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Demógrafo mapeia áreas de risco
em Bertioga, Guarujá e São Vicente
Pesquisa aponta relação
entre fenômenos e dinâmica demográfica
O demógrafo César Augusto Marques da Silva, do Núcleo de Estudos
da População (Nepo) da Unicamp, acaba de concluir uma radiografia
das áreas de risco da Baixada Santista, mais especificamente
nos municípios de Guarujá, Bertioga e São Vicente. Os resultados
apontam para um importante risco existente na relação entre
população e ambiente, principalmente se forem levadas em conta
as mudanças climáticas ou alterações ambientais que ocorrem
nas zonas costeiras e que são potenciais causadoras de inundações
e de quedas de barreiras, sejam por desastre natural ou interferência
do homem. No entanto, empiricamente, segundo Silva, é possível
perceber que os riscos são diferentes para cada município.
Em Guarujá, por exemplo, parte considerável da população vive
em morros, enquanto em Bertioga isso não acontece porque existe
uma planície litorânea bastante ampla, fazendo com que as
pessoas fiquem mais próximas ao oceano. Consequentemente,
elas se expõem mais aos riscos de inundações e também à elevação
do nível do mar.
Silva utilizou imagens do
Google Earth em combinação com as malhas digitais por setor
censitário (a menor unidade na qual os dados estão disponíveis)
que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
disponibiliza na internet. A partir dessas duas fontes de
dados, foi possível mapear onde estavam as áreas de morro,
de inundação e de elevação do nível do mar em uma escala local.
A pesquisa, que é resultado
da dissertação de mestrado de Silva, apontou ainda que o vínculo
das pessoas com o litoral é diferente. Quanto mais perto do
mar, maior é a porcentagem de domicílios que não são próprios,
ou seja, são alugados ou cedidos pelos empregadores. Trata-se,
de acordo com o demógrafo, de um paradoxo, uma vez que a maioria
daqueles que residem em seu próprio domicílio vivem em áreas
de morros distantes do mar, com um grau maior de risco. “Nesse
caso, quando o risco se torna um perigo, quando efetivamente
acontece o problema, certamente a pessoa terá uma perda maior
do que aquela que está próxima ao mar”, disse Silva.
Mas, por que essas pessoas
continuam morando nessas áreas? Silva explica que em sua dissertação
que uma das dimensões do risco é o conceito do “recalcamento”,
proveniente da psicologia. Trata-se da ideia de negar o perigo.
Inconscientemente, a sociedade nega o risco e, assim, se torna
incapaz de planejar ações contra o perigo. Exemplo emblemático
é morar em locais de encosta. Para reverter esse quadro, explica
o pesquisador, a primeira coisa a ser feita é admitir que
o risco existe. “É preciso planejá-lo antes que se torne um
perigo”, disse.
Outro ponto importante citado
pelo autor da pesquisa é verificar exatamente qual o vínculo
das pessoas com os lugares onde moram, porque essas situações
chegam a acontecer e ninguém menciona isso. Para o demógrafo,
esse é um campo muito importante no qual a dinâmica demográfica
exerce um papel fundamental, uma vez que a mobilidade é parte
importante das relações das pessoas com o local, sejam elas
turistas de passagem ou pessoas que mantêm relações permanentes.
“Os moradores permanentes podem não estar necessariamente
brigando para enfatizar que esses riscos existem”, ressaltou
Silva.
O demógrafo recordou ainda
que, no caso recente do Rio de Janeiro, pesquisas do Nepo
já apontavam que existiam riscos que culminaram com a tragédia
que causou dezenas de mortes. Investigações do Nepo e da Agência
Metropolitana da Baixada Santista também apontam o mesmo quadro
para o litoral paulista. Estudos existem, complementa o demógrafo,
e o que precisa ser feito agora é planejar para que sejam
adotadas medidas preventivas. “Como demógrafos, temos que
mostrar como a dinâmica demográfica impacta nesse sentido”,
disse.
As áreas próximas aos morros
e aos corpos d´água – consideradas de maior risco –, são aquelas
que em termos gerais abrigam famílias com menor nível de renda
e escolaridade e têm estabelecida uma relação de posse com
o domicílio. “Precisamos adotar medidas pelo menos adaptativas
porque, nessas áreas, a possibilidade de acontecimento de
eventos extremos é maior. Não podemos mais culpar a chuva
e o morro”, acrescentou. O objetivo é perceber como a forma
de ocupação urbana nesses locais interfere no contexto.
Segundo Silva, o remanejamento
das pessoas é fundamental. Muitas delas não estão ali por
escolha própria – são, invariavelmente, pessoas de baixa renda
e que não têm melhores condições de moradia, mas que criaram
um vínculo com o lugar. “Não basta transferi-las. É necessário
levar em consideração que elas têm uma história de vida e
vínculo com o local”, argumentou.
Silva cita como exemplo o
Guarujá, onde existem setores muito pobres em áreas de morro
próximos ao mar coexistindo ao lado de setores mais ricos.
Essa característica de estar no entorno de setores mais abastados
não necessariamente fará com que haja uma prevenção mais eficaz
contra os riscos. “Quando se fala de litoral, é importante
lembrar que nem sempre as pessoas estão ali. Se o evento acontecer
em uma segunda-feira, certamente atingirá um número menor
de pessoas do que num fim de semana de verão. Portanto, é
necessário conhecer a estrutura dessa população flutuante,
uma vez que ela é diferenciada”, esclareceu.
Clima
Uma
das coisas que os climatologistas estão apontando, com relação
às zonas climáticas, é que o tempo de retorno de eventos muito
extremos vem diminuindo. Para Silva, é complicado conseguir
inferir diretamente que o fenômeno é resultante de mudanças
climáticas. “Ainda que os modelos de previsão do tempo estejam
sendo atualizados constantemente, será difícil ver as médias
pluviométricas mudando”, alertou.
Fenômenos naturais observados
mais recentemente em Angra dos Reis, Rio de Janeiro,Niterói
e Florianópolis, além do Haiti e Chile, mostram a importância
das regiões próximas ao Oceano na relação com as mudanças
climáticas. Um ponto que a dissertação de Silva enfatiza é
a necessidade de pensar a dinâmica demográfica desses locais
porque esse é um ponto importante para a configuração do risco
ambiental ali existente, e, também, para a capacidade de resposta
dos indivíduos frente às adversidades.
Para o pesquisador, ainda
que fatos como os ocorridos no Rio de Janeiro sejam totalmente
indesejáveis, é importante que se reforce o debate sobre a
situação nesse momento. Porque, se por um lado incentiva as
discussões e as pesquisas, por outro confunde as pessoas.
“Será que todas as áreas de encosta estão expostas a esses
riscos?”, indagou Silva. Ao contrário da mídia, diz o autor,
os estudos científicos não precisam vender argumentos. “Eles
precisam construí-los de forma lógica e mostrar o que está
por trás dos fatos concretamente, uma vez que dão a dimensão
das causas. É necessário conhecer e estudar os fenômenos sociais”,
disse. Para o pesquisador, parte da mídia tenta cobrir isso,
no entanto, é importante que a questão da memória seja mais
permanente, porque esse tipo de problema vai continuar acontecendo.
“É preciso aproveitar esse período em que os eventos não acontecem
com frequência para que os órgãos públicos tomem as devidas
providências. Pode ser que no próximo verão nada disso aconteça,
mas também pode ser muito pior. Temos que pensar quem são
essas populações, o que elas fazem, porque residem nesses
locais e qual a mobilidade delas”, acrescentou.
Na pesquisa de doutorado,
o olhar de Silva vai se voltar para outros municípios, mais
especificamente para Caraguatatuba (SP), que tem uma previsão
de expansão urbana muito forte devido às obras da Unidade
de Tratamento de Gás (UTGCA). “Os riscos no litoral norte
paulista tendem a se amplificar, principalmente porque a faixa
de litoral é bastante estreita. Nossa intenção é incentivar
a adoção de políticas públicas mais conscientes, que sejam
mais relacionadas à realidade e que considerem criticamente
a existência dos diversos riscos ambientais”, concluiu.
FICHA
TÉCNICA
Pesquisa:
“População e riscos às mudanças climáticas em zonas
costeiras da Baixada Santista: um estudo sócio-demográfico
sobre os municípios de Bertioga, Guarujá e São Vicente”
Autor:
César Augusto Marques da Silva
Orientador:
Roberto Luiz do Carmo
Unidade:
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Financiamento:
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (Anpocs)
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