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Barreira térmica reduz uso de antibióticos
e volume de vinhaça na produção de etanol
Tecnologia desenvolvida na FEA diminui
inoculação de contaminantes na fermentação

Usina na região de Campinas: pesquisa abre perspectivas para a produção de um bioetanol mais "limpo" e de melhor qualidade. (Foto:Antoninho Perri)A utilização de uma barreira térmica em mosto de caldo de cana e melaço para fermentação na produção do bioetanol brasileiro resultou na eliminação do uso intensivo de antibióticos para controle de contaminantes nessa etapa do processo, contribuindo para a sustentabilidade da cadeia de produção de biocombustíveis. A pesquisa realizada pelo engenheiro químico Jonas Nolasco Junior, do Departamento de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), conseguiu ainda reduzir o volume de vinhaça gerada durante o processo por eliminar, da fermentação, os contaminantes e seus efeitos inibidores sobre as leveduras do processo. Trata-se, segundo Nolasco Junior, de uma tecnologia madura que, apesar de ser utilizada em outros segmentos da indústria, ainda não havia sido usada na produção do combustível. Trata-se de proposta tecnológica para uma grande deficiência que está na base da tecnologia atual de produção do bioetanol combustível no Brasil. Basicamente, ela reduz de forma drástica a inoculação de contaminantes na fermentação.

A sua aplicação permitiu ao pesquisador vislumbrar, por exemplo, a possibilidade de aumentar a concentração de álcool na fermentação em pelo menos 30%. "Isso significa saltar do valor médio brasileiro de 8,5% para quase 11% em volume de álcool no final da fermentação", afirmou. Na mesma proporção, ocorre uma redução no volume de vinhaça produzido, contribuindo para viabilizar economicamente a aplicação racional da mesma nos canaviais por meio da fertirrigação.

A pesquisa, que culminou com a tese de doutorado de Nolasco Junior, orientada pela professora Pilar Rodriguez de Massaguer, da FEA, teve início quando o pesquisador ainda trabalhava no Centro de Tecnologia Copersucar (CTC). "É uma pesquisa aplicada, decorrente da minha experiência profissional como líder de projetos, transferência de tecnologia e assistência técnica na área de fermentação em usinas de açúcar e álcool, cooperadas ao sistema Copersucar".

Ela fornece uma proposta tecnológica para a produção de bioetanol em um aspecto no qual a tecnologia atual é bastante vulnerável. O projeto do processo de fermentação no Brasil não apresenta contenções ou barreiras de dentro para fora ou de fora para dentro, portanto o ambiente do processo de fermentação admite uma grande biodiversidade. Além da levedura de processo, que as indústrias inoculam no início da safra para iniciar a fermentação - e que são aquelas desejáveis para conduzir o processo - são encontradas bactérias e leveduras selvagens, muitas das quais com características fermentativas indesejáveis. O ambiente da fermentação é área na qual se trava uma competição feroz pelo açúcar da cana. Isso é uma consequência da tecnologia.

O engenheiro químico Jonas Nolasco Junior, autor da tese, ao lado de equipamento usado na pesquisa: Temos na verdade uma fábrica de vinhaça e não de etanol". (Foto: Antoninho Perri)Por conta dessa biodiversidade, o teor alcoólico final máximo que se consegue na fermentação industrial é de 8,5% em volume. As bactérias exercem forte efeito inibidor sobre as leveduras, o que limita sua tolerância alcoólica. Isso significa que, a cada litro de etanol, também são produzidos cerca de 15 litros de vinhaça. "Ou seja, temos na verdade uma fábrica de vinhaça e não de etanol", argumentou Nolasco Junior. Essa vinhaça pode ser tanto resíduo como subproduto. Depende da forma como será utilizada depois de gerada. Ela contém os macro e micronutrientes que foram extraídos durante o corte da cana e a prática da fertirrigação - que significa voltar a vinhaça para o solo - recicla esses nutrientes minerais, principalmente o potássio, além da água.

Acontece que, por ser um volume muito grande, os critérios de disposição dessa vinhaça são, em geral, econômicos e não racionais de reposição do que o solo precisa. O custo de transporte da vinhaça para toda a área de cana colhida é muito alto, porque ela é muito diluída. Nesse momento ela pode ser considerada um resíduo, porque se a usina praticar uma sobredosagem com critério econômico, isso pode trazer prejuízos ao solo como salinização e contaminação do lençol freático, por exemplo. A origem desse problema está na tecnologia atual do processo de fermentação, por meio da qual é gerada a vinhaça. As bactérias conta-minantes inibem muito as leveduras e elas não conseguem suportar teor alcoólico mais elevado.

Perdas

Na outra ponta, a fermentação concentra dentro das usinas, no mínimo, um terço de todas as perdas determinadas durante o processamento do caldo, ou seja, mais de 30% do total, podendo ser maior dependendo da proporção de etanol produzido, sendo que a maior parte delas associadas à presença dos contaminantes. Por exemplo, algumas espécies de lactobacilos, um importante grupo de contaminantes da fermentação, provocam a floculação do fermento e aumento do tempo de fermentação. Isso é um desastre operacional que exige grandes gastos em insumos - produtos como ácido sulfúrico e antibióticos - para controlar e reverter o problema, se considerarmos os volumes dos fermentadores. "Temos hoje fermentadores de até 1 milhão de litros e até mais em alguns casos. É coisa gigantesca, portanto, para reverter um problema numa instalação desta, o custo é muito alto", garantiu o engenheiro químico. Trata-se de uma estratégia de controle corretiva: deixa-se o problema estabelecer para corrigi-lo.

As bactérias contaminantes são controladas com o uso intensivo de antibióticos, alguns de uso humano e outros quimicamente relacionados ou não como a monensina sódica e a vir-giniamicina, produtos de grande uso e eficácia no controle dos lactobacilos contaminantes da fermentação. Aí, de acordo com Nolasco Junior, reside outro problema ambiental que está na base da tecnologia atual de produção de etanol. O uso intensivo de antibióticos tem sido um motivo de preocupação mundial. O desenvolvimento da resistência é fenômeno biológico natural que se seguiu à introdução de agentes microbianos na prática clínica. O uso desmedido e irracional desses agentes tem contribuído para o aumento do problema, a chamada pressão antiobiótica referente à relação entre extensão de uso de antibióticos e seleção de cepas resistentes.

Há, atualmente, uma campanha mundial em nível de restrição de uso de antibióticos na terapêutica. Um dos principais usos não-humanos de antibióticos é na nutrição animal, como promotores de crescimento, na criação intensiva de animais. Isso faz com que o setor de biocombustíveis se junte ao setor de nutrição animal como fontes não-humanas que sustentam o aparecimento de bactérias nocivas ao homem, resistentes a antibióticos. O assunto é controverso, mas no âmbito da União Europeia o uso contínuo de antibióticos como promotores de crescimento foi proibido a partir de 2003, inclusive os produtos à base de monensina sódica e outros que não são usados na medicina humana. "Temos aí, então, dois problemas ambientais decorrentes da base tecnológica atual, um projeto conceitual falho que condena o processo à contaminação, que por sua vez inibe e limita a tolerância alcoólica das leveduras resultando num volume excessivo de vinhaça", observa o pesquisador.

As bases desta pesquisa estão na realização, ainda no CTCopersucar, de um balanço de bactérias cujo resultado foi expressar seu acúmulo na fermentação em razão de parâmetros operacionais bastante conhecidos por todos e também pelos operadores nas usinas: nível de contaminação do mosto e na água utilizada no tratamento do fermento previamente ao reciclo, velocidade de reprodução das bactérias na fermentação e taxa de rejeição de bactérias do sistema pelas centrífugas que reciclam o fermento.

O reciclo do fermento confere grandes ganhos de produtividade ao processo brasileiro, no entanto as bactérias presentes também são em parte recicladas para a fermentação e em parte rejeitadas. Para cada um desses parâmetros que expressam o acúmulo de bactérias, foi proposta uma tecnologia. O desafio é maximizar a rejeição das bactérias. Para isso, foi proposta a dupla centrifugação do fermento, denominada de desinfecção mecânica da fer-mentação por conferir um aumento na rejeição das bactérias de 30% para 70-75%, de forma contínua.

O balanço de bactérias foi validado em fermentação industrial e observou-se que uma barreira importante a ser colocada era para as bactérias que vinham com o mosto. Até então, não havia consenso de que as bactérias do mosto eram as mesmas da fermentação. A questão das diferentes pressões seletivas ao longo do processo alternando os grupos de contaminantes dominantes em cada etapa não estava bem entendida. Havia uma discussão. Isso foi demonstrado através do trabalho que Nolasco Junior realizou sobre a importância da inoculação de contaminantes pelo mosto. E mais do que bactérias, o mosto inoculava também leveduras selvagens que acabavam disputando espaço e o açúcar disponível para fazer álcool, desencadeando fermentações paralelas com queda de rendimento.

O pesquisador afirmou ainda que veio para a Universidade para buscar os fundamentos da termobacteriologia para poder desenhar o processo térmico. "Havia sempre a preocupação de que, esterilizando o mosto, haveria a destruição de açúcar. Viemos aqui estudar como os açúcares do mosto se degradam com a temperatura e na matriz do mosto - no ambiente mais complexo em presença de sais, macro e micronutrientes", comentou. Baseado em estudos de outros autores, Nolasco Junior identificou o contaminante de maior resistência térmica, os esporos de Geobacillus stearothermophilus, e escolheu-o como alvo, considerando que, com sua destruição, seria uma garantia de que todos os outros menos resistentes e portanto mais termo-sensíveis seriam eliminados.

Por sorte, foi possível otimizar o processo, ou seja, os açúcares têm uma velocidade de degradação muito menor do que o micro-organismo mais resistente. A região de tratamento térmico projetada tem dois limites superiores: um representado por condições mais brandas, que preserva a sacarose sem sofrer hidrolise térmica e outro representado por condições mais drásticas que admite um certo grau de hidrolise térmica da sacarose, porém preservando os monossacarídeos glicose e frutose produzidos. Foi possível desenhar uma região de processo térmico gráfico com várias combinações de tempo e temperatura capazes de acomodar as mais variadas condições possíveis de serem encontradas nas usinas. É uma região com flexibilidade e condições ótimas para serem implementadas e produzindo exatamente o mesmo resultado. A eficiência do processo foi verificada em unidade piloto de esterilização contínua do Departamento de Ciência de Alimentos.

Nolasco Junior observa que as características fermentativas dos mostos tratados termicamente foram preservadas. "Essa avaliação foi feita utilizando duas linhagens de uso industrial na produção de etanol no Brasil." O pesquisador disse ainda que nesse momento trabalha na engenharia de implantação do processo, tudo suportado por essa pesquisa básica. Isso significa que o projeto e o processo foram revisados para incorporação de conceitos de bioprocessos com contenções e barreiras. Não basta colocar a barreira térmica no mosto, as dornas de fermentação atuais não incorporam conceitos sanitários, não são limpáveis. Quando se evolui para processos mais limpos, como esse, é necessário o uso de materiais que sejam limpáveis e esterelizáveis. Por exemplo, o preço do aço inoxidável 304 atualmente é apenas duas vezes e meia mais caro que o aço carbono - que é um material não-limpável e não-esterelizável pela rugosidade que apresenta. "Estamos aproveitando a queda na diferença do preço do inox 304 e combinando isso com engenharia de bioprocessos que resultou num projeto de fermentação de alta produtividade, para minimizar a alocação de volume de reatores na fermentação, e alteração na geometria dos fermentadores. Tudo isso junto faz com que a diferença de custo entre os materiais seja mínima e contribui para viabilizar a utilização do inox 304, desejável pelas suas características de limpabilidade e esterilização. É importante evitar a recontaminação do processo", comentou.

Nolasco Junior reforçou ainda que o investimento feito na nova tecnologia seguramente será compensado porque o custo da disposição da vinhaça no solo representa - dependendo da distância- até 5% do faturamento em álcool. É muita coisa. "Na medida em que se reduz o volume da vinhaça, estamos reduzindo os custos de aplicação com impacto direto no re-sultado financeiro da usina", garantiu.

Outro detalhe importante é que esse projeto abre as portas para partir para uma classe de fermentações chamada VHG (very high gravity) na literatura internacional - numa referência à alta concentração de açúcares e densidade dos mostos. Trata-se de fermentações que vão para 15% em volume de álcool. Então, o volume de vinhaça gerado, que hoje é de cerca de 15 litros por litro de etanol produzido, cairá para 6 litros. Os contaminantes que representam um fator de estresse importante para as leveduras e que limitam sua álcool-tolerância foram controlados. Outros fatores limitantes da álcool tolerância das leveduras requerem soluções para se avançar nessa direção das fermentações VHG, como a temperatura da fermentação e o tratamento do fermento previamente ao reciclo. Esse processo está alinhado com as necessidades atuais e futuras da tecnologia de produção do etanol pelo seu impacto na redução do volume de vinhaça gerado e pelos aspectos ambientais. "O processo VHG já nasce otimizado: por exemplo, o tratamento térmico do mosto é combinado com sua concentração térmica num único processo otimizado energeticamente para máxima preservação dos açúcares e destruição dos contaminantes do mosto".

O pesquisador declarou também que já está atendendo consultas de usinas que queiram avaliar o custo de implantação da fermentação VHG. "Estamos recomendando a elaboração de um relatório que é equivalente a um anteprojeto em que se avalia a situação atual da usina, as mudanças propostas e o investimento envolvido nos grandes equipamentos. É interessante ressaltar que a otimização do processo garante excedentes energéticos exportáveis no mínimo iguais aos encontrados nas usinas, a despeito do fato de utilizar tecnologias energeticamente intensivas como esterilização e concentração do mosto e concentração da vinhaça para redução do seu volume".

A prática do uso de antibióticos pode ser uma questão possível para levantamento de barreiras comerciais ao etanol que se pretende ser uma commoditie internacional. "Nós já tivemos num passado recente a questão social, do trabalho infantil, do trabalho escravo sendo colocado como barreira para o nosso açúcar. Felizmente, temos uma nova e robusta tec-nologia que pode ser colocada para enfrentar esse problema", concluiu.

Publicação

Tese de doutorado
"Eficiência de processo térmico para mostos à base de caldo de cana e melaço na produção de bioetanol"
Autor: Jonas Nolasco Junior
Orientadora: Pilar Rodriguez de Massaguer
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)






 
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