| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 346 - 4 a 10 de dezembro de 2006
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Arte pictórica
 

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Pesquisadoras do Cepre apresentam técnica para tornar
a arte pictórica acessível ao aluno com deficiência visual

O toque especial na pintura

A professora Lucia Reily e a artista plástica Laura Chagas: ferramenta para que a escola fundamental promova a inclusão nas aulas de artes (Fotos: Antoninho Perri/Reprodução)Os principais museus do mundo estão preocupados em garantir o acesso à arte pictórica para pessoas cegas ou com reduzida acuidade visual. É uma tendência cada vez mais acentuada também no Brasil, particularmente em museus de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esta acessibilidade, no entanto, pode ser assegurada já a partir da escola fundamental, por iniciativa dos professores de artes, mesmo que de forma simplificada. É esta a proposta da artista plástica Laura Chagas, em trabalho de iniciação cientifica que realizou no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto (Cepre) da Faculdade de Ciências Médicas. A artista contou com a orientação de Lucia Reily, pesquisadora e arte-educadora do Cepre e professora de fonoaudiologia e do programa de pós-graduação do Instituto de Artes.

“A idéia inicial que eu acalentava era produzir um livro com ilustrações táteis para os deficientes visuais. Nas conversas com a professora Lucia, veio a proposta de selecionar algumas pinturas importantes da arte brasileira e trMateriais de texturas diferentes para destacar a variação de cores de Mastros (década de 1970), obra de Alfredo Volpi abalhá-las em relevo ou em algum suporte tátil, a fim de que eles pudessem ter contato com obras pictóricas. Não se trata de uma tradução – o que seria impossível – e nem de uma adaptação, mas de uma mediação”, esclarece Laura Chagas. Como o objetivo é possibilitar este contato desde a infância, a autora optou por utilizar materiais baratos e técnicas simples, reprodutíveis e acessíveis aos professores da escola fundamental.

Lembrando o crescente fortalecimento dos movimentos em favor da inclusão social, a arte-educadora Lucia Reily observa que os professores de artes podem cumprir um papel importante ao assegurar para alunos portadores de deficiências visuais o mesmo privilégio dos demais, o da percepção da pintura. “São crianças que precisam de referências táteis. Este material de referência serve para mostrar aos professores uma ferramenta capaz de motivar e entusiasmar os alunos especiais a conhecerem nosso patrimônio artístico. Nem sempre é possível levá-los a um museu”.

Na parte teórica da pesquisa, Laura Chagas realizou o levantamento de extensa bibliografia do que já foi publicado sobre o tema no país – material disponibilizado no endereço www.arteemcomum.org – e entrevistou especialistas da área como Amanda Tojal, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, e Valquíria Prates, do Masp, a fim de verificar como os museus nacionais estão enfrentando este desafio. A artista plástica também navegou pela Internet para saber o que importantes museus de outros países vêm fazendo para atender os deficientes visuais. Na parte prática, durante um curso oferecido pela Pinacoteca, Laura testou materiais e colas para os protótipos que desenvolveu (veja imagens de alguns deles nesta página).

AColagem em borracha da personagem A Negra (1923), de Tarsila, e o fundo de materiais variadoss obras – Na seleção das obras que seriam trabalhadas em relevo e com outros materiais, Laura considerou a importância do artista, a viabilidade de adaptar sua pintura à representação tátil e a possibilidade de construir uma linearidade com exemplos de cada período da pintura brasileira. A artista plástica destaca três trabalhos entre os inúmeros executados, devido a diferentes características formais que os tornam inclusive emblemáticos da sua proposta.

Do francês Jean Baptiste Debret, que pintou o Brasil do século 19, Laura escolheu a aquarela Calceteiros, que retrata o trabalho escravo em uma praça do Rio de Janeiro. A pintura é cheia de detalhes, mas a artista representou apenas os dois escravos do primeiro plano. Para isso, utilizou a chamada borracha “eva” (etil vinil acetato), que por suas cores, facilidade de manuseio, limpeza e durabilidade transformou-se em bom material para trabalhos artesanais e escolares. Ela afirma que poderia representar também as cenas de fundo, separando-as em camadas e trabalhando cada uma delas em pranchas. Outra possibilidade seria simplesmente descrever todas as cenas do quadro, como fazem alguns museus, o que a artista considera pouco satisfatório quando a proposta é permitir às crianças um contato com a obra.

Colagem em borracha da personagem A Negra (1923), de Tarsila, e o fundo de materiais variadosPara a mediação dos Mastros de Alfredo Volpi, que trabalha com cores e formas, Laura Chagas usou materiais de texturas diferentes. O propósito foi evidenciar de forma tátil as diferenças nas passagens de cor, sem a preocupação de associar as cores propriamente, mas de destacar sua variação. Como as telas de Volpi não sugerem volumes ou profundidades, as soluções foram relativamente simples. Já A Negra de Tarsila do Amaral mereceu uma solução intermediária entre as duas anteriores: em uma única prancha, a representação da negra em primeiro plano foi obtida com a colagem em borracha, e a do fundo colorido com materiais de variadas texturas.

Os trabalhos de Laura apresentam tamanhos que facilitam o contato manual e a reprodução de detalhes, sem que se atenham às dimensões originais. Ela observa que a tela de Debret, por exemplo, não mede mais do que um palmo de largura, ao passo que a de Volpi é razoavelmente grande. Frisando que procurou sempre soluções simples e com materiais baratos e acessíveis, Laura informa que os trabalhos similares em museus são muito mais sofisticados, como pranchas em resina, apropriadas para higienização depois de manuseadas por um número grande de visitantes.

Em Calceteiros (1824), de Debret, os escravos em primeiro plano são colocados em relevo, também com o uso de borrachaOs recursos táteis apresentados pelas pesquisadoras da Unicamp podem ser facilmente adotados por professores do ensino fundamental, mas elas lembram que o aluno com deficiência visual continuará precisando da mediação do educador para relacionar a prancha com outros aspectos da obra original. “Isto vale também para o observador com visão normal, pois o simples olhar não é suficiente. A participação do professor é importante para explicar a linguagem visual e fornecer informações sobre o artista, o momento histórico e o significado da obra nos dias de hoje”, afirma Lucia Reily. “Mas o recurso tátil já constitui um primeiro contato do deficiente visual com um universo cultural do qual estaria excluído. Assim, ele não se sentirá alijado do mundo dos que enxergam”, acrescenta.

Novas etapas – Na opinião da professora da Unicamp, apesar do curto tempo para a pesquisa, Laura Chagas conseguiu um bom mapeamento do que vem sendo realizado no Brasil visando à inclusão do deficiente visual no campo da arte. Para surpresa de ambas, existem muito mais iniciativas do que imaginavam. Elas constataram, também, a necessidade de um recorte didático, a exemplo do que é adotado junto aos alunos com visão normal. A previsão é de que o trabalho tenha três novas etapas, uma delas para verificar como o aluno cego ou de baixa visão interpreta as mediações táticas de obras pictóricas. “Não sabemos os sentimentos e as sensações que a atividade desperta, eles é que devem nos contar. É uma informação que revelaria o grau de adequação do caminho que estamos seguindo”, prevê Lucia Reily.

Em Calceteiros (1824), de Debret, os escravos em primeiro plano são colocados em relevo, também com o uso de borrachaOutra etapa diz respeito à gestão dos museus, com sugestões para tornar o acervo acessível a deficientes visuais, como a criação de uma metodologia combinando o tátil com a descrição verbal da obra gravada em áudio. Tal metodologia, segundo as pesquisadoras, permitiria ao deficiente mediar sozinho maior número de pinturas. Uma terceira etapa abordaria a gestão da educação especial, assegurando a esses alunos o direito à cultura e o acesso ao mundo visual, assim como o portador de deficiência auditiva tem direito à música, e o de deficiência física, à dança. “A questão é garantir o direito de todos a tudo. No Cepre, a pesquisa não deve servir apenas para que o especialista aprenda mais; ela deve apresentar resultados que sejam úteis à sociedade”, diz Lucia.

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