Minúsculos crustáceos,
cuja análise detalhada pode ser obtida apenas
com lupa e outros equipamentos óticos de alta
precisão, estão se transformando no
mais novo indicador para avaliar sutis, mas consistentes
modificações no ambiente marinho, especialmente
na região entremarés, decorrentes da
interferência de ações humanas
no meio natural ou mesmo de modificações
ambientais naturais. O inovador e surpreendente instrumental
potencial de avaliação de impactos de
ações antrópicas no ambiente
marinho está relacionado a uma minuciosa e
paciente pesquisa desenvolvida há anos no Departamento
de Zoologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
A pesquisa também integra o conjunto do Programa
Biota, um esforço interinstitucional, financiado
pela Fapesp, para catalogar e aferir a biodiversidade
existente no Estado de São Paulo.
A pesquisa coordenada pela bióloga
Fosca Pedini Pereira Leite, professora associada do
Departamento de Zoologia do IB, trata da observação
e interpretação das interações
de pequenos crustáceos com os substratos onde
eles vivem, como no caso das algas - particularmente
os sargaços. Com mestrado e doutorado no Instituto
Oceanográfico da Universidade de São
Paulo, a bióloga pesquisa praticamente desde
1972 a ocorrência e as relações
com o substrato de pequenos crustáceos, especialmente
anfípodes gamarídeos e caprelídeos,
em diferentes pontos do Litoral Norte paulista.
Como uma das pioneiras nessa linha
de pesquisa, a professora Fosca conta que as dificuldades
eram naturalmente imensas na fase inicial. Os equipamentos
disponíveis nem podem ser comparados aos de
hoje, os profissionais dispostos a trabalhar na área
somavam um número limitado e as fontes de financiamento
eram reduzidas. Mas a pesquisadora diz que o esforço
valeu à pena, porque foi somente com os dados
acumulados ao longo de décadas que se tornou
possível detectar importantes modificações
na composição e densidade dos anfípodes
no ambiente marinho objeto de sua pesquisa, que agora
também conta com a participação
de pesquisadores, pós-graduandos e alunos de
iniciação científica por ela
orientados no IB.
A pesquisadora explica que são
avaliados vários aspectos da interação
entre os anfípodes e os substratos onde vivem,
como as algas. Estudamos entre outros aspectos
a arquitetura das algas e como ela influi na densidade,
na reprodução e na alimentação
dos anfípodes, tanto gamarídeos como
caprelídeos, diz. Em termos da reprodução,
por exemplo, destaca, são analisadas as diferenças
até em termos do número e diâmetro
dos ovos postos pelas numerosas espécies de
anfípodes.
Algumas espécies se
reproduzem a partir da produção de um
maior número de ovos em períodos mais
espaçados, enquanto outras apresentam um menor
número de ovos, mas produzidos em menor espaço
de tempo, além do fato que o diâmetro
também varia, o que pode indicar estratégias
diferentes para possibilitar a coexistência
em uma mesma alga, sublinha a pesquisadora,
que atenta para a forma de reprodução
dos crustáceos. Não existe uma dispersão
larval no processo reprodutivo. Os ovos permanecem
em uma bolsa incubadora (marsúpio) até
a eclosão na forma juvenil.
Uma das modificações
identificadas pela professora Fosca e equipe ao longo
do tempo é a alteração na dominância
das espécies. Observou considerável
redução do número de indivíduos
de uma espécie de anfípode: Amphilocus
neapolitanus, que no período inicial de trabalho,
no começo dos anos 70, era predominante em
praias de Ubatuba, que juntamente com São Sebastião
são dois dos locais de concentração
de estudo dos pesquisadores da Unicamp. Depois de
anos, no mesmo ambiente marinho, passaram a predominar
outras espécies como Jassa slatteryi, Hyale
nigra e Stenothoe sp. A primeira é uma espécie
tubícola (que forma de pequenos tubos) detritívora,
o que na avaliação dos pesquisadores
pode ser indicador da maior presença de sedimentos
na água do mar, e considerada resistente à
poluição, decorrentes das ações
antrópicas no Litoral Norte de São Paulo
nos últimos anos. As outras duas espécies
passaram a predominar em função de dieta
alimentar variada e modificações na
arquitetura das algas respectivamente.
No começo da década
de 1970 o Litoral Norte era pouco habitado, não
existia nem sombra da invasão imobiliária
e do fluxo de turistas dos últimos anos,
nota a professora Fosca. Alteração semelhante,
assinala, foi verificada no caso de pequenos moluscos
igualmente associados a algas. Anteriormente havia
maior ocorrência de moluscos carnivoros, e depois
passou a ser identificada maior presença de
detritívoros como Bittium varium. Hoje
existe com maior freqüência e intensidade
a ocorrência de manchas de óleo no mar
nas praias estudadas, o que pode estar afetando a
composição das espécies de anfípodes
e de moluscos, completa a pesquisadora, salientando
que a comprovação desses eventuais impactos
antrópicos depende de um aprofundamento dos
estudos.
Segundo a professora Fosca, um maior
conhecimento sobre a diversidade, a densidade, hábitos
de vida e o comportamento reprodutivo das espécies
de crustáceos associados a algas é fundamental
para a montagem de um plano de monitoramento na região.
Essas minúsculas criaturas exercem papel importante
na cadeia alimentar muitos peixes se alimentam
das algas às quais estão associadas
ou as predam ativamente.
O estudo da biologia de espécies
bioindicadoras para caracterização do
ecossistema e evidenciar modificações
naturais e antrópicas é, de fato, um
dos objetivos do projeto de pesquisa coordenado pela
professora do IB dentro do Programa Biota, batizada
de Costão Rochoso e Fauna Associada, que integra,
por sua vez, o Projeto Biodiversidade Bêntica
Marinha, financiado pela Fundação de
Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo
(Fapesp) e desenvolvido de forma integrada por pesquisadores
das universidades paulistas.
Um dos objetivos do Programa Biota,
de identificar e registrar a biodiversidade existente
em território paulista, incluindo eventuais
espécies novas, ainda desconhecidas na bibliografia
científica, está sendo alcançado
em grande estilo pelos pesquisadores do Departamento
de Zoologia do Instituto de Biologia da Unicamp. Entre
as mais de 20 espécies de anfípodes
estudadas, duas ainda não foram devidamente
descritas pela Ciência.