Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 


A ‘bomba’ que atinge o coração de jovens
Professora da FOP investiga as relações de causa e efeito do uso de anabolizantes

LUIZ PAULO JUTTEL
Especial para o JU

Jovens se exercitam em academia: culto ao corpo  e desempenho esportivo  levam ao uso de  anabolizantes  Fotos: Antoninho PerriQuem hoje em dia não conhece pelo menos um amigo ou colega que “explodiu” em músculos de uma hora para outra? Em seis meses essa pessoa, em geral jovem, salta de míseros 55 kg para 80 kg ou mais de pura massa muscular. A antiga camiseta de banda de rock cede espaço à regata ou baby look. Em academias ou em raves há chance de encontrá-lo exibindo seus músculos hipertrofiados. Embora muitas vezes a família nem desconfie, quem convive com esses jovens logo identifica a causa de tantas mudanças físicas e comportamentais repentinas. Seu nome: esteróides anabolizantes.

Estudar as relações de causa e efeito do uso de anabolizantes em alta dosagem é a tarefa a que vem se dedicando a equipe da bióloga Fernanda Klein Marcondes, professora de Fisiologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP). A literatura médica há bastante tempo tem associado os esteróides a uma série de malefícios que acometem seus usuários. Entretanto, para se estabelecer uma relação desses efeitos com suas respectivas causas é preciso considerar todo um contexto: hábitos de vida, a rotina de treinamento físico intenso e o uso simultâneo de vários anabolizantes e de suplementos alimentares, entre outros fatores.

“Por força desse contexto é que os nossos estudos controlados foram feitos em ratos de laboratório. Apenas dessa maneira é que se pode dizer que certa substância em dosagem x causa o efeito y. Só assim é possível, também, esclarecer os mecanismos que causam esse efeito e as formas de evitá-lo ou até mesmo revertê-lo”, observa a docente. Sem contar o problema ético da realização desse tipo de pesquisa em humanos. “Seria inaceitável, do ponto de vista ético, convocar voluntários humanos saudáveis para um estudo em que eles recebessem hormônios, como é o caso dos anabolizantes. A administração de hormônios somente deve ocorrer em casos de patologia, e com acompanhamento médico”.

Financiada pela Fapesp, a pesquisa de Marcondes teve início em 2002 e contou com a colaboração de pesquisadores da PUC-Campinas, da UFSCar e da área de Histologia da FOP. Seu objetivo era analisar os efeitos cardiovasculares, metabólicos e comportamentais que o anabolizante mais usado no Brasil e no mundo, o decanoato de nandrolona (conhecido pelo nome comercial Deca-durabolin), causa nos indivíduos.

Para a análise cardiovascular, que foi a que apresentou os resultados mais alarmantes à saúde, a metodologia de pesquisa da equipe da FOP se deu da seguinte forma. Espécimes masculinos da raça Wistar com dois meses de idade foram separados em quatro grupos. O primeiro era o dos que não passaram pelo treinamento de força e foram tratados com placebo (não ingeriram anabolizante). No segundo estavam os não-treinados que receberam a nandrolona. O terceiro continha os que foram tratados com nandrolona e não treinaram e, no último, os treinados e tratados com anabolizante.

A quantidade de decanoato de nandrolona utilizada foi de 5 mg por kg do animal, duas vezes por semana, durante seis semanas. Isso equivale a uma dosagem em humano de cerca de 800 mg por semana. Trata-se de uma super dosagem. Em conversa com usuários veteranos de anabolizante e em fóruns sobre o tema na internet, constata-se que a média semanal de aplicação é 200 mg, em ciclos que vão de dois a quatros meses. No entanto, essa substância geralmente é usada em conjunto com um preparado de quatro ésteres de testosterona, chamado comercialmente de Durateston, cujo consumo fica na casa de 500 mg por semana.

O treinamento de força a que foram submetidos os animais foi realizado em um tanque com 38 cm de altura de água a uma temperatura de 300 C (ideal para atividade física na água). Nas costas dos ratos se colocou um colete que pesava entre 50% e 70% do peso corpóreo. Esse colete fazia com que o animal afundasse na água e precisasse saltar para respirar. A cada 10 saltos ele era retirado do tanque para descansar por um minuto. O procedimento era repetido quatro vezes ao dia. O quinto e sexto dias eram de descanso.

“Sabemos que o correto seria um dia de treino para um ou dois dias de descanso. No entanto, não é isso que fazem os usuários de esteróides anabolizantes. Nós queríamos reproduzir um ambiente semelhante ao que se vê nas academias. Por isso foi feito treinamento de alta intensidade, com menor período de descanso”, diz a pesquisadora.

Efeitos
Os resultados dessa pesquisa mostraram que o volume do coração dos membros de todos os grupos, menos o dos sedentários que não receberam anabolizante, sofreu um aumento concêntrico (de fora para dentro). Isso significa que as paredes das cavidades cardíacas ficaram mais espessas, e seu diâmetro interno menor. Isso faz com que seja menor o espaço para a entrada de sangue a ser bombeado pelo coração.

Esse efeito causado pelo fisiculturismo já é conhecido pela comunidade científica. “Só que dentro de alguns limites isso não causa prejuízo à função cardíaca porque, a princípio, é compensado por um aumento de força do coração”, afirma Fernanda. Porém, nos animais em que houve associação do uso de anabolizante ao treinamento intenso, a hipertrofia foi acompanhada por uma deficiência no bombeamento cardíaco.

Essa conclusão se deu depois que os grupos de animais pesquisados passaram por um exame chamado ecodopplercardiograma, em estudo feito juntamente com a professora Maria Claudia Irigoyen, do Incor/USP. Semelhante ao ultra-som, o ecodoppler cria uma imagem do coração e do seu funcionamento no qual é possível fazer medidas do coração e analisar o fluxo de sangue durante o seu funcionamento.

No grupo treinado com anabolizante não se teve apenas um aumento de massa muscular, mas também de fibras de colágeno (tecido conjuntivo). Enquanto o grupo treinado sem nandrolona ficou com o nível de colágeno estabilizado em 3µm2, o treinado com nandrolona saltou para 33µm2. “Essas fibras fazem parte da estrutura do coração, mas não participam do bombeamento de sangue. Tem-se um coração maior, mas não mais eficiente. Ao contrário, há maior resistência a esse bombeamento”, completa a bióloga.

Na literatura médica existem vários estudos de caso que relatam mortes súbitas de fisiculturistas usuários de anabolizantes relacionadas a esse aumento concêntrico do coração. “O que a nossa pesquisa mostra agora é que, com certeza, uma parcela disso se deve ao anabolizante, e outra ao treinamento intenso de força; as duas coisas juntas amplificam os efeitos. A relação causa e efeito está bem-estabelecida e confirmada pelo experimento”, alega Fernanda.

A bióloga Fernanda Klein Marcondes, professora da FOP: analisando os efeitos cardiovasculares e as alterações metabóli cas causados por anabolizantesO trabalho da professora analisou não apenas o coração, mas também o sistema vascular por onde o sangue circula dentro do corpo. Os pesquisadores da Unicamp queriam saber se o uso de anabolizante alteraria a capacidade do vaso sangüíneo se dilatar ou passar por contração conforme a necessidade do organismo. Essa função dilatadora é extremamente importante para manter a pressão sangüínea e a temperatura corpórea regulada diante de movimentos do corpo ou de alterações da temperatura do ambiente, assim como para fazer o sangue chegar a todos os tecidos corpóreos.

Para isso foi avaliada, in vitro, a resposta da aorta torácica a uma substância que causa a contração automática do vaso sangüíneo. Percebeu-se, então, que os grupos que passaram pelo treinamento físico de força diminuíram a resposta a essa substância vasoconstritora. A contração do vaso ficou menor. A docente observa que esse é um efeito benéfico do exercício físico, pois evita que a pressão arterial aumente demais enquanto se pratica a atividade.

No entanto, o grupo que foi treinado e tratado com anabolizante teve esse efeito benéfico bloqueado pelo esteróide. Além disso, o anabolizante associado ao treino também diminuiu a produção de óxido nítrico na aorta. Essa substância trabalha na dilatação dos vasos. Segundo Fernanda, a diminuição de óxido nítrico está relacionada ao aumento de colesterol LDL (colesterol ruim) encontrado no sangue dos membros desse grupo. Essa situação pode levar, também, ao crescimento no número de placas de gordura no vaso. Um melhor conhecimento do processo de influência do decanoato de nandrolona sobre a formação de placas de gordura nos vasos sangüíneos é o que se espera obter com um estudo que a equipe da Unicamp deve concluir até o final de 2009.

Principais efeitos associados ao uso de anabolizantes em homens*

Acne
Agressividade
Inibição da produção de testosterona
Diminuição do desejo sexual (libido)
Impotência e esterilidade
Ginecomastia – crescimento das mamas
Problemas hepáticos - chegando ao desenvolvimento de tumor
Menor crescimento em adolescentes
Colesterol Alto
Calvície

* Alguns efeitos são temporários, enquanto outros não
desaparecem depois de encerrado o consumo do anabolizante

 

O metabolismo e a dose para cavalo

Outras alterações estudadas pela equipe da professora Fernanda Klein Marcondes foram as metabólicas. Sabe-se que a motivação que leva uma pessoa a ingerir anabolizantes é estética na grande maioria dos casos. Porém, há também os usuários que estão de olho no desempenho atlético. Muitos atletas profissionais utilizam essas substâncias por acreditarem que elas podem gerar não apenas músculos grandes, mas melhor desempenho esportivo. Não é à toa que os anabolizantes são as substâncias mais encontradas em atletas flagrados em exames antidoping. Recentemente, por exemplo, a nadadora brasileira Rebeca Gusmão foi banida para sempre das competições em razão de seus exames antidoping apresentarem uso de esteróides em duas oportunidades distintas.

Acontece que o estudo desenvolvido na Unicamp mostra que o decanoato de nandrolona não contribui para a melhora do desempenho atlético, pelo menos no que diz respeito à supercompensação de glicogênio. O glicogênio é um açúcar que fica estocado no fígado e nos músculos dos seres humanos. Quando o organismo necessita de energia, esse glicogênio é quebrado e a glicose, nosso principal substrato enérgico, é liberada no sangue. Com a prática freqüente de exercícios físicos, os músculos esqueléticos adquirem a capacidade de armazenar mais glicogênio. Isso retarda a ocorrência de fadiga muscular durante o exercício.

Em análise feita nos músculos da perna dos animais estudados, ficou constatado que o uso do esteróide não melhora a supercompensação glicogênica. O acúmulo de glicogênio no músculo se deu na mesma quantidade nos treinados com ou sem anabolizante.

Mas o mais surpreendente desse estudo da FOP diz respeito ao aumento de massa muscular. “No uso clínico, em casos em que a pessoa tem deficiência de testosterona no organismo, sabe-se que os anabolizantes favorecem o crescimento dos músculos. Mas observamos no nosso estudo que os animais tratados com o decanoato de nandrolona não aumentaram a massa muscular no músculo sóleo. Ao contrário, houve diminuição na quantidade de DNA nesse músculo. A princípio isto é o inverso do que a literatura descreve como efeito anabólico dos esteróides”, revela Fernanda.

Inverso, explica a pesquisadora, porque o DNA leva à síntese de RNA e, conseqüentemente, à síntese de proteína no músculo e aumento do seu volume. Os resultados obtidos pela equipe da professora mostram que o consumo de um único tipo de anabolizante em uma situação de treino intensivo de força não surte efeito no incremento de massa muscular. Mas a pesquisadora explica que “na rua você vê que quem toma anabolizante fica com músculos maiores em pouco tempo. Isso só pode significar que as doses combinadas de vários tipos de esteróides usadas por essas pessoas é maior ainda que a alta dose ministrada no nosso estudo. Um jovem de 50 kg acaba consumindo uma dose maior da que seria administrada em um cavalo”.

O estudo sobre a nandrolona e o aumento de massa muscular no músculo sóleo, publicado em 2006, recebeu o prêmio de melhor artigo da área básica publicado no periódico oficial da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no biênio 2005 e 2006. Esse resultado confirma que a crença popular de que o anabolizante melhora o desempenho atlético se baseia em estudos que falharam no delineamento experimental, desconsideraram os efeitos dos anabolizantes sobre a agressividade ou não avaliaram os efeitos isolados do treinamento ou da dieta. Além disso, em geral não se leva em conta o efeito placebo, que no homem é muito importante. “Se a pessoa usa uma substância acreditando que ela fará tal efeito, é possível que este efeito seja de fato observado. No animal de laboratório isso não ocorre, pois o animal não sabe que tratamento está recebendo”, explica Marcondes.

Ansiedade
As pesquisas estudaram também o comportamento. A irritabilidade, por exemplo, é um dos principais efeitos colaterais relatados por quem toma altas doses de testosterona sintética. Esse efeito adverso tem gerado inclusive, uma situação inusitada nos últimos anos. Segundo a docente, muitos homens têm consumido anabolizantes não apenas para aumentar massa muscular, mas também para fins ocupacionais – principalmente, seguranças, vigias e policiais. Alguns usuários dentro desse grupo de profissionais utilizam essas substâncias por acreditar que elas os deixam mais despertos e com uma melhor resposta de reação no caso de contenção ou até mesmo de resposta a brigas e agressões físicas.

O estudo da professora da FOP não mensurou os efeitos do uso de anabolizante sobre a agressividade dos usuários. No entanto, observaram-se alterações no nível de ansiedade dos ratos de laboratórios que tomaram decanoato de nandrolona. O teste comportamental que demonstrou isso é denominado labirinto em cruz elevado. Nele existem dois caminhos retilíneos e perpendiculares que se cruzam ao centro. Só que um dos caminhos é fechado por paredes de 50 cm de altura e o outro é uma plataforma aberta, sem paredes.

“O animal com nível normal de ansiedade explora um pouco o braço aberto, mas fica mais no braço fechado, onde se sente seguro. Quando um tratamento faz com que o animal saia menos ainda no braço aberto, dizemos que ele aumenta a ansiedade”, explica Marcondes. O grupo que tomou esteróide saiu muito menos no braço aberto que o grupo controle.

Realmente, segundo Fernanda, a questão psicológica é a que mais contribui para que jovens de 14 anos ou menos arrisquem sua saúde em troca de músculos maiores. “Esse problema está fortemente associado à questão de como o jovem se vê perante a sociedade. Você tem na mídia a disseminação de um modelo de beleza com a mulher muito magra e com o homem de corpo forte e definido. Na busca por esse modelo, o jovem mais imediatista não se preocupa muito com o que vai acontecer. É próprio da adolescência querer um resultado rápido e achar que será sempre saudável. Diferentemente de uma pessoa mais velha que vai pensar e agir com mais cautela, preocupando-se com o prejuízo futuro que o uso dessas substâncias pode causar”.

 

 

Das competições para as academias
A testosterona foi sintetizada pela primeira vez em 1935. De lá para cá, os esteróides são utilizados (em baixa dosagem) até hoje em casos de perda crônica de peso (AIDS e câncer), retardo no processo de amadurecimento sexual de adolescentes, queda natural de hormônios masculinos em homens de meia idade ou idosos e problemas hormonais ou neuromusculares congênitos com prejuízo de crescimento em crianças.

Acontece que o aumento de massa muscular e força adquirido pelos anabolizantes logo foram apropriados por atletas de alto desempenho. O uso dessas substâncias para tal finalidade foi percebido pela primeira vez em um campeonato de levantamento de pesos ocorrido em Viena no ano de 1954, no qual atletas russos exibiram performances altamente satisfatórias.

A partir daí, o uso indiscriminado de esteróides entre esportistas cresceu exponencialmente, principalmente depois de instaurada a Guerra Fria. Na década de 60, a República Democrática Alemã chegou a montar um programa sigiloso de testes com anabolizantes em seus atletas. Tão sigiloso que os esportistas daquele país eram instruídos a não comentar sobre o assunto nem com seus familiares. Se alguém perguntasse, eles deveriam dizer que se tratava de complexos vitamínicos.

O resultado desses experimentos pode ser visto a partir de 1972, quando a Alemanha Oriental passou a dividir o topo no número de medalhas olímpicas com potências como EUA e União Soviética. Anos mais tarde, o uso de anabolizantes já era facilmente perceptível em atletas de várias nacionalidades.

Somente a partir de 1989, com a introdução de alguns controles antidoping é que se conseguiu impedir, de certo modo, a inserção das “bombas” nos esportes competitivos. Depois desse período, muitos atletas jamais conseguiram exibir as marcas alcançadas em competições anteriores.

Do esporte para as academias. Esse foi o percurso feito pelos anabolizantes na década de 90 e início do século XXI. E o que se pode ver atualmente é que o uso desses medicamentos não é mais privilégio dos homens. Mulheres, não apenas as fisiculturistas, têm utilizado esse recurso químico para alcançar corpos fortes e definidos.

Nelas, o uso dos esteróides geralmente vem acompanhado de substâncias como o hormônio tireóideo tri-iodotironina (T3), o cloridrato de clembuterol e o 2,4-dinitrofenol (DNP). Com isso, as usuárias acreditam que eliminam toda e qualquer gordurinha no corpo. Na maioria dos casos nem é o aumento de massa muscular que mais as interessa, mas sim o aspecto de corpo “sarado”, com formas secas e definidas, além da suposta maior disposição para “malhar”.

É óbvio, como demonstram as pesquisas, que tal mistura de medicamentos não traz apenas os efeitos desejados a essas mulheres. Além dos efeitos colaterais que os anabolizantes causam também aos homens, nas mulheres você ainda pode ter crescimento de pêlos na face, engrossamento da voz, hipertrofia do clitóris, entre outros. É o preço a pagar por quem deseja ser bela (ou belo) acima de qualquer coisa.

 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP