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Barreira térmica reduz uso
de antibióticos
e volume de vinhaça na produção de
etanol
Tecnologia desenvolvida na FEA diminui
inoculação de contaminantes na fermentação
A
utilização de uma barreira térmica em
mosto de caldo de cana e melaço para fermentação
na produção do bioetanol brasileiro resultou
na eliminação do uso intensivo de antibióticos
para controle de contaminantes nessa etapa do processo, contribuindo
para a sustentabilidade da cadeia de produção
de biocombustíveis. A pesquisa realizada pelo engenheiro
químico Jonas Nolasco Junior, do Departamento de Ciência
de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA),
conseguiu ainda reduzir o volume de vinhaça gerada
durante o processo por eliminar, da fermentação,
os contaminantes e seus efeitos inibidores sobre as leveduras
do processo. Trata-se, segundo Nolasco Junior, de uma tecnologia
madura que, apesar de ser utilizada em outros segmentos da
indústria, ainda não havia sido usada na produção
do combustível. Trata-se de proposta tecnológica
para uma grande deficiência que está na base
da tecnologia atual de produção do bioetanol
combustível no Brasil. Basicamente, ela reduz de forma
drástica a inoculação de contaminantes
na fermentação.
A sua aplicação
permitiu ao pesquisador vislumbrar, por exemplo, a possibilidade
de aumentar a concentração de álcool
na fermentação em pelo menos 30%. "Isso
significa saltar do valor médio brasileiro de 8,5%
para quase 11% em volume de álcool no final da fermentação",
afirmou. Na mesma proporção, ocorre uma redução
no volume de vinhaça produzido, contribuindo para viabilizar
economicamente a aplicação racional da mesma
nos canaviais por meio da fertirrigação.
A pesquisa, que culminou com
a tese de doutorado de Nolasco Junior, orientada pela professora
Pilar Rodriguez de Massaguer, da FEA, teve início quando
o pesquisador ainda trabalhava no Centro de Tecnologia Copersucar
(CTC). "É uma pesquisa aplicada, decorrente da
minha experiência profissional como líder de
projetos, transferência de tecnologia e assistência
técnica na área de fermentação
em usinas de açúcar e álcool, cooperadas
ao sistema Copersucar".
Ela fornece uma proposta tecnológica
para a produção de bioetanol em um aspecto no
qual a tecnologia atual é bastante vulnerável.
O projeto do processo de fermentação no Brasil
não apresenta contenções ou barreiras
de dentro para fora ou de fora para dentro, portanto o ambiente
do processo de fermentação admite uma grande
biodiversidade. Além da levedura de processo, que as
indústrias inoculam no início da safra para
iniciar a fermentação - e que são aquelas
desejáveis para conduzir o processo - são encontradas
bactérias e leveduras selvagens, muitas das quais com
características fermentativas indesejáveis.
O ambiente da fermentação é área
na qual se trava uma competição feroz pelo açúcar
da cana. Isso é uma consequência da tecnologia.
Por
conta dessa biodiversidade, o teor alcoólico final
máximo que se consegue na fermentação
industrial é de 8,5% em volume. As bactérias
exercem forte efeito inibidor sobre as leveduras, o que limita
sua tolerância alcoólica. Isso significa que,
a cada litro de etanol, também são produzidos
cerca de 15 litros de vinhaça. "Ou seja, temos
na verdade uma fábrica de vinhaça e não
de etanol", argumentou Nolasco Junior. Essa vinhaça
pode ser tanto resíduo como subproduto. Depende da
forma como será utilizada depois de gerada. Ela contém
os macro e micronutrientes que foram extraídos durante
o corte da cana e a prática da fertirrigação
- que significa voltar a vinhaça para o solo - recicla
esses nutrientes minerais, principalmente o potássio,
além da água.
Acontece que, por ser um volume
muito grande, os critérios de disposição
dessa vinhaça são, em geral, econômicos
e não racionais de reposição do que o
solo precisa. O custo de transporte da vinhaça para
toda a área de cana colhida é muito alto, porque
ela é muito diluída. Nesse momento ela pode
ser considerada um resíduo, porque se a usina praticar
uma sobredosagem com critério econômico, isso
pode trazer prejuízos ao solo como salinização
e contaminação do lençol freático,
por exemplo. A origem desse problema está na tecnologia
atual do processo de fermentação, por meio da
qual é gerada a vinhaça. As bactérias
conta-minantes inibem muito as leveduras e elas não
conseguem suportar teor alcoólico mais elevado.
Perdas
Na outra ponta, a fermentação
concentra dentro das usinas, no mínimo, um terço
de todas as perdas determinadas durante o processamento do
caldo, ou seja, mais de 30% do total, podendo ser maior dependendo
da proporção de etanol produzido, sendo que
a maior parte delas associadas à presença dos
contaminantes. Por exemplo, algumas espécies de lactobacilos,
um importante grupo de contaminantes da fermentação,
provocam a floculação do fermento e aumento
do tempo de fermentação. Isso é um desastre
operacional que exige grandes gastos em insumos - produtos
como ácido sulfúrico e antibióticos -
para controlar e reverter o problema, se considerarmos os
volumes dos fermentadores. "Temos hoje fermentadores
de até 1 milhão de litros e até mais
em alguns casos. É coisa gigantesca, portanto, para
reverter um problema numa instalação desta,
o custo é muito alto", garantiu o engenheiro químico.
Trata-se de uma estratégia de controle corretiva: deixa-se
o problema estabelecer para corrigi-lo.
As bactérias contaminantes
são controladas com o uso intensivo de antibióticos,
alguns de uso humano e outros quimicamente relacionados ou
não como a monensina sódica e a vir-giniamicina,
produtos de grande uso e eficácia no controle dos lactobacilos
contaminantes da fermentação. Aí, de
acordo com Nolasco Junior, reside outro problema ambiental
que está na base da tecnologia atual de produção
de etanol. O uso intensivo de antibióticos tem sido
um motivo de preocupação mundial. O desenvolvimento
da resistência é fenômeno biológico
natural que se seguiu à introdução de
agentes microbianos na prática clínica. O uso
desmedido e irracional desses agentes tem contribuído
para o aumento do problema, a chamada pressão antiobiótica
referente à relação entre extensão
de uso de antibióticos e seleção de cepas
resistentes.
Há, atualmente, uma campanha
mundial em nível de restrição de uso
de antibióticos na terapêutica. Um dos principais
usos não-humanos de antibióticos é na
nutrição animal, como promotores de crescimento,
na criação intensiva de animais. Isso faz com
que o setor de biocombustíveis se junte ao setor de
nutrição animal como fontes não-humanas
que sustentam o aparecimento de bactérias nocivas
ao homem, resistentes a antibióticos. O assunto é
controverso, mas no âmbito da União Europeia
o uso contínuo de antibióticos como promotores
de crescimento foi proibido a partir de 2003, inclusive os
produtos à base de monensina sódica e outros
que não são usados na medicina humana. "Temos
aí, então, dois problemas ambientais decorrentes
da base tecnológica atual, um projeto conceitual falho
que condena o processo à contaminação,
que por sua vez inibe e limita a tolerância alcoólica
das leveduras resultando num volume excessivo de vinhaça",
observa o pesquisador.
As bases desta pesquisa estão
na realização, ainda no CTCopersucar, de um
balanço de bactérias cujo resultado foi expressar
seu acúmulo na fermentação em razão
de parâmetros operacionais bastante conhecidos por todos
e também pelos operadores nas usinas: nível
de contaminação do mosto e na água utilizada
no tratamento do fermento previamente ao reciclo, velocidade
de reprodução das bactérias na fermentação
e taxa de rejeição de bactérias do sistema
pelas centrífugas que reciclam o fermento.
O reciclo do fermento confere
grandes ganhos de produtividade ao processo brasileiro, no
entanto as bactérias presentes também são
em parte recicladas para a fermentação e em
parte rejeitadas. Para cada um desses parâmetros que
expressam o acúmulo de bactérias, foi proposta
uma tecnologia. O desafio é maximizar a rejeição
das bactérias. Para isso, foi proposta a dupla centrifugação
do fermento, denominada de desinfecção mecânica
da fer-mentação por conferir um aumento na rejeição
das bactérias de 30% para 70-75%, de forma contínua.
O balanço de bactérias
foi validado em fermentação industrial e observou-se
que uma barreira importante a ser colocada era para as bactérias
que vinham com o mosto. Até então, não
havia consenso de que as bactérias do mosto eram as
mesmas da fermentação. A questão das
diferentes pressões seletivas ao longo do processo
alternando os grupos de contaminantes dominantes em cada etapa
não estava bem entendida. Havia uma discussão.
Isso foi demonstrado através do trabalho que Nolasco
Junior realizou sobre a importância da inoculação
de contaminantes pelo mosto. E mais do que bactérias,
o mosto inoculava também leveduras selvagens que acabavam
disputando espaço e o açúcar disponível
para fazer álcool, desencadeando fermentações
paralelas com queda de rendimento.
O pesquisador afirmou ainda
que veio para a Universidade para buscar os fundamentos da
termobacteriologia para poder desenhar o processo térmico.
"Havia sempre a preocupação de que, esterilizando
o mosto, haveria a destruição de açúcar.
Viemos aqui estudar como os açúcares do mosto
se degradam com a temperatura e na matriz do mosto - no ambiente
mais complexo em presença de sais, macro e micronutrientes",
comentou. Baseado em estudos de outros autores, Nolasco Junior
identificou o contaminante de maior resistência térmica,
os esporos de Geobacillus stearothermophilus, e escolheu-o
como alvo, considerando que, com sua destruição,
seria uma garantia de que todos os outros menos resistentes
e portanto mais termo-sensíveis seriam eliminados.
Por sorte, foi possível
otimizar o processo, ou seja, os açúcares têm
uma velocidade de degradação muito menor do
que o micro-organismo mais resistente. A região de
tratamento térmico projetada tem dois limites superiores:
um representado por condições mais brandas,
que preserva a sacarose sem sofrer hidrolise térmica
e outro representado por condições mais drásticas
que admite um certo grau de hidrolise térmica da sacarose,
porém preservando os monossacarídeos glicose
e frutose produzidos. Foi possível desenhar uma região
de processo térmico gráfico com várias
combinações de tempo e temperatura capazes de
acomodar as mais variadas condições possíveis
de serem encontradas nas usinas. É uma região
com flexibilidade e condições ótimas
para serem implementadas e produzindo exatamente o mesmo resultado.
A eficiência do processo foi verificada em unidade piloto
de esterilização contínua do Departamento
de Ciência de Alimentos.
Nolasco Junior observa que as
características fermentativas dos mostos tratados termicamente
foram preservadas. "Essa avaliação foi
feita utilizando duas linhagens de uso industrial na produção
de etanol no Brasil." O pesquisador disse ainda que nesse
momento trabalha na engenharia de implantação
do processo, tudo suportado por essa pesquisa básica.
Isso significa que o projeto e o processo foram revisados
para incorporação de conceitos de bioprocessos
com contenções e barreiras. Não basta
colocar a barreira térmica no mosto, as dornas de fermentação
atuais não incorporam conceitos sanitários,
não são limpáveis. Quando se evolui para
processos mais limpos, como esse, é necessário
o uso de materiais que sejam limpáveis e esterelizáveis.
Por exemplo, o preço do aço inoxidável
304 atualmente é apenas duas vezes e meia mais caro
que o aço carbono - que é um material não-limpável
e não-esterelizável pela rugosidade que apresenta.
"Estamos aproveitando a queda na diferença do
preço do inox 304 e combinando isso com engenharia
de bioprocessos que resultou num projeto de fermentação
de alta produtividade, para minimizar a alocação
de volume de reatores na fermentação, e alteração
na geometria dos fermentadores. Tudo isso junto faz com que
a diferença de custo entre os materiais seja mínima
e contribui para viabilizar a utilização do
inox 304, desejável pelas suas características
de limpabilidade e esterilização. É importante
evitar a recontaminação do processo", comentou.
Nolasco Junior reforçou
ainda que o investimento feito na nova tecnologia seguramente
será compensado porque o custo da disposição
da vinhaça no solo representa - dependendo da distância-
até 5% do faturamento em álcool. É muita
coisa. "Na medida em que se reduz o volume da vinhaça,
estamos reduzindo os custos de aplicação com
impacto direto no re-sultado financeiro da usina", garantiu.
Outro detalhe importante é
que esse projeto abre as portas para partir para uma classe
de fermentações chamada VHG (very high gravity)
na literatura internacional - numa referência à
alta concentração de açúcares
e densidade dos mostos. Trata-se de fermentações
que vão para 15% em volume de álcool. Então,
o volume de vinhaça gerado, que hoje é de cerca
de 15 litros por litro de etanol produzido, cairá para
6 litros. Os contaminantes que representam um fator de estresse
importante para as leveduras e que limitam sua álcool-tolerância
foram controlados. Outros fatores limitantes da álcool
tolerância das leveduras requerem soluções
para se avançar nessa direção das fermentações
VHG, como a temperatura da fermentação e o tratamento
do fermento previamente ao reciclo. Esse processo está
alinhado com as necessidades atuais e futuras da tecnologia
de produção do etanol pelo seu impacto na redução
do volume de vinhaça gerado e pelos aspectos ambientais.
"O processo VHG já nasce otimizado: por exemplo,
o tratamento térmico do mosto é combinado com
sua concentração térmica num único
processo otimizado energeticamente para máxima preservação
dos açúcares e destruição dos
contaminantes do mosto".
O pesquisador declarou também
que já está atendendo consultas de usinas que
queiram avaliar o custo de implantação da fermentação
VHG. "Estamos recomendando a elaboração
de um relatório que é equivalente a um anteprojeto
em que se avalia a situação atual da usina,
as mudanças propostas e o investimento envolvido nos
grandes equipamentos. É interessante ressaltar que
a otimização do processo garante excedentes
energéticos exportáveis no mínimo iguais
aos encontrados nas usinas, a despeito do fato de utilizar
tecnologias energeticamente intensivas como esterilização
e concentração do mosto e concentração
da vinhaça para redução do seu volume".
A prática do uso de antibióticos
pode ser uma questão possível para levantamento
de barreiras comerciais ao etanol que se pretende ser uma
commoditie internacional. "Nós já tivemos
num passado recente a questão social, do trabalho infantil,
do trabalho escravo sendo colocado como barreira para o nosso
açúcar. Felizmente, temos uma nova e robusta
tec-nologia que pode ser colocada para enfrentar esse problema",
concluiu.
Publicação
Tese de doutorado "Eficiência de processo térmico
para mostos à base de caldo de cana e melaço
na produção de bioetanol"
Autor: Jonas Nolasco Junior
Orientadora: Pilar Rodriguez de Massaguer
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
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