Extrair
o maior benefício das plantas, aproveitando espécies nativas
da flora brasileira e tendo como base a preocupação com
a sustentabilidade. Essas são as premissas do trabalho desenvolvido
no Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento
e Identificação de Extratos Vegetais (Lasefi), da Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Pesquisadores
da unidade acabam de desenvolver tecnologia que resultou
em processo de extração de substâncias ativas a partir do
ginseng brasileiro. Pedido de depósito de patente foi requerido
junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi),
pela Agência de Inovação Inova Unicamp.
O alvo do processo foi a
raiz do ginseng brasileiro, que apresenta princípios com
efeito anticancerígeno e anabolizante, sendo aplicados também
para reforçar a construção muscular, estimular o sistema
imunológico e regular o sistema digestivo e trato gastrointestinal.
Os princípios extraídos auxiliam, ainda, em tratamentos
para a pele e cabelos. O diferencial da pesquisa está no
processo de extração, feito através de tecnologia supercrítica.
Dessa forma, a extração
do composto biologicamente ativo não gera resíduos tóxicos
no produto final e nem na matriz – no caso, a raiz do ginseng
–, além de resultar em um processo mais rápido, em relação
às técnicas usualmente utilizadas. “É o que se pode chamar
de tecnologia verde” define a professora Maria Angela de
Almeida Meireles, coordenadora científica do Lasefi e responsável
pela pesquisa, que contou também com o envolvimento da pesquisadora
Patrícia Franco Leal, gerente de Propriedade Intelectual
da Inova Unicamp, e dos alunos de graduação Marina Bascherotto
Kfouri e Fábio da Costa Alexandre e auxílio do CNPq, SAE-Unicamp
e Fapesp.
Conforme explica Maria Angela,
a técnica supercrítica consiste na utilização do dióxido
de carbono como solvente, que em condições ambiente é um
gás. Submetido à alta pressão transforma-se em um fluido,
com características de solubilidade e penetrabilidade com
condições propícias para extração dos princípios de interesse.
O dióxido de carbono é altamente seletivo, além de ser inerte,
atóxico, disponível e não-inflamável. No fim do processo,
sob as condições naturais de pressão, volta a ser um gás
obtendo-se, de um lado, o composto puro e, do outro, o gás
que pode ser reaproveitado inúmeras vezes através do reciclo.
Portanto, a etapa de separação solvente sólido de interesse
(princípios ativos) é rápida e fácil.
Os pesquisadores ressaltam
que tanto os compostos extraídos quanto a matéria-prima
ficam livres de resíduos e solventes tóxicos. “Não há agressão
ao meio ambiente ou à saúde”, afirma Maria Angela. As técnicas
de extração convencionais utilizadas apresentam resultados
menos satisfatórios: ou pelo fato de o processo ser altamente
tóxico (devido ao uso de solventes orgânicos tóxicos, como
metanol) ou por apresentar baixo rendimento – quando o solvente
utilizado é água em ebulição, que acaba exigindo, ainda,
uma operação para remoção da água, resultando em elevado
consumo de energia e aumento do custo de produção.
Além do benefício da tecnologia
limpa (clean technology) ou tecnologia verde (green technology),
com resultado de qualidade e processo rápido, a tecnologia
supercrítica permite a utilização de uma unidade industrial
multipropósito. Patrícia Leal explica que a unidade industrial
pode trabalhar com diversas matrizes vegetais produzindo
diferentes tipos de produtos, de acordo com a necessidade
ou com o princípio alvo de interesse. Levando em consideração
que algumas matérias-primas são sazonais, esta flexibilidade
da planta industrial reforça a viabilidade econômica do
investimento. Esta questão foi seu objeto da tese de doutorado,
defendida em fevereiro de 2008 e intitulada “Estudo Comparativo
entre os custos de manufatura e as propriedades funcionais
de óleos voláteis obtidos por extração supercrítica e destilação
por arraste a vapor”.
“O investimento para implantação
da unidade industrial supercrítica é mais elevado em relação
a outros processos de extração convencionais, no entanto
o estudo de estimativa de custo de manufatura realizado
com diversas matérias-primas demonstrou que o impacto do
custo da matéria-prima é predominante em relação ao custo
do investimento inicial e, portanto, ao comparar o custo
de manufatura entre diferentes processos de extração, a
tecnologia supercrítica é competitiva a longo prazo”, avalia
Patrícia. No exterior existem várias empresas que operam
com tecnologia supercrítica conforme citadas em sua tese
de doutorado. “Vários ingredientes utilizados pela nossa
indústria nacional provêm da importação de produtos obtidos
por tecnologia supercrítica, sem que a maioria tenha esta
informação, como é o caso do extrato de lúpulo utilizado
nas cervejarias nacionais” afirma Patrícia.
Outro fator destacado é
em relação ao solvente. O mundo se prepara para a Conferência
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), marcada
para dezembro, em Copenhague (Dinamarca), na qual se pretende
definir índices de redução de emissão de gases responsáveis
pelo agravamento do processo de efeito estufa. Enquanto
não há essa definição, uma alternativa para amenizar o problema
é o sequestro de carbono. A tecnologia supercrítica empregada
no extrato de compostos ativos do ginseng brasileiro e outros
quatro pedidos de patente do mesmo grupo de pesquisa utilizam,
justamente, o dióxido de carbono. “É um dos gases responsáveis
pelo efeito estufa”, reforça a professora Maria Angela,
acrescentando que a empresa que implantar esse processo
de extração poderá se beneficiar do sistema de créditos
de carbono.
Planta nativa brasileira,
o ginseng é cultivado no país. De acordo com dados publicados
pela revista Globo Rural (março de 2009), 30 toneladas da
planta são enviadas por mês ao Japão. O questionamento que
a professora Maria Angela faz é em relação à exportação
da matéria-prima bruta, sem valor agregado. “Produzindo
extratos de qualidade, o produto pode alcançar grande competitividade”,
defende. O grupo de pesquisa atua na área de engenharia
de processos e, segundo ressalta Patrícia, o grande desafio
é o de obter um produto diferenciado, com melhores qualidades
sensoriais, isentos de solvente e com características mais
próximas da característica in natura. “Os grandes desafios
normalmente surgem com um problema ou uma necessidade detectada
no mercado”, aponta Patrícia. O composto do ginseng brasileiro,
rico em beta-ecdisterona, é de interesse da indústria que
trabalha com processamento de produtos naturais e que abastece
indústrias farmacêuticas e de cosméticos. Maria Angela e
Patrícia ressaltam que as raízes utilizadas na pesquisa
foram adquiridas da Fazenda Experimental do CPQBA/Unicamp.