Uma
radiografia sobre a formação dos pesquisadores e os estudos
em conservação da biodiversidade no Brasil, realizada pela
analista ambiental Márcia Gonçalves Rodrigues, do Instituto
Chico Mendes (ICMBio), apontou a necessidade de o governo
federal, em parceria com seus ministérios, estabelecer um
programa definitivo capaz de favorecer as pesquisas e as
intervenções na área. A tese de doutorado, orientada pela
professora Léa Velho, do Departamento de Política Científica
e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da
Unicamp, chegou a essa conclusão a partir de dois recortes.
O primeiro analisou a formação dos pesquisadores nos cursos
de pós-graduação, enquanto o segundo lançou um olhar sobre
a institucionalização das pesquisas após a criação do ICMBio.
“O Brasil deveria ter um hoje um programa em âmbito nacional
nos mesmos moldes do Biota-Fapesp”, afirmou Márcia, referindo-se
ao Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação
e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo.
A pesquisadora analisou
25 programas de pós-graduação em ecologia reconhecidos pela
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes). Ela explicou que, a partir de uma pesquisa realizada
na base de dados do CNPq, foi possível observar que a área
de ecologia foi a que apresentou o maior número de grupos
envolvendo conservação da biodiversidade. “Organizei a pesquisa,
estruturando-a a partir de uma ciência que surgiu com o
objetivo de evitar a perda da biodiversidade, que é a biologia
da conservação”, disse.
Ela constatou que, do total
de cursos, os mais antigos são o do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa), o da Universidade de Brasília
(UnB), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e
o da Unicamp. Desses quatro, Márcia escolheu o programa
da Unicamp para realizar um estudo de caso, tanto pela facilidade
quanto pelo fato de a Universidade ter toda a base de teses
em formato digital. Ademais, o programa de pós-graduação
em Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp tem
nota seis na avaliação da Capes e foi o único recomendado
para nota máxima, que é sete.
Um levantamento feito até
o mês de junho de 2008 mostrou que 424 teses foram defendidas
no programa, sendo 275 no mestrado e 159 no doutorado. A
partir desses dados, a pesquisadora procurou saber por onde
andava esse pessoal. Foram encontrados 311 pesquisadores
e ficou constatado que 65% deles (202) são professores pesquisadores.
Para Márcia, esse dado, por si só, já imputa ao programa
da Unicamp uma grande responsabilidade. No entanto, afirma
a autora da tese, essa responsabilidade aumenta ainda mais
quando se observa que, desses 202 professores, 159 trabalham
em instituições públicas de ensino superior.
Um dado que chamou bastante
a atenção da pesquisadora foi o de que apenas 14 trabalhos
(1,5% do total) se dedicaram à pesquisa de espécies de
fauna e flora ameaçadas de extinção. “O Brasil é detentor
do maior número de espécies no mundo, mas o volume de
pesquisas ainda é muito restrito”, observou.
Institucionalização
Originário da divisão do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes herdou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), responsável
pela criação, implantação e gestão de todas as unidades
de conservação federais, e também a responsabilidade
pela pesquisa para a conservação da biodiversidade. Márcia
disse que traçar o perfil da pesquisa existente hoje no
país é fundamental para que o levantamento consiga de
maneira efetiva dar subsídios para a conservação. Por
isso, cita como exemplo a questão das espécies ameaçadas
de extinção. “Para cada espécie ameaçada de extinção
é preciso desenvolver um plano de ação específico, que
deve envolver tanto o poder público quanto a comunidade
científica e a sociedade em geral”, argumentou.
Atualmente,
o ICMBio conta com 11 centros responsáveis pela pesquisa
para a conservação espalhados pelo território nacional.
“Ainda que essa pesquisa tenha um componente científico
muito forte – que no caso das espécies ameaçadas acabam
por determinar onde vivem, qual a área necessária para sobrevivência
e qual o sistema social de relacionamento –, é fundamental
ressaltar que essas investigações precisam ter um componente
de intervenção muito significativo”. E o grande gargalo
para esse tipo de atividade está no reduzido número de analistas,
se for levado em conta a extensão territorial brasileira.
Apenas como exemplo, Márcia
disse que o maior parque do Brasil, o Parque Nacional das
Montanhas do Tumucumaque, na floresta amazônica (Estado
do Amapá), conta com apenas quatro analistas para cuidar
de uma área que abrange quase 4 milhões de hectares. Além
do Snuc, o Instituto interage também com o Sistema Nacional
de Áreas Protegidas (Snap), que inclui terras quilombolas
e indígenas, juntamente com as áreas de preservação permanente
e as reservas legais. A pesquisadora reforça que além da
variedade de biomas e espécies, o Brasil tem uma diversidade
cultural enorme, sendo preciso atender todos os interesses.
“Trata-se de um grande desafio”.
A criação da Mata Santa
Genebra, no município de Campinas, considerada um das maiores
áreas florestadas do mundo dentro de um perímetro urbano,
é outro exemplo das dificuldades encontradas pelo ICMBio
na gestão do processo. Doada ao município em julho de 1981,
no mesmo período em que foi criada a Fundação José Pedro
de Oliveira, cujo objetivo era administrar a Mata, foi tombada
em 1985 pelo governo federal como unidade de conservação
federal. Atualmente, existem 270 dessas unidades no país
todo e a maioria delas não está efetivamente implantada.
Conforme a categoria da unidade, explica Márcia, é preciso
desapropriar terras e criar conselhos gestores.
A Santa Genebra tem um conselho,
constituído pela própria Fundação, no entanto, o ICMBio
até hoje não fez a implantação dessa unidade e, portanto,
ela tem sobrevivido, do ponto de vista da gestão, por uma
iniciativa do próprio município, porque o que foi doado
foi a sombra da Mata. O maior perigo era se um dia a sombra
deixasse de existir, pois as terras voltariam para a família
doadora – por isso, o Governo Federal decretou a área como
uma unidade de conservação. Esta era uma preocupação muito
grande porque a Mata está praticamente cercada de área urbana
e corre riscos. “Além de todo o processo de degradação que
uma área florestal isolada corre, há também uma diminuição
da fauna, que tem a função, muito importante, de fazer a
mata se renovar constantemente”, alertou a analista. Mesmo
com a difícil missão de implantar essas unidades de conservação,
Márcia acredita que isso pode se tornar factível se o Brasil
construir um pacto social.
País sede da II Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Humano, conhecida como Rio 92, o Brasil já possui uma política
nacional de biodiversidade e é referência no mundo porque
é considerado detentor de megabiodiversidade, tanto pela
sua extensão territorial quanto pela diversidade de biomas
que apresenta. Por esses motivos, a pesquisadora crê que
o Brasil, frente aos países em desenvolvimento e ao cenário
mundial, tem uma responsabilidade maior. “O país precisa
assumir esse papel de liderança, e foi por esta perspectiva
que procurei enfocar meu trabalho”, disse.
Cerrado
Uma questão sempre muito discutida nessa área é com relação
ao cerrado. Márcia garante que o bioma está num processo
de degradação extremamente acelerado em função, principalmente,
da agropecuária, do milho e da soja. Coincidentemente, o
cerrado ocorre em áreas de platôs onde a mecanização é mais
facilitada. A conservação enfrenta a todo momento conflitos
com a sociedade, seja no setor agropecuário, seja no setor
fundiário. Agora, com o zoneamento do setor sucroalcooleiro,
essa conservação pode vir a ficar até mais ameaçada, uma
vez que a restrição de áreas de plantio ficou, por enquanto,
apenas com a cultura da cana-de-açúcar. A ideia inicial
não é só fazer o zoneamento da cultura de cana, mas também
de outras para estabelecer o que pode ou não ser plantado
e quais as áreas passíveis para essa finalidade, de maneira
que se consiga firmar as bases socioambientais para o desenvolvimento
sustentável do campo. “A reserva legal da Amazônia é 80%
e a reserva legal nos outros biomas é de apenas 20%. Essa
diferença em si já é difícil de administrar e, ademais,
vale lembrar que a Reserva Legal não é respeitada. O Estado
de São Paulo, por exemplo, não possui nem 2% de reserva
legal averbada”, comentou a analista.
No entanto, de acordo com
Márcia, é preciso observar que São Paulo está na vanguarda
das políticas ambiental e de biodiversidade. O Biota-Fapesp
nasceu com essa missão e tornou-se referência. “Precisaríamos
ter um Biota-Fapesp nacional, o que seria um grande estímulo
à realização de pesquisas com foco em conservação”, afirmou.
E a questão dos recursos financeiros necessários para os
investimentos nessa área reflete o status atual. O ICMBio
é uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente
(MMA), que possui um dos menores orçamentos do governo federal.
Com relação à participação
da sociedade nesse processo, a pesquisadora não hesitou
em dizer que cada um deve ter consciência de que pode ajudar.
Márcia argumenta que a sociedade precisa estar consciente
de que todos têm um papel a cumprir, seja na reciclagem
do lixo – que, além de reduzir o volume do material descartado
e aumentar a vida útil dos aterros sanitários, colabora
com as cooperativas e acaba por ofertar novos empregos –,
seja no caso dos grandes empreendedores com responsabilidade
socioambiental. As avaliações estão se aprofundando e, dessa
maneira, é possível verificar se o compromisso é realmente
efetivo. “Não existe nada mais público e coletivo no planeta
do que o meio ambiente”, declarou.
Além da ampliação da consciência
das pessoas, para Márcia a mídia tem um papel extremamente
importante, principalmente a televisão, uma vez que é visível
o aumento do número de programas que abordam a questão ambiental.
“É necessário, portanto, trabalhar tanto o lado educacional
quanto a construção de um pacto social para a conservação
da biodiversidade do país”, concluiu.