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Nova sede vai permitir que AEL
quadruplique número de consultas

Arquivo é referência nas áreas sindical, política e de movimentos sociais


MANUEL ALVES FILHO
LUIZ SUGIMOTO

Vista parcial da fachada do Arquivo Edgard Leuenroth: Área do novo prédio tem 1,4 mil metros quadrados(Foto: Antônio Scarpinetti)A criação do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em 1974, transformou a história do Brasil. Por meio dos documentos que integram o seu acervo, foi possível dar voz a segmentos importantes da população, como trabalhadores e movimentos sociais, que foram ignorados pelo relato oficial elaborado pelas elites dominantes. A afirmação foi feita na tarde do último dia 13 pelo coordenador-geral da Unicamp, professor Edgar Salvadori de Decca, durante a cerimônia de inauguração da nova sede do AEL. De acordo com ele, a Universidade demonstrou muita coragem ao constituir uma unidade com as características do AEL em um período de exceção. Apesar do calor de aproximadamente 35 graus centígrados, professores, alunos, funcionários e familiares de doadores de documentos lotaram o espaço reservado à cerimônia.

Além do coordenador geral, participaram da cerimônia o pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva; o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel; o pró-reitor de Extensão, Mohamed Habib; o secretário de Educação de Campinas e ex-reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge; a diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Nádia Farage; o diretor associado do IFHC, Sidney Chalhoub; o diretor do AEL, Fernando Teixeira da Silva; e o diretor adjunto do AEL, Alvaro Bianchi. Os fundadores do arquivo, professores Marco Aurélio Garcia, Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall, também presentes, foram homenageados com salas com seus nomes (veja texto nesta página).

De acordo com o diretor do AEL, a nova sede é o resultado do esforço realizado durante longos anos por professores, funcionários e alunos. “Este prédio fornecerá melhores condições para que abriguemos nosso acervo e recebamos nossos usuários”, afirmou. Silva informou que parte da documentação ainda não foi transferida para o atual prédio, mas mesmo assim o atendimento ao público está sendo mantido. A diretora do IFCH destacou que o AEL tornou-se ao longo do tempo referência obrigatória para as pesquisas na área das ciências sociais, sobretudo quando os temas são movimentos sociais, sindicalismo e política.

O secretário de Educação de Campinas falou sobre a satisfação de ter
participado do processo de construção do novo prédio do AEL no período em que foi reitor da Unicamp. Tadeu Jorge lembrou, com humor, que liberou em três ou quatro oportunidades recursos para a compra de trilhos. “Fiquei pensando se estávamos construindo um arquivo ou uma ferrovia”. A sede atual do arquivo tem 1.432 m2 (o anterior tinha 498 m2). A área permitirá quadruplicar um atendimento que já é significativo.

Em 2008, por exemplo, foram registrados 2.593 usuários entre graduandos,mestrandos e doutorandos, que consultaram 4.027 rolos de microfilmes, 2.735 manuscritos e 3.000 jornais brasileiros, sem considerar a procura porlivros, folhetos, revistas brasileiras e estrangeiras, jornais estrangeiros, áudios, vídeos e outros documentos. Fundado em 1974, a partir da aquisição do acervo documental do militante anarquista Edgard Leuenroth, o AEL tinha como proposta inicial preservar e divulgar a memória operária do Brasil Republicano. Entretanto, a crescente doação de fundos e coleções documentais levou à ampliação da temática – atualmente são 550 metros lineares de manuscritos.

 

As lembranças dos ‘pais fundadores’

A presença dos fundadores do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) – professores Marco Aurelio Garcia, Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro – para uma mesa-redonda fez lotar o auditório na manhã do último dia 13. “Temos um duplo motivo para festejar: os 35 anos de existência do AEL e a inauguração da sua nova sede, conquistas que só foram possíveis graças aos esforços conjugados de muitas cabeças e mãos. Aqueles que chamamos de pais fundadores não foram os únicos, mas certamente foram os mais importantes. Eles acreditaram, num momento difícil da sociedade brasileira, que seria possível erguer uma instituição sólida e logo reconhecida, nacional e internacionalmente, por sua contribuição à pesquisa e ao direito da sociedade à memória”, saudou Fernando Teixeira da Silva.

O diretor lembrou que o Arquivo foi gerado em um galpão do Brás, em São Paulo, onde estava escondido o arquivo pessoal de Edgard Leuenroth, militante anarquista, tipógrafo e jornalista. Adquiridos pela Unicamp, os documentos ainda permaneceram clandestinos por algum tempo, em pequenas salas do campus, antes de se tornarem públicos ainda nos anos de chumbo. “Crescemos na euforia dos movimentos sociais do final da década de 1970. Hoje temos 101 fundos e coleções”.

O professor Sidney Chalhoub, que dirigiu o AEL por quase uma década, brincou sobre a dificuldade que teve em trabalhar sob a sombra de Marco Aurélio Garcia, o primeiro diretor. “Na dúvida quanto a adquirir um acervo, devido às condições de aperto, havia sempre um funcionário para lembrar: ‘Marco Aurélio dizia que o céu é o limite’. Fizemos algumas loucuras baseados nesse critério, como a de concordar em receber uma segunda doação do Ibope e, só no momento seguinte, construir um local para abrigar a documentação”.

No sentido horário, Marco Aurélio Garcia, Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall, fundadores do AEL (Foto: Antônio Scarpinetti)Chalhoub ressaltou que o AEL, além de expandir o acervo ao longo dos anos, vem acompanhando as tendências historiográficas. “Isso tem ocorrido de forma compacta, com microfilmes e investimento em equipamentos. Conseguimos prestar um serviço necessário para uma universidade que está fora das grandes capitais, distante do Arquivo Nacional ou da Biblioteca Nacional. Agora, com o novo prédio, podemos caminhar mais firmemente para a digitalização, não apenas preservando o acervo, mas facilitando o acesso”.

Michael Hall, primeiro patrono a falar, abriu mão das memórias e optou por apresentar sugestões para o futuro do Arquivo. “Estou me inspirando um pouco nas leis de [Cyril] Parkinson. Em uma delas, ele argumenta que qualquer instituição com instalações físicas elaboradas já perdeu a sua vitalidade e, provavelmente, passou para a inércia burocrática. O exemplo que Parkinson usa é de uma capital europeia, cujo nome não me lembro, que tem um prédio grandioso de 1939: o ministério das colônias. Minhas sugestões são na direção de assegurar a audácia, originalidade e iniciativa que caracterizam o Arquivo”. 

Segundo Hall, o AEL deve primeiramente incrementar atividades relacionadas com a história oral. “Imagino ouvir do Marco Aurélio [secretário especial da Presidência] uma história oral do governo Lula, composta de entrevistas, sem deixar essa tarefa para outros historiadores. Também acho que, com um prédio melhor, é possível uma política mais agressiva de mapeamento e aquisição de novas coleções. Muita coisa foi feita, mas ainda não houve um levantamento mais organizado, por exemplo, sobre os militantes dos anos 60 e 70”.

Nesse sentido, Michael Hall pediu especial empenho em relação à América Latina, embora o AEL já possua coleções importantes. “Descobri hoje que é possível comprar a coleção microfilmada do jornal argentino La Prensa. Uma última consideração é que o Arquivo poderia divulgar melhor suas coleções, colocando mais material digitalizado no site. É importante se adaptar às mudanças no decorrer do tempo”.

No exílio
Marco Aurélio Garcia estava asilado quando foram adquiridos e constituídos os primeiros acervos, assumindo depois o AEL para formalizar a direção. “Vivíamos sob o regime ditatorial, ainda que já houvesse espaços democráticos quando cheguei. Ao mesmo tempo, era um período de enorme riqueza porque a sociedade estava extremamente ávida por conhecimento histórico. Isso é próprio dos momentos de transição: uma grande preocupação em conhecer o passado, talvez para programar melhor a intervenção no futuro”.

O professor lembra que, ao retornar para o Brasil, um dos jornais de imprensa alternativa pediu que escrevesse uma série de artigos sobre a história da esquerda brasileira. “Aceitei o desafio, insensatamente, sobretudo porque não dispunha de fontes, e fiz um trabalho jornalístico de má qualidade. No entanto, a tiragem do jornal triplicou, não por méritos da série, mas pelo interesse que o tema despertava por si. Isso fortaleceu minha ideia de que havia enorme interesse pela história das lutas populares”.

Garcia comparou o esforço para constituição e consolidação do AEL ao da militância política. “A ação inicial de Michael e Paulo Sérgio foi uma ação militante, que não faz parte das práticas acadêmicas tradicionais, assim como de todos que vieram posteriormente. O Arquivo tinha como ímã os acervos de Leuenroth e Octavio Brandão, e era preciso atrair outros que poderiam se constituir em novos focos de atração. Fazer do AEL o que é hoje, só foi possível porque muito além de orientações de caráter acadêmico ou de preocupações administrativas, tínhamos o espírito militante. Isso é que deu vida ao Arquivo”.

Contradições
Paulo Sérgio Pinheiro, último a falar, recordou que o Arquivo Edgar Leuenroth surgiu do aproveitamento das contradições da ditadura. “As observações de fora são de que, quando se está em um regime autoritário, não existe sociedade civil, academia ou intelectuais – estão todos submetidos. É claro que há presos, torturados, desaparecidos, mas há outros que sobrevivem e têm que enfrentar o regime com outras formas de militância, não só de política aberta”.

Entre a constelação de nomes que permitiram a aquisição e expansão do acervo do AEL, Pinheiro cita os professores Azis Simão (“nosso santo protetor na Fapesp”), Fausto Castilho (“visionário que defendia a vinda do arquivo a qualquer custo”) e o próprio Zeferino Vaz (“que criou esta Universidade em plena ditadura graças às suas relações com alguns comandos militares”). “Outra contradição foi Severo Gomes, ministro da Indústria e Comércio no governo Geisel, que financiou a pesquisa sobre origens e história da industrialização. Foi o impulso para boa parte do acervo iconográfico”.

Sobre o futuro, Paulo Sérgio Pinheiro observa que, tendo desde o acervo Leuenroth até o “Brasil Nunca Mais”, o AEL pode se posicionar para enunciar a luta pelo direito à verdade, em relação aos crimes cometidos pelo Estado brasileiro. “Falo apenas na República, pois poderíamos ir atrás, até a Abolição. Um dos traços do Estado republicano é de não fazer acertos de contas com o passado. Na América Latina, o Brasil é o país mais atrasado em relação a esse acerto com a verdade. Acho que o AEL pode desempenhar um papel nessa direção e, com isso, o prédio que está sendo inaugurado ganharia uma nova destinação”.

 

 

 
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