A
Banda do Zé Pretinho, quem diria, veio parar na academia.
Não exatamente para animar a festa, mas para ser, pela primeira
vez, objeto de estudo de pós-graduação. A missão ficou a
cargo do músico e pesquisador Alam D’Ávila do Nascimento,
que investigou a carreira e a obra do inoxidável Jorge Ben
Jor, o mais suingado band leader do lado debaixo do Equador.
“Meu principal objetivo foi definir o estilo dele. O que
pude constatar é que Ben Jor tem um estilo híbrido e original,
que pode ser reconhecido principalmente por dois aspectos.
O primeiro está na batida da guitarra ou violão, que traz
elementos do samba, da Bossa Nova, do rock e do pop. O segundo
está no canto, que apresenta traços do blues e nuances do
pop”, afirma o autor do trabalho.
O interesse de Alam por Ben Jor surgiu ainda na graduação,
quando desenvolvia pesquisa de iniciação científica. Na
época, instigado pelo seu orientador, José Roberto Zan,
professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, ele decidiu
fazer uma análise do primeiro disco do artista, lançado
em 1963, intitulado Samba Esquema Novo. Naquela época, segundo
o pesquisador, o cantor, então conhecido como Jorge Ben,
já revelava uma das características que o acompanhariam
pelo resto da carreira, qual seja, a de absorver informações
de outros gêneros para criar o seu próprio modo de tocar
e cantar. “Nesse primeiro álbum, por exemplo, as músicas
apresentavam influências do samba, do jazz e da Bossa Nova”,
aponta o autor da dissertação.
As razões dessas experimentações e fusões podem ser encontradas
na biografia de Ben Jor, conforme Alam. Filho de um homem
ligado ao carnaval e de uma mãe etíope, o músico bebeu desde
pequeno na fonte do samba e de outras sonoridades de matrizes
africana. Além disso, na juventude atuou como cantor de
boates, o que o obrigava a conhecer e executar vários gêneros.
“Ainda na década de 60, Ben Jor começou a transitar pelo
Beco das Garrafas, que se transformou uma espécie de QG
da Bossa Nova e da boemia do Rio de Janeiro. Lá, ele conheceu
o produtor e os músicos que o acompanhariam na gravação
do primeiro disco”, relata o pesquisador.
Por
esta época, Ben Jor, que seguia sendo apenas Ben, começou
a se tornar popular e a fazer vários shows. Em meados da
década de 60, porém, o artista afastou-se da Bossa Nova
para se aproximar da Jovem Guarda, movimento que estava
em pela ascensão. Essa relação gerou certa tensão com os
bossanovistas. “Isso ocorreu porque Ben Jor havia assinado
um contrato para participar de seis edições do Fino da Bossa,
programa apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Certo
dia, depois de duas ou três apresentações, ele se encontrou
com Erasmo Carlos, que o convidou para participar de outra
atração televisiva, a Jovem Guarda, e ele foi. O pessoal
da Bossa Nova ficou muito irritado e fomentou alguma antipatia
em relação a ele”. Graças a essa aproximação com a turma
de Roberto e Erasmo Carlos, Ben Jor passou a incorporar
a batida do rock nas suas canções.
O namoro com a Jovem Guarda, todavia, não durou muito.
No final da década de 60, Ben Jor aproximou-se de um novo
movimento musical, a Tropicália, conduzida por Caetano Veloso,
Gilberto Gil e mais um grupo de artistas. Naquela oportunidade,
participou da atração Divino e Maravilhoso, fez músicas
para o programa e compôs canções que o acompanhariam pelo
resto da carreira, tais como País Tropical, Que pena e Cadê
Tereza. Como nunca teve uma participação política muito
pronunciada e as canções de protesto começavam a perder
um pouco a força, Ben Jor aproveitou a década de 70 para
dar ainda mais vazão ao seu estilo e flertar com o funk
e a soul music que surgiam fortemente no país. No período,
registre-se, emergiram nomes importantes como Tim Maia,
Cassiano, Carlos Dafé, entre outros. “Penso que é aí que
o som de Ben Jor começa a ficar mais Ben Jor”, analisa Alam.
Tal característica pode ser constatada, de acordo com o
pesquisador, no disco África Brasil, de 1976, que tem uma
batida marcadamente funk. Nos anos 80, embora continuasse
popular e fazendo muitos shows, inclusive internacionais,
Ben Jor experimentou certo declínio na vendagem de discos.
Na segunda metade da década, ele se aproximou do chamado
pop-rock e absorveu alguns de seus elementos. Mas a grande
virada na carreira do artista viria na década de 90. Em
1991, depois de quase 30 anos de estrada, ele lançou a música
W Brasil e explodiu nas paradas de sucesso. Também conquistou
um público novo, predominantemente jovem, que praticamente
não conhecia seus trabalhos anteriores.
Para
o autor da dissertação de mestrado, que contou com bolsa
de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), a capacidade de Ben Jor de
“dançar conforme a música” revela a habilidade do artista
de se reinventar sempre que necessário. “Eu diria que ele
sempre soube absorver as referências que o interessavam,
para que pudesse fazer o seu som. O que pontua o trabalho
do Ben Jor, e que talvez explique o fato de ele estar sempre
presente na mídia e no mercado fonográfico, é o fato de
sua música ser dançante. Também é uma música fácil de cantar
e que tem sempre um refrão muito bom. Além disso, as letras
abordam temas que interessam aos fãs, como futebol, musas,
São Jorge etc”.
O principal legado de Ben Jor para a música brasileira,
na opinião de Alam, pode ser verificado no que se convencionou
chamar de samba-funk e samba-rock. Esses gêneros, que ele
ajudou a formatar, influenciaram e continuam influenciando
diversos artistas e grupos nacionais, como Funk Como Le
Gusta, Seu Jorge, Simoninha, Max de Castro, Jair Oliveira,
Luciana Melo, entre outros. Dito de outro modo, a Banda
do Zé Pretinho chegou não apenas para animar a festa, o
que vem fazendo muito bem ao longo de décadas, mas também
para deixar a sua marca na história da música brasileira.
A propósito dessas contribuições, talvez seja conveniente
emprestar duas expressões muito usadas pelo próprio Ben
Jor: Salve Jorge! Salve, simpatia!