Milhares de professores em
nossas universidades públicas estão
angustiados. Não querem se aposentar, mas estão
se sentindo compelidos a fazê-lo por causa da
reforma da Previdência em discussão.
Gostam de seu trabalho e o fazem com enorme dedicação,
superando rotineiramente suas jornadas de trabalho
exigidas por lei. Muitos desses professores já
ultrapassaram, há muito, o tempo de serviço
para a aposentadoria. Como o conhecimento tem a característica
de ser cumulativo, essas pessoas são uma riqueza
inestimável para o desenvolvimento do Brasil.
Só na Unicamp, há
421 professores que podem se aposentar imediatamente,
mas não o fizeram. Outros 127 docentes já
aposentados continuam a serviço da universidade,
como professores colaboradores voluntários,
sem receber nenhuma remuneração além
de sua aposentadoria. Os que podem se aposentar, mas
não querem, angustiam-se por estarem sendo
compelidos a fazê-lo. Os que ainda não
podem assistem impotentes ao perverso rumo das discussões
sobre a reforma.
Esses professores optaram por trabalhar numa das mais
importantes universidades públicas brasileiras;
agora se vêm punidos pela escolha que fizeram,
ao verem desconsiderados os direitos que lhes foram
prometidos então, em troca de uma vida de ganhos
inferiores aos que poderiam obter em instituições
privadas, freqüentemente com melhor remuneração,
mas com menor capacidade de realização
acadêmica. A reforma proposta pelo Executivo
não se dignou nem a essa preocupação
básica numa sociedade civilizada: regras de
transição decentes e minimamente justas.
Diante desse quadro, é
com a mais absoluta perplexidade que vemos o Executivo
federal incluir esses dedicados professores entre
os responsáveis por eventuais problemas relativos
à capacidade de cumprir os compromissos da
Previdência. A propaganda oficial, ao comparar
sua proposta de reforma a importantes avanços
ocorridos em nossa história, como a abolição
da escravatura, sugere, injustamente, que os professores
das universidades públicas são causadores
de males tão graves como os que levaram àqueles
movimentos.
Pois os professores das universidades públicas
não são a causa do problema por aspirarem
à manutenção do direito previdenciário
de aposentadoria integral equivalente à sua
última remuneração. Esse direito
lhes foi assegurado por lei. Em face dele, eles abriram
mão de melhores salários para se dedicarem
a um trabalho necessário e estratégico
para o país. Esses honrados cidadãos,
que merecem respeito e reconhecimento, estão
diante de uma proposta que subtrai as expectativas
em que confiaram.
Com a enorme contribuição
dos professores das nossas universidades públicas,
hoje temos uma infra-estrutura acadêmica invejável.
Temos a capacidade de pensar e de encontrar soluções
para muitos dos problemas nacionais graças
a brasileiros bem formados em engenharia, biologia,
física, matemática, sociologia e muitas
outras áreas do conhecimento. Gigantes tecnológicos
como a Embrapa, Embraer, Petrobras são fruto
de nossas universidades públicas.
A Previdência Social
tem por objetivo garantir um importante direito. Ao
se assegurar esse direito a seus cidadãos,
é à nação como um todo
que se beneficia. A reforma da Previdência só
pode ser justificada pelo objetivo de aprimorar seu
funcionamento, no sentido de prover uma aposentadoria
digna. Pode ser que seja necessário reformar
a Previdência no Brasil -isso ainda precisa
ser demonstrado. Estudos do Ipea mostram que a tendência
de crescimento dos benefícios além da
sustentabilidade existe no regime de previdência
geral (INSS), e não no sistema de previdência
do servidor público (Textos para Discussão,
nº 690, 12/1999). No entanto a reforma em pauta
atinge os servidores públicos. Por quê?
Para quê?
No Congresso é preciso
que se pense nos efeitos que a proposta trará
para o futuro do serviço público. Em
especial, é preciso que se pense nas pessoas
que vêm fazendo as nossas boas universidades
públicas. Nossos professores merecem ter respeitados
os seus direitos e suas expectativas de direitos.
Se aprovada a proposta do governo, a nova lei terá
efeitos que comprometerão o avanço científico
e tecnológico que o país tem experimentado
nos últimos anos: o desestímulo ao ingresso
de novos e talentosos docentes nas instituições
públicas de ensino e pesquisa, que se seguirá
a uma onda de aposentadorias, inclusive precoces,
causadas pela ausência de dispositivos de transição
justos que assegurem direito pelo tempo já
trabalhado, pela drástica redução
prevista do valor da aposentadoria e pela ausência
de uma regulamentação tranquilizadora
da aposentadoria complementar.
No mundo contemporâneo,
o desenvolvimento das nações é
dependente do conhecimento e da educação.
A curtíssimo prazo, uma reforma da Previdência
visando gerar caixa pode até aliviar as despesas
do Estado, mas, a médio e a longo prazos, seus
efeitos, em especial sobre a universidade pública,
trarão prejuízos irrecuperáveis
ao desenvolvimento socioeconômico do país.
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Artigo publicado na edição
de 20 de junho
do jornal Folha de S. Paulo.
Carlos Henrique de Brito
Cruz é reitor da Unicamp.