, e que terá continuidade
ao longo da vida a partir de propostas de lazer que visem
os interesses, as competências e as identidades do turista,
seja ele idoso ou não, para que tais atividades ganhem
significado e não sejam somente um passatempo qual-quer".
No entanto, pelas informações colhidas durante
o desenvolvimento do trabalho, é possível afirmar
que essa demanda vem crescendo de maneira contínua.
O certo é que, segundo a pesquisadora, essa faixa etária
está se tornando um grupo potencial de consumo dessa
classe de turismo. "Eu senti que pelos proprietários
das fazendas há uma necessidade de criar roteiros e
atividades voltadas a esse segmento porque tem que haver uma
diferenciação", argumentou.
Exemplo do que foi citado pela autora, a Fazenda Pinhal não
cobra entrada para pessoas a partir dos 60 anos de idade.
Isso mudou o perfil do público que visita a estância.
Muitos idosos de bairros periféricos de São
Carlos e outras cidades próximas estão indo
conhecer a fazenda. Por ser um patrimônio tombado pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) e por ser bastante conhecido na história
do município, o espaço tem atraído muito
o interesse da classe média baixa.
A
pesquisadora chamou a atenção para o fato de
que no Brasil existe muito pouca literatura sobre idosos,
turismo e lazer. "Esse foi outro motivo pelo qual fiquei
instigada a realizar essa pesquisa. Eu creio no crescimento
desse setor altamente promissor", ressaltou. Para ela,
o turismo é visto como um mercado econômico,
no entanto ela defende a ideia de que ele é um fenômeno
social e a partir daí cria relações,
dando outro sentido para a sua realização. "É
na área cultural que eu acredito que isso se identifica
de maneira concreta, a partir da valorização
do patrimônio cultural e histórico. Isso pode
se dar de maneira diferente. Não basta pensar apenas
nas práticas mais tradicionais do turismo como na área
operacional e de gestão hoteleira", concluiu.
Artigos
LIMA, L.M.G. . O turismo cultural em
fazendas históricas paulistas como estratégia
na busca da qualidade de vida na terceira idade. In: VII Congresso
Nacional de Turismo Rural, 2010, Presidente Prudente - SP.
O turismo rural e as territorialidades na perspectiva do campo
e da cidade, 2010. p. 1-21.
LIMA, L.M.G. . Velhice e Turismo: atualidade e perspectivas
da educação patrimonial não - formal
em fazendas históricas paulistas. In: 37 Encontro Nacional
de Estudos Rurais e Urbanos, 2010, São Paulo. CERU.
São Paulo : Humanitas, 2010. v. 1. p. 50-51.
LIMA, L.M.G. . Envelhecimento, Turismo Rural e Educação
Patrimonial: a criação de oportunidades de fruição
do patrimônio cultural rural pelos grupos de terceira
idade. In: III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia,
2009, São Paulo. Cadernos Temáticos Kairós.
São Paulo : EDUC, 2009. v. 5. p. 65-65.
Publicação
Dissertação "Turismo,
cultura e velhice bem-estar: contribuições para
a elaboração de atividades turístico-culturais
para idosos no contexto de fazendas históricas paulistas"
Autora: Livia Morais Garcia Lima
Orientadora: Olga Rodrigues de Moraes Von Simson
Unidades: Faculdade de Educação (FE)
e Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp
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