Algumas células tumorais resistem à ação de quimioterápicos. Pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp descobriram que uma proteína particular do grupo das fosfatases tem participação importante nesse efeito indesejado. A descoberta levou-os a buscar uma substância capaz de inibir a ação da fosfatase e que, ministrada conjuntamente com os quimioterápicos comerciais, possibilitasse melhorar a eficiência da quimioterapia o tratamento que visa à destruição de células cancerígenas. Esta formulação já está protegida por patente, mas sua utilização ainda depende de testes em animais, já em andamento, e depois em humanos, que devem começar com portadores de leucemia.
A professora Carmem Veríssima Ferreira, do Departamento de Bioquímica, explica que proteínas fosfatases são enzimas que catalisam a desfosforilação de proteínas e, dessa maneira, controlam diferentes processos celulares. A constatação de que uma fosfatase era a responsável pela resistência das células tumorais aos quimioterápicos é uma longa história. “Comecei a trabalhar com essas proteínas como aluna de mestrado do professor Hiroshi Aoyama, que as estuda há cerca de quinze anos. Como as fosfatases são importantes no controle da proliferação celular, tínhamos aí um indício de que elas pudessem ter papel igualmente importante na terapia do câncer.”
Assim, os pesquisadores foram procurar uma fosfatase que atuasse no processo de aquisição de resistência a quimioterápicos por parte das células tumorais. “No começo a missão parecia impossível”, admite Carmem Ferreira. No entanto, segundo a pesquisadora, o conhecimento adquirido ao longo dos anos pelos grupos de pesquisa a respeito das fosfatases, bem como os resultados mais recentes que forneceram um mapeamento das proteínas celulares importantes para a morte de células tumorais, levaram à conclusão de que realmente existia uma fosfatase envolvida na morte de células leucêmicas.
“Aprofundando o estudo, comparamos células leucêmicas com células leucêmicas resistentes a quimioterápicos e constatamos que o nível de fosfatase dessas duas linhagens era diferente. Pensamos, então, em bloquear a ação dessa proteína. Mas como são muitas as proteínas fosfatases nas células, precisávamos descobrir qual delas era responsável pelo efeito. Chegamos a ela utilizando técnicas de biologia molecular. Quando conseguimos bloqueá-la, observamos que a célula, antes resistente, voltava a responder à ação dos quimioterápicos. Tínhamos chegado lá”, comemora.
A professora Carmem esclarece que não foi desenvolvido um quimioterápico novo, mas sim uma formulação que combina quimioterápicos convencionais com o inibidor da proteína fosfatase. “Os resultados revelaram-se altamente promissores, pois o quimioterápico passou a ser ministrado em doses mais de vinte vezes menores e por um tempo bem mais reduzido, o que contribui sensivelmente para diminuir os efeitos colaterais provocados por esses fármacos, reconhecidamente tóxicos”, informa.
Os pesquisadores utilizaram linhagens de células com as quais já trabalhavam no laboratório, as leucêmicas e algumas de tumores sólidos como os da próstata e do pâncreas. De acordo com Carmem Ferreira, o estudo in vitro levou aos mesmos resultados em todos os modelos celulares utilizados, ou seja: a combinação do inibidor da fosfatase com quimioterápico reverteu a resistência. “Já iniciamos as pesquisas in vivo com o objetivo de verificar se a formulação produz o mesmo efeito nas células tumorais resistentes em animais. Depois disso podemos passar ao estudo com humanos, que pretendemos iniciar com pacientes portadores de leucemia”, adianta.
A patente A docente afirma que a patente não resultou de um projeto exclusivo, mas de resultados independentes obtidos em anos de investigação por vários pesquisadores. Embora seu grupo e do professor Aoyama tenham se envolvido mais diretamente neste trabalho, ela destaca a colaboração do Laboratório de Transdução de Sinal e de outros pesquisadores, como o professor Maikel Peppelen-bosch, da Groningen University (Holanda). “É a socialização do conhecimento acumulado. Todos os pesquisadores, aqueles que aqui estão e os que vão chegando, podem aproveitar este conhecimento. Nesta área, a pesquisa não começa, continua”, pondera. A professora destaca ainda a participação direta de Karla Cristiana Queiroz (doutoranda), Maria Augusta Sartori da Silva (iniciação científica) e Marilena Bezerra Jucá (bióloga). “Aliás, foram elas que perceberam as diferenças entre uma célula leucêmica e uma célula leucêmica resistente, oferecendo-nos o indício de que estávamos no caminho certo”, reconhece.