O nome de cinco cidades brasileiras,
entre elas Campinas, está sendo imortalizado
na literatura científica internacional graças
ao trabalho de um importante grupo da Unicamp, considerado
referência na América Latina na investigação
de hemoglobinopatias, mutações que ocorrem
na hemoglobina (Hb) e que podem causar doenças
como a anemia falciforme e a talassemia. Quando essas
moléculas com alterações são
descritas pela primeira vez, é costume batizá-las
com a denominação da localidade de origem
do paciente. Assim, nos últimos anos, o Serviço
de Diagnóstico Laboratorial de Hemoglobinopatias
da Divisão e Departamento de Patologia Clínica
do Hospital das Clínicas e Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) juntamente com o Hemocentro identificaram
as Hb Rio Claro, Hb Poços de Caldas, Hb Joanópolis
e Hb Paulínia, Hb Campinas, esta última
predominante no feto.
O trabalho de investigação
teve início em 1980, quando o médico
Fernando Ferreira Costa, atual pró-reitor de
Pesquisa da Unicamp, implantou o Serviço de
Diagnóstico Laboratorial de Hemoglobinopatias.
Atualmente, quem está à frente do laboratório
é a médica Maria de Fátima Sonati,
que fez pós-graduação estudando
as hemoglobinas e teve a sua tese de doutorado orientada
por Costa. Ambos são professores da FCM. Com
a colaboração do Hemocentro, que faz
as análises de DNA, a unidade realiza aproximadamente
150 diagnósticos/mês, em pacientes encaminhados
com suspeita clínica de hemoglobinopatias.
Além disso, o Serviço
também desenvolve há cerca de cinco
anos um programa sistemático de triagem de
variantes raras de hemoglobina, com a análise
de 100 amostras/dia. Esse estudo conta com o suporte
financeiro da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De
acordo com o professor Costa, a excelência das
pesquisas e o volume de testes realizados pelo laboratório
fizeram com que ele se transformasse num dos mais
atuantes do mundo nessa área, constituindo-se
como referência para a América Latina.
O pró-reitor explica
que anteriormente, ao ser descrita pela primeira vez,
a hemoglobina passava a ser identificada pelas letras
do alfabeto. Quando o número de hemoglobinas
anômalas se tornou muito grande, os pesquisadores
passaram a batizá-las com o nome da cidade
de origem dos pacientes. No caso do laboratório
da Unicamp, foram descritas cinco novas variantes,
que emprestaram a denominação dos municípios
brasileiros nos quais os portadores viviam. Estas
já constam de publicações especializadas,
todas em periódicos com circulação
internacional.
Além das cinco variantes, o Serviço
também detectou numerosas hemoglobinas previamente
descritas em outros locais, como Hb Coimbra, Hb Indianápolis,
Hb Santa Ana, Hb Porto Alegre, Hb Zürich, Hb
Köln e Hb Kurosaki, entre outras. É
importante lembrar que essas mutações
da hemoglobina podem ou não causar alterações
clínicas. No entanto, muitas vezes estas alterações
podem levar ao esclarecimento de fenômenos biológicos
importantes, esclarece o professor Costa.
Doenças
A hemoglobina é a proteína que dá
a cor vermelha ao sangue. Ela também é
responsável pelo transporte do oxigênio
para todos os tecidos do corpo humano. Acontece, porém,
que essa molécula às vezes apresenta
mutações. Uma delas faz com que a Hb
A seja substituída pela Hb S. As pessoas com
dois genes S podem desenvolver a anemia falciforme,
doença hereditária que atinge predominantemente
os afrodescendentes. Isso ocorre porque as moléculas
normais quando desoxigenadas podem mudar a forma do
glóbulo vermelho. Este, que é arredondado
e elástico, assume o formato de uma foice (daí
a denominação falciforme), o que dificulta
a sua circulação pelos vasos sangüíneos.
Essa obstrução
vascular pode provocar lesões em vários
órgãos, sistema nervoso, ossos etc.
Entre os sintomas da anemia falciforme estão
as fortes crises de dor. Já a talassemia, doença
também de natureza hereditária, é
conhecida como Anemia do Mediterrâneo, por ser
mais prevalente entre os descendentes de italianos
e gregos, por exemplo. Por conta da mutação
da molécula, o organismo passa a fabricar
hemoglobina de uma maneira desequilibrada, o que pode
levar à enfermidade. As pessoas portadoras
desse mal são obrigadas a se submeter a freqüentes
transfusões de sangue. Entre os sintomas mais
comuns apresentados pelas crianças com talassemia
destacam-se: palidez, desânimo, falta de apetite
e hipodesenvolvimento.
A anemia persistente leva
ao aumento do baço, fígado e coração.
O Hemocentro da Unicamp, conforme o professor Costa,
é referência no Brasil para tratamento
de talassemia e anemia falciforme. A unidade produz
o maior número de publicações
internacionais nesse campo entre todas as universidades
brasileiras, com várias contribuições
originais para o tratamento e o diagnóstico
dessas doenças.