Filiado
ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua fundação,
o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Plínio
de Arruda Sampaio Filho, diz estar surpreso com o
rumo que o governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva está dando à política
econômica do país. As coisas não
estão saindo como o esperado, diz Plínio,
que no último dia 17 de junho surpreendeu o
governo e o próprio PT ao divulgar um documento
contendo duras críticas à maneira como
a economia está sendo conduzida.
Intitulado
Agenda Interditada Uma Alternativa de
Prosperidade para o Brasil, o texto é
assinado por 305 intelectuais e economistas, a maior
parte ligada ao PT, que acusam a equipe econômica
de estar levando o Brasil para um beco sem saída,
cobram a abertura de um debate com a participação
da sociedade e apresentam uma lista de sugestões
para livrar o país do totalitarismo do
mercado.
A
sociedade vem sendo privada de participar ou acompanhar
um debate genuíno sobre medidas de política
econômica, boa parte das quais decidida de comum
acordo com o FMI à revelia de qualquer instância
democrática, inclusive do Congresso Nacional,
diz o texto. Basta. Queremos abrir a agenda
da economia política brasileira e expor a caixa
preta da política econômica ao debate
aberto, acrescentam os autores do manifesto.
Um dos idealizadores do documento, Plínio conta
que a idéia de divulgá-lo surgiu espontânea
e simultaneamente entre vários intelectuais
petistas. As pessoas perceberam que era preciso
fazer alguma coisa, diz.
O
manifesto relaciona sete sugestões para corrigir
a rota da atual política econômica. São
elas: controle do fluxo de capitais externos e administração
do câmbio em nível favorável às
exportações; enquanto perdurar o alto
desemprego, redução do superávit
primário pelo aumento responsável do
dispêndio público, a fim de ampliar a
demanda efetiva agregada induzindo a retomada do desenvolvimento
e do emprego; ampliação dos gastos públicos
nos três níveis da administração,
com prioridade para dispêndio com ampliação
dos serviços de educação, saúde,
segurança, assistência e habitação,
grandes geradores de empregos, e de competência
também dos estados e municípios - o
que implica a restauração da saúde
financeira da Federação, inclusive mediante
renegociação das dívidas de Estados
e Municípios para com o Governo federal; redução
significativa da taxa básica de juros, como
complemento indispensável da política
fiscal de estímulo à retomada dos investimentos
privados; promoção de investimentos
públicos e privados em saneamento e infra-estrutura
(logística e energia), para assegurar a melhoria
da competitividade sistêmica da economia; incentivo
a investimentos imediatos em setores privados próximos
da plena capacidade; manutenção e ampliação
da política de incentivo às exportações;
e substituição de importações;
política de rendas pactuada para controle da
inflação.
Colocamos
o foco de nossas sugestões na promoção
do pleno emprego porque se trata de uma política
estruturante da solução de outros problemas
sociais e econômicos, diz o manifesto.
Pertencente ao grupo de economistas do PT desde 1989,
tendo atuado ativamente na campanha eleitoral de Lula
no mesmo ano, Plínio disse que o governo reagiu
mal ao manifesto. Simplesmente tentou desqualificar
o documento, sem abrir-se ao debate, observa.
Para Plínio, porém, a divulgação
do manifesto apenas expôs uma situação
que já estava sendo vivida dentro do próprio
PT. O partido está em ebulição.
Diria que um terço do partido não aceita
o rumo da política econômica em curso,
diz. Lei a seguir os principais trechos da entrevista
que o economista concedeu ao Jornal da Unicamp no
dia 25 de junho.
---------------------------------------------------
Jornal da
UnicampPor que um manifesto nesta altura dos
acontecimentos
PlínioEm
primeiro lugar apontamos a necessidade de um amplo
debate sobre a política econômica. Não
aceitamos mais a interdição do debate,
que consiste em circunscrevê-lo aos marcos do
neoliberalismo. Achamos importante que a sociedade
brasileira entenda as alternativas para a política
econômica. Em segundo lugar, criticamos a política
econômica do governo.
JUQual é a
crítica?
PlínioEsta política é
uma continuidade da política do governo FHC,
que conduz o país a um beco sem saída.
É uma armadilha recessiva da qual não
vamos conseguir sair. Essa política econômica
amarra o país na lógica do superávit
comercial e do superávit fiscal. E dentro dessa
lógica, você não tem espaço
para pensar uma política de emprego e de desenvolvimento
nacional. Por isso, apresentamos diretrizes gerais
para uma política econômica alternativa.
JUQue alternativas
são estas?
PlínioElencamos um conjunto de
medidas indispensáveis para o governo obter
controle sobre a política econômica.
Algum tipo de controle sobre o movimento de capital.
Não discutimos que tipo de controle, mas afirmamos
que sem um maior controle sobre o movimento de capital
o Brasil não tem margem de manobra para uma
política alternativa. O principal elemento
de desestabilização da economia brasileira
é a elevadíssima capacidade de movimento
dos capitais. É preciso ter algum controle
na entrada e na saída do capital e regulamentar
isso. É preciso impor condições
para que esse movimento não fique exclusivamente
ao sabor dos interesses privados. Também temos
de ter uma política de redução
do superávit fiscal. Quando a economia entra
em depressão, o governo tem de fazer gastos
públicos. Nós estamos fazendo o contrário.
A economia apresenta forte tendência recessiva
e as autoridades aumentam os juros reais e o superávit
fiscal.
JUQue tipo de conseqüências
essa política pode trazer para o país?
PlínioNo curto prazo, vamos assistir
a um mergulho recessivo, que já está
em curso e todos os indicadores sinalizam que tende
a se acentuar. No médio e no longo prazo é
difícil prever, mas a cartada no governo o
deixa na seguinte situação: em primeiro
lugar, nada garante que o esforço do governo
em recuperar a confiança da comunidade internacional
trará uma normalização dos fluxos
de capital para o Brasil. O governo pode fazer todo
o serviço imposto pela banca internacional
e não ter a contrapartida. Nesse quadro, o
país caminharia para uma situação
de impasse a exemplo da Argentina. A segunda alternativa,
é que o capital volte, dando um fôlego
adicional ao modelo neolibera, mas sem evitar as conseqüências
desse padrão de acumulação que
são prosperidade para poucos e pobreza e desemprego
para muitos.
JUUma pesquisa divulgada
pelo IBGE em abril revelou queda na produção
industrial em nove dos 12 estados pesquisados. Isso
já seria um sinal de que as coisas não
estão saindo como o esperado?
PlínioO governo Lula fez uma radicalização
da política econômica do governo FHC.
Ele intensificou o aperto fiscal e o aperto monetário.
O aprofundamento da recessão é reflexo
dessa política. O Brasil já estava praticamente
estagnado. O que estamos assistindo agora é
uma mudança de patamar, com uma depressão
ainda maior da economia. Não há dúvida
de que isso é reflexo de juros reais estratosféricos
e de uma política de superávit fiscal
muito truculenta. Mas o pior dessa política
ainda está por vir. O governo propõe
reformas que vão reforçar a blindagem
institucional que amarra o país no neoliberalismo.
JUO senhor fala das
reformas fiscal e da previdência?
PlínioReforma fiscal, da previdência,
independência do Banco Central e uma reforma
que corre em paralelo que é o acordo da Alca.
Fora as outras que estão sendo preparadas,
entre elas a mudança na lei da falência,
na CLT, etc...
JUEm relação
à reforma fiscal proposta pelo governo, quais
são os riscos que ela oferece e as chances
dela dar certo?
PlínioAntes de tudo, é
uma reforma tímida. De certa maneira, institucionaliza
todos os casuísmos fiscais da era FHC. Então,
o objetivo é de institucionalizar o arrocho
tributário. Outro objetivo é minimizar
a guerra fiscal pela padronização do
ICMS. Em tese, isso não é ruim, mas
é absolutamente insuficiente para acabar com
a guerra fiscal e os conflitos federativos. Um terceiro
objetivo é desonerar as exportações.
JUE a reforma da
previdência?
PlínioPara os estados e municípios
essa reforma significa um ajuste fiscal. Para o governo
federal, é uma privatização da
previdência pública. Trata-se de um grande
negócio, superior às privatizações
do governo FHC. Já foi dito que essa reforma
é uma espécie de Robin Hood às
avessas porque você tira do remediado, da classe
média, para dar ao banqueiro. O debate da reforma
está muito mal parado. A realidade é
que a reforma da previdência é um caso
exemplar de socialização dos prejuízos
e de privatização dos benefícios.
A população perderá muito com
isso.
JUDe que maneira?
PlínioPerde porque você
ataca o funcionário público, o material
humano do estado. E ao fazer isso, você degrada
o Estado brasileiro. Trata-se de uma reforma anticonstitucional,
antinacional e contra o emprego, porque se você
deixa uma pessoa por mais tempo trabalhando, você
está tirando uma vaga de outro trabalhador.
Numa situação de crise estrutural do
emprego é uma reforma na contramão do
que deveria ser feito.
JURespondendo a esse
tipo de crítica, o presidente Lula disse no
dia 17 de junho, em Pelotas, que não poderia
aceitar que um cortador de cana trabalhasse até
os 60 anos enquanto um professor universitário
se aposenta aos 53.
PlínioAcho que ele, em vez de
fazer o professor universitário aposentar-se
aos 60 anos, deveria possibilitar ao cortador de cana
aposentar-se aos 53. Porque para se fazer uma política
de emprego no mundo moderno você tem de socializar
as ocupações. Isso se faz diminuindo
a jornada de trabalho e o tempo da vida laboral da
pessoa. Ele fez uma matemática burra, porque
está nivelando pelo pior. Ele foi eleito para
melhorar a situação de todos e não
para piorar. Acho que se a situação
do país exigisse sacrifício da classe
média para melhorar a situação
das classes mais baixas, então seria um sacrifício
válido. O problema é que o governo está
querendo um sacrifício da classe média
para engordar ainda mais os banqueiros. Isso é
inaceitável.
JUE quanto à
proposta de independência do Banco Central?
PlínioTrata-se de uma reforma
importantíssima mas a população
não tem a menor noção do que
isso significa. O Banco Central é o quartel
general do capitalismo. Conferir independência
ao Banco Central significa sacramentar o controle
que o capital financeiro já tem sobre ele.
Na prática, isso significa que a política
de câmbio, de crédito e de juros será
feita em função dos interesses dos credores.
A independência do Banco Central na prática
significa uma renúncia à possibilidade
do estado brasileiro fazer política econômica
e conduzir o desenvolvimento nacional. Isso é
gravíssimo. A população pensa
que é apenas uma medida técnica, mas
na verdade trata-se de uma medida política
de conseqüências duradouras. Todas as decisões
do Banco Central são de natureza política,
no sentido de que beneficiam e prejudicam alguns interesses.
JUDe que maneira
isso acontece?
PlínioPor exemplo, ao desvalorizar
ou valorizar o câmbio, o Banco Central estará
prejudicando alguns e beneficiando outros. O mesmo
vale para o aumento ou redução dos juros.
Todas as medidas envolvem interesses. Não existem
medidas exclusivamente técnicas. A independência
do Banco Central significa que o povo brasileiro não
vai ter mais voz na definição do câmbio,
dos juros e do crédito.
Continua
...