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Pesquisa abre perspectivas na busca de
biomarcadores para transtorno bipolar
Análises de sangue revelam
que proteína
é encontrada em menor nível em pacientes
O transtorno afetivo bipolar (TAB), doença do campo da psiquiatria,
acomete de 1% a 3% da população mundial, de acordo com dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS). Um estudo desenvolvido
durante doutorado da pesquisadora Alessandra Sussulini, do
Instituto de Química (IQ) da Unicamp, a partir de amostras
de sangue de 50 indivíduos (25 pacientes, 25 controles) abre
caminho na busca de possíveis biomarcadores para a doença
ao conseguir diferenciar – com base na análise de proteínas,
lipídios e metais – não somente pacientes com TAB de indivíduos-controle,
mas, também, aqueles pacientes tratados com lítio daqueles
tratados com outras drogas.
A partir da utilização de
tecnologia de ponta empregando ressonância magnética nuclear
de prótons e espectrometria de massas, disponível no IQ e
na Alemanha, onde realizou parte do doutorado sanduíche, Alessandra
revelou que a proteína apolipoproteína A-I, relacionada ao
metabolismo de lipídios, é encontrada em menor nível em pacientes
com transtorno bipolar e em proporção ainda menor naqueles
que não utilizam o lítio, droga predominante no tratamento.
O trabalho original, segundo a pesquisadora, abre novas perspectivas
para o entendimento da patofisiologia do transtorno e para
a busca de biomarcadores. De acordo com o orientador da tese
no IQ, Marco Aurélio Zezzi Arruda, alguns lipídios e outros
metabólitos já foram reportados em trabalho recentemente publicado
no periódico Analytical Chemistry, referente à parte inicial
da tese de Alessandra.
Orientada pelos professores
Marco Aurélio Zezzi Arruda (Departamento de Química Analítica
- IQ) e Cláudio Banzato (Faculdade de Ciências Médicas), na
Unicamp, desenvolvida em colaboração com os professores Walter
Stühmer (Instituto Max Planck de Medicina Experimental, Göttingen)
e Sabine Becker (Centro de Pesquisas de Jülich), na Alemanha,
e financiada pela Fapesp, Alessandra também observa, na tese,
uma distinção nos perfis ionômicos ao comparar indivíduos
do grupo controle e os pacientes com transtorno afetivo bipolar
a partir das análises das amostras de soro. Ela acrescenta
que os diferentes tratamentos (utilizando lítio ou não) também
proporcionaram alterações no perfil ionômico das amostras.
Além da apolipoproteína A-I,
a pesquisadora identificou diferenças entre os grupos de pacientes
estudados também em relação à transtiretina e à alfa-1-antitripsina,
que são proteínas de fase aguda. Ela explica que, ao comparar
o comportamento dessas proteínas com o descrito na literatura
para pacientes esquizofrênicos, observou-se que a transtiretina
tem variação diferencial em seus níveis, nos dois casos. Quanto
aos metais, a pesquisa levanta uma diferenciação em termos
de metais ligados a proteínas de soro. Segundo ela, foram
identificadas oito proteínas diferentes contendo metais ligados,
destacando-se a apolipoproteína A-I, a transtiretina e a vitronectina,
que haviam sido identificadas previamente nas análises proteômicas
por apresentarem alterações em suas expressões.
“Ainda não podemos dizer que
a apolipoproteína A-I seja um biomarcador definitivo. É necessário
ser realizado um estudo com um maior número de amostras, mas
é um potencial biomarcador a ser investigado em estudos futuros
e mais avançados”, explica.
Qualidade de vida
Alessandra traz uma novidade
para a literatura com uma pesquisa de ponta que teve origem
numa preocupação pessoal de usar a química para contribuir
com o avanço da medicina na busca de proporcionar melhor qualidade
de vida a pessoas que convivem com a realidade do transtorno
bipolar.
A convivência com pessoas
que vivenciam o problema e o contato com as técnicas de espectrometria
de massas foram a motivação para o desenvolvimento da pesquisa.
Alessandra enfatiza que a doença não mobiliza apenas o paciente,
mas todas as pessoas a sua volta. “É uma forma de aplicar
o conhecimento desenvolvido na Universidade na sociedade”,
declara.
Para
o co-orientador Cláudio Banzato, do Departamento de Psiquiatria
da FCM da Unicamp, a tese representa um estudo avançado,
com resultados consistentes entre si e abre perspectivas de
estudos para a elucidação dos mecanismos patofisiológicos
do TAB, assim como compreensão do mecanismo de atuação
das drogas utilizadas atualmente. “Mas estamos olhando bem
de longe ainda. A Alessandra obteve resultados muito interessantes
sobre o que acontece no nível molecular com esses pacientes.
A esperança é que isso ilumine um pouco os futuros estudos
e também nos faça entender melhor por qual via os remédios
funcionam. Temos de estudar grupos maiores, com controles
mais rigorosos para poder dizer até que ponto tais proteínas
são candidatas a biomarcadores. Isso significa estudar inclusive
pacientes antes de quaisquer tratamentos e discriminar melhor
os diversos regimes medicamentosos”, explica Banzato.
As diferenças encontradas
entre os pacientes no estudo, segundo o psiquiatra, são interessantes
por darem pistas sobre possíveis mecanismos associados ao
surgimento do transtorno ou ao tratamento. “Digamos que
seja um passo inicial, modesto e ainda assim importante na
direção de buscarmos futuros biomarcadores. Descobrimos
algumas alterações que valem a pena investigar melhor”,
enfatiza Banzato.
Banzato explica que o repertório
terapêutico psiquiátrico para tratar o TAB inclui o lítio
e outros estabilizadores de humor, que têm se apresentado
eficientes no tratamento, porém, com diversos efeitos colaterais.
O lítio, segundo o médico, além de utilizado para tratamento
de episódios de mania e depressão, tem atuação na prevenção
dos mesmos, sobretudo da mania.
A doença
De acordo com Banzato, a doença
é um transtorno mental grave, muitas vezes incapacitante e
se caracteriza por fases de depressão e fases de mania. Na
fase de depressão, a pessoa apresenta tristeza e desânimo,
incapacidade de sentir prazer nas atividades que antes apreciava,
às vezes inclusive ideias de morte. E nas fases de mania (termo
técnico da psiquiatria), o paciente experimenta exaltação
do humor, expansividade, euforia ou irritabilidade, energia
além do normal, podendo realizar gastos excessivos ou se expor
de forma inadvertida a inúmeros riscos.
Muitas vezes, o paciente apresenta
diversos episódios de depressão e é diagnosticado como tendo
um transtorno depressivo recorrente. Mais adiante, por apresentar
um episódio de mania, o diagnóstico é modificado para transtorno
afetivo bipolar. Isso tem consequências importantes em termos
da escolha de estratégias terapêuticas. O esperado, segundo
ele, é que depois de uma fase a pessoa tenha uma recuperação
e volte a seu nível de funcionamento normal. “Nem sempre isso
acontece, mas esse é nosso objetivo.”
FICHA
TÉCNICA
Pesquisa:
“Avaliação dos perfis metabonômicos, proteômicos e metalômicos
para o transtorno afetivo bipolar e seu tratamento com
lítio em amostras de soro sanguíneo”.
Autora: Alessandra
Sussulini
Orientadores:
Marco Aurélio Zezzi Arruda (IQ) e Cláudio Banzato (FCM)
Modalidade:
Doutorado
Unidade:
Instituto de Química (IQ)
Financiamento:
Fapesp
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