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Pesquisadores do IQ buscam síntese
de substâncias com potencial medicinal
Pesquisa identifica 47 empresas
criadas por empreendedores egressos da Unicamp
CARMO
GALLO NETTO
O
consumo dos produtos naturais que contêm substâncias com
potencial farmacêutico ou medicinal nem sempre é acessível.
Por outro lado, suas extrações esbarram muitas vezes em
problemas práticos e de custo. Ademais, o emprego mais generalizado
dessas substâncias exige produção em escala que, por sua
vez, impõe eficiência e rapidez.
Constatações como essas levaram o professor
Carlos Roque Duarte Correia a manter grupo de pesquisa com
enfoque em sínteses de substâncias orgânicas naturais, com
potencial de aplicação nas áreas medicinal, farmacológica
ou funcional.
Nessas pesquisas, desenvolvidas no Laboratório
de Sínteses de Substâncias Orgânicas (LASSO), no Instituto
de Química (IQ), trabalham atualmente 14 estudantes de pós-graduação
– 11 mestrandos e doutorandos e três pós-doutorandos, um
pesquisador colaborador e seis alunos de iniciação cientifica,
alguns deles se dedicando ao estudo das sínteses da substância
natural resveratrol e análogos. É disso que fala com entusiasmo
o professor Roque, que teve parte do trabalho publicado
recentemente na revista Tetrahedron Letters.
Segundo o docente, por meio de um processo
de síntese, que corresponde a uma arquitetura ou engenharia
molecular, montam-se moléculas, colocando cada parte no
devido lugar, com vistas à maior atividade desejada em relação
à ação prevista e ao máximo de eficiência em tempo e custo
no processo de obtenção. “A introdução de grupos em moléculas
permite a obtenção de outras com propriedades potencializadas
ou até ausentes quando comparadas às substâncias naturais
a que se assemelham. Introduzindo determinado grupo em uma
molécula, se consegue muitas vezes dar nova função a ela.
Desenvolvemos em nosso laboratório metodologias para isso”,
esclarece o docente.
Como exemplo, o professor menciona o DMU-212,
que é sintético, semelhante à substância natural resveratrol,
mas que apresenta algumas vantagens sobre a mesma. O resveratrol
tem uma ampla gama de atividades farmacológicas interessantes
in vitro e in vivo, ou seja, em células isoladas e no organismo
vivo. Já o DMU-212 só tem atividade in vivo. Acredita-se
que com o metabolismo ele produz derivados do resverterol,
daí a explicação de não funcionar in vitro, o que chamou
a atenção do pesquisador.
Algumas vezes, diz Roque, “as moléculas
já foram produzidas em outros laboratórios, mas nós utilizamos
um protocolo de preparação diferente, que objetiva sempre
maior eficiência em relação aos métodos de obtenção descritos.
Nossos alunos são estimulados a desenvolver metodologias
melhores, que permitem produzir substâncias por processos
menos longos, que possibilitam maior controle e rendimento
global. Essa é uma das funções do nosso laboratório. Trabalhando
processos ou desenvolvendo novas moléculas, os alunos adquirem
conhecimentos que são levados para as indústrias farmacêutica
e química”.
Esclarecendo, diz que, no caso de uma molécula,
eficiente em uma determinada ação, mas que apresenta simultaneamente
toxidade, podem-se fazer modificações estruturais de maneira
a potencializar a ação e diminuir o efeito danoso. Para
tanto, com vistas a um objetivo bem-definido, há necessidade
de conhecimento químico aprofundado e habilidade no laboratório.
Isso tem acontecido com o resveratrol, molécula sobejamente
conhecida e que tem despertado grande interesse por causa
da diversidade de atividades que a levam a ser considerada
a molécula da longevidade.
A inovação
A idéia das
pesquisas surgiu diante da constatação de
que o resveratrol vinha chamando a atenção
– evidenciada pelas recorrentes matérias publicadas
em jornais e revistas e na própria literatura,
destacando seus mais variados efeitos para
a saúde humana - e ainda de que a indústria
tinha interesse em obtê-lo em quantidade.
Isolá-lo do vinho ou de produtos naturais
esbarrava na pequena quantidade, além do que
o processo extrativo é custoso, laborioso
e leva ao produto acompanhado de outros compostos,
o que torna difícil obter a substância na
forma pura.
Acontece que
já se conheciam processos sintéticos para
obtenção do resveratrol. Então, qual seria
a novidade? Roque explica que a inovação está
na forma muito direta e controlada desenvolvida
no seu grupo de pesquisa: “Muitas das sínteses
empregadas no resveratrol fornecem misturas
de produtos ou constituem processos mais longos.
A metodologia desenvolvida no laboratório
de sínteses de substâncias orgânicas se mostrava
perfeitamente adequada para a sua preparação
e permitia obtê-lo de maneira direta e barata.
Passei a idéia para a doutoranda Angélica
Venturini Moro, que a desenvolveu em colaboração
com o graduando de iniciação cientifica Flávio
Sêga Pereira Cardoso e deu tudo muito certo.
Produzimos o resveratrol em três etapas, de
maneira limpa, com controle e rendimento elevados”.
Outro resultado
que interessou o pesquisador e o deixou muito
confiante foi a obtenção em uma única etapa
e com grande rendimento do DMU-212, derivado
sintético do resveratrol. A obtenção deste
e de outros análogos levou à constatação que
estes, em vários casos, se mostram mais ativos
ou de empregos mais interessantes que o próprio
resveratrol.
O pesquisador
adotou a linha de pesquisa motivado na obtenção
de forma sintética de moléculas que revelam
múltiplos efeitos benéficos à saúde, com potencial
enorme na geração de patentes de fármacos
ou medicamentos. E declara, entusiasmado:
“Ficamos muito contentes por ter dado tão
certo. Na realidade os resultados suplantaram
as nossas expectativas, pois além de preparar
o resveratrol em boa quantidade fizemos uma
síntese curta, com total controle e ótimo
rendimento. Produzimos também produtos derivados
que, pelo indício que temos, apresentam propriedades
semelhantes, pois vários deles já são utilizados
nos EUA como suplementos alimentares na forma
de pílulas. Agora estamos em vias de produção
em escala maior dessas várias substâncias
para demonstrar a viabilidade dos processos,
depois do que os patentearemos”.
O professor
esclarece que para os derivados também foram
usadas metodologias muito enxutas, em que
se utilizam uma ou duas etapas envolvendo
matérias-primas baratas, facilmente adquiridas,
pois rotineiramente utilizadas pelas indústrias
químicas e farmacêuticas.
O resveratrol é produzido hoje principalmente
pelo processo de fermentação. Os processos
de síntese ainda não têm sido utilizados porque
as rotas disponíveis levam a misturas e não
são tão eficientes. Muitas etapas levam a
misturas de separação difícil e cara, o que
o processo ora proposto elimina. Este foi
a desafio. Roque entende que, com o aumento
da demanda, a indústria começa a pensar na
produção sintética, mas as rotas de que dispõe
não são apropriadas para a produção em escala.
“Entendemos que a nossa rota venha a resolver
o problema”.
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O Início
Tudo começou com as pesquisas iniciais de alunos
de doutorado que tentavam reproduzir uma reação descrita
na literatura e que não vingou porque não conduziu aos
rendimentos esperados. Sob a orientação de Roque, alternativas
foram testadas. O grupo apostou na que se mostrou mais
promissora. Ela não foi descoberta pela equipe, estava
descrita na literatura, mas fora até então muito pouco
explorada. Ele conta: “Percebemos o potencial que ela
tinha e a melhoramos. Aperfeiçoada a metodologia, começamos
a aplicá-la em diversas sínteses.
A idéia nasceu da necessidade de resolver um problema
específico, que as metodologias tradicionais não permitiam
resolver de forma satisfatória. Um contínuo aperfeiçoamento
da metodologia nos permite hoje a síntese de uma série
de compostos. De uma forma ou de outra, esse processo
de catálise homogênea é utilizado por quase todos os
membros do nosso grupo”.
O pesquisador esclarece que essa linha de pesquisa
não se esgota, já que um achado leva a outro. A mesma
rota permite a síntese de outros derivados oxigenados
além do resveratol, que é considerado um polifenol,
como compostos com mais hidroxilas, análogos com grupos
amina, com enxofre, com flúor, bastando que a rota sofra
as devidas adaptações.
Vinho tinto e suco de uva
contêm resveratrol
Tem sido cada vez mais comum a identificação
de substâncias a que são atribuídas qualidades funcionais
ou curativas, o que leva pesquisadores a estudar seu real
efeito e processos de síntese de forma a permitir sua utilização
farmacêutica ou medicinal. O resveratrol é uma dessas substâncias
que parecem miraculosas, devido à variedade de propriedades
e da importância dos efeitos que lhe são associados. Ele
é significativamente abundante no vinho tinto e, segundo
pesquisas mais recentes, no suco de uva. Sua ação benéfica
se revelou diante da constatação de que mesmo povos que
adotam uma alimentação muito rica em gorduras apresentam
menor índice de mortes por doenças cardíacas do que os de
outros países ocidentais. É o que acontecia na França. O
“paradoxo francês”, como passou a ser chamado, foi resolvido
quando se descobriu que os franceses tomavam vinho tinto
diariamente durante as refeições.
Experimentos que se seguiram apontam o
resveratrol como a molécula da longevidade. Possui forte
ação antioxidante, capaz de neutralizar radicais livres
presentes no organismo, especialmente inibindo a formação
do colesterol “ruim” e aumentando os níveis de colesterol
“bom”. Sua ação anti-radicais livres impede a oxidação do
colágeno, que dá sustentação à pele e inibe a formação de
rugas, retardando o envelhecimento.
Essa pequena molécula não-tóxica, bem tolerada pelo organismo,
manifesta atividade contra vários tipos de câncer – constituindo
um dos mais eficazes agentes químicos preventivos –, apresenta
atividade antiviral, protege contra desordens inflamatórias,
infarto do miocárdio e doenças cardíacas, e ajuda o controle
do diabetes. A atividade de aumento da longevidade parece
estar associada a uma simulação, pelo resveratrol, de uma
dieta de baixas calorias.
Essa diversidade de propriedades levou
também ao estudo de análogos sintéticos do resveratrol,
vários dos quais se mostraram potencialmente mais ativos.
É o caso do éter trimetílico do resveratrol, do DMU-212,
que apresenta maior atividade do que a substância de origem
frente a várias linhagens de células cancerosas humanas,
com destacada atividade químioprotetora, constituindo-se
num agente anticâncer superior ao resveratrol.
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