A Coleção Brasil
Nunca Mais é de longe a fonte de onde mais
bebem os pesquisadores que recorrem ao acervo do Arquivo
Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp. Em 29 anos de existência,
o AEL coletou e organizou perto de 50 fundos e coleções,
além de livros, publicações e
documentos avulsos que chegam sem parar para alimentar
estudos sobre a história social, política
e cultural recente do Brasil. Fruto de projeto nobre
e meticuloso coordenado por D. Paulo Evaristo Arns
e pelo reverendo James Wright, a coleção
BNM foi doada à Unicamp em 1987, com 707 processos
militares movidos contra suspeitos de subversão
no período da ditadura, totalizando 1,2 milhão
de páginas.
Brasil Nunca Mais vem embasando
a produção de livros, filmes, documentários
e teses de mestrado e doutorado, oferecendo informações
e números sobre mortos e desaparecidos políticos,
perfil dos atingidos, absurdos jurídicos em
prisões e condenações, formas
e instrumentos de tortura, depoimentos dramáticos
das vítimas, fotos comprovando as sevícias.
Até maio deste ano, foram 325 consultas, equivalente
ao triplo da procura pelas coleções
do Ibope e do Teatro Oficina, que aparecem a seguir
entre as mais folheadas.
Em agosto de 2002, a BNM foi
formalmente disponibilizada (o acesso já era
público) à Secretaria de Justiça
e da Defesa da Cidadania, visando ao levantamento
de provas e informações para fundamentar
e acelerar processos de indenização
em favor de vítimas com seqüelas de torturas
físicas ou psicológicas praticadas pelos
agentes da repressão. (Leia matérias
nos endereços fornecidos nesta página).
A promulgação da lei prevendo o pagamento
destas indenizações pelo Estado, refletiu
no aumento acentuado de consultas aos volumes onde
os processos estão ordenados com eficiência,
facilitando a busca de informações por
parte de familiares e vítimas da ditadura.
Contudo, há uma parte
da BNM menos conhecida do público e
não menos importante , cujo conteúdo
é especialmente atraente para o acadêmico,
mas que requer dele uma paciência de garimpeiro
para descobrir as preciosidades que lhe interessam.
É a parte dos Anexos, reunindo o material apreendido
em bolsos, mochilas, residências e aparelhos
dos militantes, e anexado aos processos como prova
da subversão. São 10.170
peças, entre atas, manuais de guerrilha e de
montagem de bombas, jornais clandestinos, panfletos,
textos doutrinários, correspondências
pessoais etc. Descontando-se os textos com mais de
uma edição e as duplicatas, temos aproximadamente
8.500 documentos diferentes, que permitem identificar
2.000 pessoas, 1.500 entidades e mais de 300 periódicos.
Lacuna Os responsáveis
pela Coleção Brasil Nunca Mais recordam,
na apresentação dos Anexos, que o golpe
de 1964 levou à apreensão de grande
quantidade de material considerado subversivo em bibliotecas
e arquivos públicos e particulares, abrindo
enorme lacuna no patrimônio documental do Brasil.
A polícia fez desaparecer livros e outros impressos
que pudessem configurar a infiltração
de idéias e doutrinas incompatíveis,
antes e durante o golpe. Contudo, ao contrário
de outras ditaduras no mundo, os militares brasileiros
não destruíram as peças anexadas
aos processos contra oponentes do regime.
Organizados em ordem cronológica,
estatutos, atas de reuniões, correspondências,
jornais e panfletos formam fontes primárias
para conhecer como se estruturavam e agiam as organizações
clandestinas e setores da sociedade no combate à
ditadura, bem como para avaliar os fatores que levaram
à derrota do movimento. O período de
produção e reprodução
do material vai de 1961 a 1977, adensando-se entre
1963 e 1972. É possível perceber, por
exemplo, como o conjunto de segmentos sociais na oposição
muda qualitativamente, atraindo setores progressistas
do clero e o movimento estudantil entre 1967 e 1970.
Daí até 1972, os documentos retratam
o processo de reaglutinação e de autocrítica
das organizações de esquerda, com a
fragmentação das mesmas e o desencadeamento
da luta armada.