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Pesquisadores do IQ buscam síntese
de substâncias com potencial medicinal
Pesquisa identifica 47 empresas criadas por empreendedores egressos da Unicamp

CARMO GALLO NETTO

O professor Carlos Roque Duarte Correia (à direita), coordenador das pesquisas, e os alunos Angélica Venturini Moro e Flávio Sêga Pereira Cardoso: campo promissor (Foto: Antoninho Perri)O consumo dos produtos naturais que contêm substâncias com potencial farmacêutico ou medicinal nem sempre é acessível. Por outro lado, suas extrações esbarram muitas vezes em problemas práticos e de custo. Ademais, o emprego mais generalizado dessas substâncias exige produção em escala que, por sua vez, impõe eficiência e rapidez.

Constatações como essas levaram o professor Carlos Roque Duarte Correia a manter grupo de pesquisa com enfoque em sínteses de substâncias orgânicas naturais, com potencial de aplicação nas áreas medicinal, farmacológica ou funcional.

Nessas pesquisas, desenvolvidas no Laboratório de Sínteses de Substâncias Orgânicas (LASSO), no Instituto de Química (IQ), trabalham atualmente 14 estudantes de pós-graduação – 11 mestrandos e doutorandos e três pós-doutorandos, um pesquisador colaborador e seis alunos de iniciação cientifica, alguns deles se dedicando ao estudo das sínteses da substância natural resveratrol e análogos. É disso que fala com entusiasmo o professor Roque, que teve parte do trabalho publicado recentemente na revista Tetrahedron Letters.

Segundo o docente, por meio de um processo de síntese, que corresponde a uma arquitetura ou engenharia molecular, montam-se moléculas, colocando cada parte no devido lugar, com vistas à maior atividade desejada em relação à ação prevista e ao máximo de eficiência em tempo e custo no processo de obtenção. “A introdução de grupos em moléculas permite a obtenção de outras com propriedades potencializadas ou até ausentes quando comparadas às substâncias naturais a que se assemelham. Introduzindo determinado grupo em uma molécula, se consegue muitas vezes dar nova função a ela. Desenvolvemos em nosso laboratório metodologias para isso”, esclarece o docente.

Como exemplo, o professor menciona o DMU-212, que é sintético, semelhante à substância natural resveratrol, mas que apresenta algumas vantagens sobre a mesma. O resveratrol tem uma ampla gama de atividades farmacológicas interessantes in vitro e in vivo, ou seja, em células isoladas e no organismo vivo. Já o DMU-212 só tem atividade in vivo. Acredita-se que com o metabolismo ele produz derivados do resverterol, daí a explicação de não funcionar in vitro, o que chamou a atenção do pesquisador.

Algumas vezes, diz Roque, “as moléculas já foram produzidas em outros laboratórios, mas nós utilizamos um protocolo de preparação diferente, que objetiva sempre maior eficiência em relação aos métodos de obtenção descritos. Nossos alunos são estimulados a desenvolver metodologias melhores, que permitem produzir substâncias por processos menos longos, que possibilitam maior controle e rendimento global. Essa é uma das funções do nosso laboratório. Trabalhando processos ou desenvolvendo novas moléculas, os alunos adquirem conhecimentos que são levados para as indústrias farmacêutica e química”.

Esclarecendo, diz que, no caso de uma molécula, eficiente em uma determinada ação, mas que apresenta simultaneamente toxidade, podem-se fazer modificações estruturais de maneira a potencializar a ação e diminuir o efeito danoso. Para tanto, com vistas a um objetivo bem-definido, há necessidade de conhecimento químico aprofundado e habilidade no laboratório. Isso tem acontecido com o resveratrol, molécula sobejamente conhecida e que tem despertado grande interesse por causa da diversidade de atividades que a levam a ser considerada a molécula da longevidade.

 

 

A inovação

A idéia das pesquisas surgiu diante da constatação de que o resveratrol vinha chamando a atenção – evidenciada pelas recorrentes matérias publicadas em jornais e revistas e na própria literatura, destacando seus mais variados efeitos para a saúde humana - e ainda de que a indústria tinha interesse em obtê-lo em quantidade. Isolá-lo do vinho ou de produtos naturais esbarrava na pequena quantidade, além do que o processo extrativo é custoso, laborioso e leva ao produto acompanhado de outros compostos, o que torna difícil obter a substância na forma pura.

Acontece que já se conheciam processos sintéticos para obtenção do resveratrol. Então, qual seria a novidade? Roque explica que a inovação está na forma muito direta e controlada desenvolvida no seu grupo de pesquisa: “Muitas das sínteses empregadas no resveratrol fornecem misturas de produtos ou constituem processos mais longos. A metodologia desenvolvida no laboratório de sínteses de substâncias orgânicas se mostrava perfeitamente adequada para a sua preparação e permitia obtê-lo de maneira direta e barata. Passei a idéia para a doutoranda Angélica Venturini Moro, que a desenvolveu em colaboração com o graduando de iniciação cientifica Flávio Sêga Pereira Cardoso e deu tudo muito certo. Produzimos o resveratrol em três etapas, de maneira limpa, com controle e rendimento elevados”.

Outro resultado que interessou o pesquisador e o deixou muito confiante foi a obtenção em uma única etapa e com grande rendimento do DMU-212, derivado sintético do resveratrol. A obtenção deste e de outros análogos levou à constatação que estes, em vários casos, se mostram mais ativos ou de empregos mais interessantes que o próprio resveratrol.

O pesquisador adotou a linha de pesquisa motivado na obtenção de forma sintética de moléculas que revelam múltiplos efeitos benéficos à saúde, com potencial enorme na geração de patentes de fármacos ou medicamentos. E declara, entusiasmado: “Ficamos muito contentes por ter dado tão certo. Na realidade os resultados suplantaram as nossas expectativas, pois além de preparar o resveratrol em boa quantidade fizemos uma síntese curta, com total controle e ótimo rendimento. Produzimos também produtos derivados que, pelo indício que temos, apresentam propriedades semelhantes, pois vários deles já são utilizados nos EUA como suplementos alimentares na forma de pílulas. Agora estamos em vias de produção em escala maior dessas várias substâncias para demonstrar a viabilidade dos processos, depois do que os patentearemos”.

O professor esclarece que para os derivados também foram usadas metodologias muito enxutas, em que se utilizam uma ou duas etapas envolvendo matérias-primas baratas, facilmente adquiridas, pois rotineiramente utilizadas pelas indústrias químicas e farmacêuticas.

O resveratrol é produzido hoje principalmente pelo processo de fermentação. Os processos de síntese ainda não têm sido utilizados porque as rotas disponíveis levam a misturas e não são tão eficientes. Muitas etapas levam a misturas de separação difícil e cara, o que o processo ora proposto elimina. Este foi a desafio. Roque entende que, com o aumento da demanda, a indústria começa a pensar na produção sintética, mas as rotas de que dispõe não são apropriadas para a produção em escala. “Entendemos que a nossa rota venha a resolver o problema”.


 

O Início
Tudo começou com as pesquisas iniciais de alunos de doutorado que tentavam reproduzir uma reação descrita na literatura e que não vingou porque não conduziu aos rendimentos esperados. Sob a orientação de Roque, alternativas foram testadas. O grupo apostou na que se mostrou mais promissora. Ela não foi descoberta pela equipe, estava descrita na literatura, mas fora até então muito pouco explorada. Ele conta: “Percebemos o potencial que ela tinha e a melhoramos. Aperfeiçoada a metodologia, começamos a aplicá-la em diversas sínteses.

A idéia nasceu da necessidade de resolver um problema específico, que as metodologias tradicionais não permitiam resolver de forma satisfatória. Um contínuo aperfeiçoamento da metodologia nos permite hoje a síntese de uma série de compostos. De uma forma ou de outra, esse processo de catálise homogênea é utilizado por quase todos os membros do nosso grupo”.

O pesquisador esclarece que essa linha de pesquisa não se esgota, já que um achado leva a outro. A mesma rota permite a síntese de outros derivados oxigenados além do resveratol, que é considerado um polifenol, como compostos com mais hidroxilas, análogos com grupos amina, com enxofre, com flúor, bastando que a rota sofra as devidas adaptações.

 

Vinho tinto e suco de uva contêm resveratrol

Tem sido cada vez mais comum a identificação de substâncias a que são atribuídas qualidades funcionais ou curativas, o que leva pesquisadores a estudar seu real efeito e processos de síntese de forma a permitir sua utilização farmacêutica ou medicinal. O resveratrol é uma dessas substâncias que parecem miraculosas, devido à variedade de propriedades e da importância dos efeitos que lhe são associados. Ele é significativamente abundante no vinho tinto e, segundo pesquisas mais recentes, no suco de uva. Sua ação benéfica se revelou diante da constatação de que mesmo povos que adotam uma alimentação muito rica em gorduras apresentam menor índice de mortes por doenças cardíacas do que os de outros países ocidentais. É o que acontecia na França. O “paradoxo francês”, como passou a ser chamado, foi resolvido quando se descobriu que os franceses tomavam vinho tinto diariamente durante as refeições.

Experimentos que se seguiram apontam o resveratrol como a molécula da longevidade. Possui forte ação antioxidante, capaz de neutralizar radicais livres presentes no organismo, especialmente inibindo a formação do colesterol “ruim” e aumentando os níveis de colesterol “bom”. Sua ação anti-radicais livres impede a oxidação do colágeno, que dá sustentação à pele e inibe a formação de rugas, retardando o envelhecimento.

Essa pequena molécula não-tóxica, bem tolerada pelo organismo, manifesta atividade contra vários tipos de câncer – constituindo um dos mais eficazes agentes químicos preventivos –, apresenta atividade antiviral, protege contra desordens inflamatórias, infarto do miocárdio e doenças cardíacas, e ajuda o controle do diabetes. A atividade de aumento da longevidade parece estar associada a uma simulação, pelo resveratrol, de uma dieta de baixas calorias.

Essa diversidade de propriedades levou também ao estudo de análogos sintéticos do resveratrol, vários dos quais se mostraram potencialmente mais ativos. É o caso do éter trimetílico do resveratrol, do DMU-212, que apresenta maior atividade do que a substância de origem frente a várias linhagens de células cancerosas humanas, com destacada atividade químioprotetora, constituindo-se num agente anticâncer superior ao resveratrol.

 

 
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