A Unicamp está levando sua experiência à África, mais precisamente a Luanda, República de Angola. Em 2005, 11 médicos angolanos desembarcaram em Campinas para um estágio de dois anos nas especialidades de neurologia clínica, gastroclínica, infectologia, cirurgia, hematologia, terapia intensiva, otorrinolaringologia, oftalmologia e cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Estes médicos carregam sobre os ombros a tarefa de ajudar a reconstruir o Hospital Josina Machel, a maior instituição de saúde de Luanda. A possibilidade real de tornar o estágio uma residência médica vai se ampliando no país de origem, com apoio das lideranças locais. Eles não somente terão parte na reconstrução. Trabalharão para formar o embrião de várias especialidades médicas inexistentes naquele hospital.
Passada a guerra civil que assolou Angola por 27 anos, a colaboração internacional não tardou a chegar e a missão Japan International Cooperation Agency (Jica) destinou àquele hospital uma verba de US$ 40 milhões para torná-lo novamente referência, firmando ainda com a Unicamp um convênio de cooperação internacional para capacitação de profissionais na área médica. O dinheiro já está sendo empregado. O novo hospital ficou pronto e aguarda expandir-se mediante os resultados da capacitação de pessoal para tocar melhor o atendimento. “A expectativa é ter 300 técnicos, trabalhando numa estrutura hospitalar de 700 leitos. O hospital está lindo”, relata o executor do convênio, professor Francisco Aoki, da disciplina de Infectologia da FCM.
A Unicamp está inclusive gestando um projeto para desenvolver a residência médica em Angola. “A coordenação é do hospital, que está provendo os meios para isso. A Universidade apenas expedirá um atestado de estágio, por não encontrar amparo na lei para convalidar os créditos como residência médica”, acentua Aoki. A discussão, que acaba de ser levada à diretoria da FCM, também prevê um intercâmbio de professores da Unicamp para continuar capacitando os estagiários em 2007, mas desta vez em Angola.
O executor do convênio afirma que está se abrindo aos médicos angolanos a chance de criar uma nova cultura para desenvolver serviços. “Eles estão absorvendo isso com interesse. Ao retornarem, serão monitores e auxiliarão o projeto de estágio, que chamam internato, mas que corresponde à residência médica brasileira. Ainda em 2007, outros dois médicos virão para o estágio na Unicamp”, diz Aoki. “Trata-se de um intercâmbio de importância crucial, pois o hospital tinha algumas dificuldades e nos colocamos como instituição que veio preencher esta necessidade.”
Campo de estágio Aoki esteve em Angola duas vezes para conhecer a realidade do hospital e trazia suas impressões, até que o primeiro grupo veio iniciar estudos com o mesmo conteúdo programático seguido pelos residentes médicos da Unicamp. Mas os novos alunos não reclamam da rotina, que inclui estudo de vasto material teórico no primeiro período, entremeado com a prática nas respectivas áreas. Mariquinha Venâncio, médica há 15 anos no Josina Machel, optou pelo estágio em cardiologia. “Além de apreciar a área, esta era uma necessidade do nosso hospital, pois nunca tivemos contato com uma unidade coronariana”, conta. Sua colega de profissão há 13 anos, Teresa Inácio, se diz consciente da grande responsabilidade de implantar o setor de hematologia e hemoterapia. “É um campo virgem que terá de ser estudado, bem como as suas prioridades”, comenta.
Guilherme Lázaro, carinhosamente eleito “chefe” pelos colegas angolanos, brinca que estes assumirão as conseqüências quando voltar ao Josina. Tem o sorriso largo, mas assume o momento quando o assunto é sério. Explica que a neurologia é área nova em seu país e que precisou começar dos fundamentos básicos. “Com um ano e meio de estágio, tenho certo que alcancei base suficiente para abordar um paciente neurológico. O estágio continua até agosto do próximo ano, período em que poderei ficar mais confortável ainda. Tenho me debruçado, por apreciar, ao estudo de doenças neurovasculares como o AVC [acidente vascular cerebral]”, salienta com sotaque.
Sebastião Canísio, médico há dez anos no Josina, revela que, ao deixarem Angola, outros médicos os substituíram e alguns até foram contratados. “Esta experiência trará uma nova etapa de conhecimento em nossas vidas”, garante. E já imagina, como outros do grupo, que o convênio poderá ser estendido e, com ele, a oportunidade de fazerem mestrado, doutorado e pós-doutorado na Unicamp.
Rotina Com uma bolsa de estudo de US$ 800 por mês, oferecida parte pelo Ministério da Saúde e parte pelo Josina Machel, o grupo de angolanos se mantém em Campinas. Alugaram uma casa que tem vários flats, no Parque das Universidades, e vêm a pé para a Unicamp ou por vezes de ônibus. Completamente entrosados à nova realidade, freqüentam o restaurante universitário e vivem de forma simples. Chegam cedo à Universidade, são disciplinados e esforçados. Nos finais de semana, vão à Igreja e, às vezes, passeiam. Dizem que começaram tarde a especialização por causa da guerra e que a escolha do Brasil foi bastante oportuna, principalmente porque já conheciam a língua, além de apreciarem o clima parecido com o do seu país. Estão na casa dos 40 anos, alguns dos 50. São todos casados e com as famílias constituídas.