Tese revela
papel de Zoroastro Artiaga na difusão da Geologia
O desbravador
A
geógrafa Giovana Galvão Tavares resgatou no
divulgador goiano Zoroastro Artiaga (1891-1972) uma versão
da história regional de Goiás, em sua pesquisa
de doutorado. Ferrenho defensor da região, este personagem,
em diferentes momentos, foi à mídia e aos órgãos
competentes mostrar o vigor econômico de Goiás
para rebater o discurso vigente nas décadas de 1930
e 1940 de que a região não daria conta de receber
a capital federal. Também contribuiu para mostrar que
estudiosos estrangeiros estavam pesquisando terras goianas
para se apropriar de recurso mineral radioativo, visando empregá-lo
na confecção de armamentos. "Zoroastro
se distinguiu na divulgação da ciência
como pesquisador de Geociências, debatendo temas como
os recursos minerais e as redes ferroviária e rodoviária",
acrescenta a geógrafa.
Zoroastro
foi objeto de tese de Tavares defendida recentemente no Instituto
de Geociências (IG), orientada pela docente do Departamento
de Geociências Aplicadas ao Ensino (Dgae) Silvia Fernanda
de Mendonça Figuerôa, diretora do IG. Ele foi
estudado sob as vertentes da História da Ciência
e do Método Biográfico, além do contexto,
que abriu as portas para desvendar uma parte essencial dessa
história. Tavares se ancorou na nova historiografia
da ciência que estabelece diálogo com a História
Cultural, ao investigar objetos e personagens "escondidos",
antes desconsiderados.
Tavares,
que já tinha obtido o título de mestre pelo
IG da Unicamp, conta que Zoroastro foi advogado na década
de 1930. Segundo ela, naquele momento havia uma busca por
apresentar a região para a nação, com
a finalidade de promover a sua integração econômica,
social e cultural. Foi neste panorama que ele foi encarregado,
pelo governo do Estado, de fazer algumas pesquisas na área
de Geologia.
Enviado
para o Rio de Janeiro e para São Paulo, a fim de fazer
um curso de especialização na área de
Geologia e de Mineralogia, para aplicar seus conhecimentos
à Geologia do Estado de Goiás, Zoroastro desde
então dedicou-se de corpo e alma a este trabalho. Nessa
mesma década, período de maior destaque de suas
atividades, ele começou pesquisas de campo em Goiás
acompanhado de algumas equipes de trabalho. Eles vislumbravam
descobrir novos recursos minerais na região, e assim
foi com o níquel na cidade de Niquelândia.
Esses resultados
foram divulgados em Goiás e no restante do país.
Zoroastro encaminhou tais achados ao Ministério das
Relações Exteriores, inclusive junto com um
documento notificando que em Goiás havia sido encontrado
igualmente rádio. Isso ocorreu durante a II Guerra
Mundial.
Zoroastro
desconfiou que algumas pesquisas conduzidas no Estado de Goiás
por norte-americanos e japoneses ocultavam o intuito de se
apropriar deste recurso mineral para empregar na confecção
de armamentos em seus países. Sua resposta veio no
livro - Geologia Econômica -, de 1946, que propagava
mundialmente o tipo de recurso mineral existente em Goiás,
incluindo minério radioativo - o rádio.
Nesse livro,
o estudioso descrevia em detalhes os recursos existentes em
diferentes lugares de Goiás, os mesmos que foram revelados
por Zoroastro durante os levantamentos de campo e mediante
pesquisa bibliográfica. Identificando-os, o professor
Zoroastro enviou-os em especial a industriais e a empresários
de projeção, na expectativa de explorarem a
região.
Com a descoberta
de "rádio", Zoroastro foi tido como lunático,
salienta Tavares. Ele foi então à mídia
protestar e, como medida comprobatória, remeteu documentos
bem-embasados ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT) de São Paulo, solicitando ao órgão
que revisse algumas posturas em relação ao minério.
O embate
permaneceu, relata Tavares. Ocorre que, infelizmente, a geógrafa
não conseguiu juntar provas substanciais sobre o desfecho
do caso, devido à falta de documentos nos arquivos
públicos de Goiás. Mas o assunto ganhou dimensões
nacionais ao chegar ao IPT. "Mais tarde, descobriu-se
rádio na região, ainda que em número
reduzido. Para isso, somado ao levantamento dos recursos minerais,
o professor procurou se escorar em aporte teórico de
geólogos renomados, como o engenheiro de minas Otto
Leonardo", menciona a pesquisadora.
Capital
Outro motivo
de preocupação de Zoroastro foi um embate político
para a não-transferência da capital federal para
Goiás. O professor recorreu novamente aos meios de
comunicação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro,
além de Goiás, na década de 1940, para
discutir essa transferência. "Fizeram de tudo para
denegrir a imagem da região, defendendo a transferência
para Minas Gerais", conta Tavares.
Na década
de 1950, Zoroastro fez uma outra aparição na
mídia a pretexto de discutir mais uma vez os recursos
minerais. Nesse momento, ele reafirmou que Goiás era
sim um Estado promissor, rebatendo as ofensivas da comissão
que definia o espaço onde a nova capital federal deveria
ficar.
A comissão
expressava que o Estado de Goiás não tinha condições
naturais para receber a capital federal por causa da falta
de água e de recursos hidrominerais para a construção
civil. Zoroastro desta vez destacou na mídia a quantidade
suficiente de água na região, dissipando ataques
infundados.
Não
apenas pela existência de minérios preciosos,
Zoroastro acreditava que a instalação da nova
capital em Goiás, Goiânia, seria uma forma de
integrá-la enquanto região interiorana esquecida
pela nação. "Goiás fazia parte da
nação e portanto tinha condições
de exercer um discurso de modernidade e de desenvolvimento",
discute a geógrafa.
Publicações
Em três
décadas, Zoroastro escreveu regularmente para mais
de 30 jornais, publicou em cerca de 60 jornais e concebeu
pelo menos 12 livros científicos. Oito artigos permaneceram
sem publicação. Ele foi um personagem bem-quisto
também na História da Ciência, explica
Tavares, porque metodologicamente acabou fazendo trabalhos
de divulgação do conhecimento científico
que até então não haviam sido efetuados
utilizando a Geociências. "Foi peça-chave
para apresentar à nação uma região
escondida", afirma Tavares.
Entre outras
importantes atuações, o professor Zoroastro
participou da inauguração de Goiânia,
em 1933, juntamente com Pedro Ludovico, na época governador
e interventor do Estado Novo. Foi agente destacado para a
sua instalação e um dos primeiros funcionários
do governo, ocupando cargos de relevo. Como conselheiro administrativo,
ele teve poder de decidir o que seria feito econômica
e administrativamente. Veio o Estado Novo e a delimitação
dos municípios. Na época em que Goiânia
estava sendo fundada, em seu planejamento urbano constava
uma população de 50 mil pessoas. Hoje a sua
Região Metropolitana é de quase 2 milhões
de habitantes.
A maior
contribuição de Zoroastro, nos estudos regionais,
foi o trabalho realçando os cuidados com os recursos
naturais: a identificação desses recursos e
a sua localização. Isso porque até aquele
momento não havia em Goiás uma agência
ou um órgão público encarregado da administração
dos recursos minerais. "Ele foi um divulgador do assunto
e lutou para o rompimento com o discurso de que Goiás
era atrasado e de que as verbas destinadas a ele deveriam
ser menores, posto que tinha uma população pouco
representativa", comenta Tavares.
Zoroastro
foi um conhecedor de Goiás, expõe ela. Viveu
a política local congregando várias comissões
em espaços municipais. Criou uma infinidade de instituições
culturais, entre elas a Academia Goiana de Letras e o Instituto
Histórico e Geográfico. Teve uma importante
inserção no discurso para a integração
de Goiás à nação, garante Tavares,
e soube tirar proveito disso indo aos órgãos
competentes procurar apoio.
O pesquisado
fez um apanhado sobre o valor da região, o qual distribuiu
ao Governo Federal, atestando a sua pujança econômica
para o país. "Encarou como compromisso a ideia
de popularizar as informações sobre os recursos
minerais de Goiás e levou esse conhecimento para a
região, para a nação e para fora do país",
situa Tavares.
De acordo com a geógrafa, Zoroastro alcançou
um bom reconhecimento em sua terra, emprestando o seu nome
ao Museu Goiano "Professor Zoroastro Artiaga". Teve
ainda o mérito de receber o Prêmio Shell da Rádio
Nacional, de grande prestígio na década de 1940,
por conta da identificação dos recursos minerais
em Goiás.
Com o passar
do tempo, porém, expõe Tavares, Zoroastro caiu
no ostracismo. "No Museu hoje existe apenas uma pequena
sala dedicada a ele, não obstante o seu papel marcante
na vida de Goiás, sobretudo até a década
de 1950", informa a pesquisadora. "Ao resgatá-lo,
contamos uma versão da história regional que
dá um maior suporte à História da Ciência."
Publicação
Tese de Doutorado "Zoroastro Artiaga - o divulgador
do sertão goiano (1930-1970)"
Autora: Giovana Galvão Tavares
Orientadora: Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
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