Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 218 - 30 de junho a 06 de julho de 2003
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Aprendizagem não se mede, diz educador
José Dias Sobrinho critica o Provão e revela algumas
das mudanças previstas para o sistema de avaliação

RAQUEL DO CARMO SANTOS

Mesmo aposentado, o educador e professor José Dias Sobrinho ainda freqüenta os corredores da Faculdade de Educação da Unicamp, onde atua como colaborador. Foi pró-reitor de Pós-Graduação de 1990 a 1994, quando idealizou e coordenou a pioneira experiência de avaliação institucional na Universidade. Dias Sobrinho preside atualmente a Comissão Especial de Avaliação da Educação Superior, instituída pelo MEC para analisar e propor uma nova sistemática de avaliação da educação superior. Na entrevista que segue, o educador critica o ranqueamento preconizado pelo Provão, afirmando que, do jeito que está formulado, o modelo prioriza a lógica da competitividade, e não da educação como bem púbico, e fala sobre as mudanças previstas para o sistema de avaliação.

JU – Da forma como foi concebido, qual seria hoje o principal problema apresentado pelo Exame Nacional de Cursos (Provão) em sua opinião?
Dias Sobrinho – Um autor norte-americano, George Madaus, sinaliza algo que entendo como um dos principais problemas do Provão. Da forma como é apresentado, o currículo de formação de um curso escapa das mãos do professor e da escola e passa para entidades externas. Entenda-se currículo, não só a lista de disciplinas, mas todo o conjunto de atividades educativas (didático e pedagógico, as atividades) em seu sentido mais amplo. Quando uma instituição atribui exagerado valor ao resultado de seus estudantes num teste, tende a transformar o conjunto de suas práticas educativas em uma espécie de “cursinho” que leve ao bom desempenho no Exame. Existem casos em que disciplinas básicas são colocadas mais próximo do Provão. Ensinar e estudar para o exame representa um empobrecimento da formação integral do indivíduo.

JU – O mecanismo então não é eficaz?
Dias Sobrinho – O teste simplesmente funciona como um instrumento que deve estar associado a múltiplos instrumentos e procedimentos que devem constituir a avaliação. É importante saber como está o ensino no Brasil, mas que isto não seja utilizado para constituir rankings. Mesmo porque um A do Provão não está dizendo que o curso é bom, nem o E indica que é necessariamente muito ruim. Sugere simplesmente uma posição relativa. Em algumas áreas, há cursos A com baixa média. Entretanto, recebem a melhor qualificação por terem obtido resultados superiores a outros. Porém, resultados dos estudantes não representam necessariamente a qualidade dos cursos.

JU – Qual o problema do ranqueamento?
Dias Sobrinho – É conhecida como falácia “harvardiana” o seguinte: a Universidade de Harvard tem tido os melhores resultados em grande parte porque recebe os melhores alunos. É uma injustiça comparar uma grande universidade completa e complexa, com adequadas condições de produção, que desenvolve ensino, pesquisa, extensão, que recebe os melhores alunos e que em geral têm as melhores condições socioeconômicas, com uma instituição mais pobre, menos consolidada, e que não recebe os melhores alunos. O segundo ponto está ligado ao desempenho do estudante. A média consolidada não avalia a qualidade do curso. Não se pode dizer que este resultado represente a qualidade do curso. Mesmo porque a qualidade do curso é muito mais que a soma ou a média do desempenho do estudante. Em um curso superior, a qualidade consiste no que aprendem, na qualidade das pesquisas, no nível dos professores, qualidade das bibliotecas e todo um ambiente que ultrapassa largamente o que o aluno respondeu em um teste. Uma outra questão seria que desempenho é diferente de aprendizagem. Não dá para confundir. Não se mede aprendizagem, que é algo pessoal, e muito menos se avalia aprendizagem em nível nacional. Só se poderia aferir aprendizagem em condições muito concretas e específicas. O desempenho diz respeito à capacidade de um estudante responder a uma dada pergunta num determinado momento, mas não necessariamente prova que esse estudante realmente aprendeu o que o exame está cobrando.

JU – A alternativa então seria abolir o Provão como mecanismo?
Dias Sobrinho – O próprio ministro da Educação, Cristovam Buarque, tem sinalizado a alteração da lógica da Avaliação. Dentro da concepção de instrumento isolado para produzir rankings, não vai continuar. Isto não significa que não se possa usar prova ou teste nacional dentro de uma concepção mais ampla de avaliação, onde passa a ser um instrumento articulado a muitos outros dentro de uma lógica de avaliação educativa e não simplesmente de ranqueamento. Seria possível manter este instrumento sem essa lógica e a finalidade que tem hoje. O ranking está dentro da lógica da competitividade, e isto faz parte do mercado e não propriamente da educação como bem púbico.

JU – Qual seria a lógica mais adequada?
Dias Sobrinho – A lógica seria sobretudo a de uma construção coletiva pela comunidade educativa articulada com a regulação e a avaliação feitas pelo Estado, de acordo com um projeto de educação superior. A regulação, neste caso, não seria meramente um controle com caráter punitivo ou algo para dizer: ‘você pode funcionar, você não pode; você é melhor que o outro e assim por diante’. Mas, sim, concebido dentro de uma lógica de melhoramento do processo em que as instituições o façam para melhorar. Haveria certamente uma divulgação dos resultados, a sociedade precisa saber tudo a respeito das instituições, mas a divulgação deveria ser feita de forma que não produzisse hierarquizações das instituições.

JU – O que o senhor quer dizer com o termo regulação feita pelo Estado?
Dias Sobrinho – Existem dois argumentos para se colocar em questão. Um seria o conceito de regulação, controle, fiscalização. Isto diz respeito à autorização de funcionamento e a credenciamento/recredenciamento. Este aspecto deve existir, é legal, burocrático e uma função basicamente do Estado. Seu dever é regular não só para manter o sistema educacional de acordo com parâmetros mínimos de aceitabilidade, mas também para induzir práticas de qualidade. Outra coisa se chama avaliação. Avaliação é construção, melhoramento, conhecer os problemas para superá-los e fazer melhor. Isto é avaliação educativa. Se não for isto, é só controle. Agora, existe, é claro, uma conexão entre as duas coisas: regulação e avaliação.

JU – Isto tem a ver com o fenômeno de abertura de cursos na rede privada nos últimos anos?
Dias Sobrinho – Os instrumentos vigentes foram criados para favorecer esta abertura de cursos, segundo a idéia de que a avaliação seria o contraponto da liberalização. Desde que a pessoa esteja em dia com seus deveres fiscais ela pode abrir um curso. Não há um projeto, um programa, uma concepção de educação superior que defina que tipo de instituições precisam ser abertas e onde. Há ampla liberdade para abrir cursos.

JU - Isto é ruim?
Dias Sobrinho – A ampliação do acesso à educação superior é desejável. Ruim é a concepção de educação superior não estar vinculada a um projeto de nação. Sem esse projeto, sem objetivo público, estão sendo abertos cursos que não correspondem às necessidades da sociedade. O que precisamos é fazer com que a regulação exista e seja séria, mas que também seja educativa. Isto vai exigir acompanhamento, avaliações verdadeiras e muito mais amplas. Mais do que uma prova e uma visita. Tem que ser algo mais amplo e que se paute por múltiplos fatores e referências.

JU – Qual seria a proposta em meio a tantos desajustes?
Dias Sobrinho – A educação superior deve ser “puxada para cima” para que as instituições sejam mais completas e complexas. Que se estimule o ensino, a pesquisa e a extensão com qualidade. Nem todas podem realizar todas essas dimensões (ensino, pesquisa, extensão, graduação, pós etc), mas é importante que políticas do Estado aumentem as possibilidades de tais instituições, para a criação de um sistema de maior qualidade. Quer dizer, ao invés de cobrar pelo mínimo numa prova, tem que se criar outros instrumentos que induzam a educação mais consistente. Precisa ser avaliada a função social da educação. A Universidade existe para promover a formação ampla do cidadão e desenvolver ciência. É preciso recuperar o valor público de toda e qualquer instituição educativa. O setor privado também deve entender que tem um mandato da sociedade para fazer educação e deve corresponder às funções sociais que lhe são atribuídas. Toda instituição educativa deve ter a finalidade pública. Se tiver só finalidade de mercado, ela está fraudando a sociedade. O papel da educação é transformar/ produzir valores mais representativos do ponto de vista social.

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