|
Técnica antifraude é destaque em revista
Trabalhos desenvolvidos
no Laboratório ThoMSon, do IQ, são publicados na Analyst
O limite é a imaginação. Foi dessa maneira que o professor
Marcos N. Eberlin, coordenador do Laboratório ThoMSon de Espectrometria
de Massas, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, referiu-se
à técnica pioneira desenvolvida em seu laboratório, a Easy
Ambient Sonic-spray Ionization (EASI), capaz de analisar quimicamente
a superfície de quase todos os tipos de amostras utilizando
a espectrometria de massa. Prova disso é que a conceituada
revista Analyst, editada pela Royal Society of Chemistry,
publicou em seu volume 135, de uma só vez, três trabalhos
produzidos pelo ThoMSon, sendo um deles destaque de capa.
Esse número representa 30% dos artigos publicados neste volume
especialmente dedicado às técnicas ambientais, uma novidade
em espectrometria de massas. Além disso, o Journal of Lipid
Research, em sua edição de maio de 2010, trará, também como
destaque de capa, outra importante pesquisa desenvolvida pela
equipe do ThoMSon.
A espectrometria de massas
é uma técnica bastante poderosa utilizada para caracterização
de substâncias químicas porque desvenda a formulação ao nível
molecular. A partir de uma mistura complexa, ela mostra quais
são as moléculas presentes, qual a constituição e a fórmula
química e, ainda, faz a quantificação de cada uma delas. Eberlin
contou que, há 20 anos, era uma técnica difícil de ser feita
porque exigia equipamentos de laboratório complexos e caros.
Era necessário, segundo o coordenador, colocar a amostra sob
alto vácuo e o tempo de análise era muito demorado, além do
que a fonte de ionização era de difícil manipulação. “Com
o passar do tempo houve um grande desenvolvimento dessa técnica,
que culminou com a simplicidade e eficiência produzida no
ThoMSon”, explicou.
Primeiro, porque as amostras
saíram do alto vácuo e passaram a ser trabalhadas em condições
ambientais. Além disso, não existe mais a necessidade do auxílio
de calor, lasers, descargas elétricas e altas voltagens para
criar os íons, elementos antes indispensáveis para a obtenção
dos resultados desejados. A EASI usa basicamente nitrogênio
ou ar comprimido, e nada mais. E hoje as análises são realizadas
diretamente na matriz original.
Perícia
Batizada de “caça-fraude”,
a EASI é capaz de estabelecer um perfil químico dos corantes
das tintas, determinando seu grau de envelhecimento. Dessa
maneira, é possível determinar também, em casos de cruzamentos
de traços, qual foi feito antes e se foram feitos com a mesma
caneta. A doutoranda Priscila Micaroni Lalli esclareceu que
cada caneta tem uma composição específica de corantes. É possível,
sem alterar fisicamente o documento, analisar a tinta diretamente
da superfície e obter o perfil de cada caneta. Lalli afirmou
ainda que a tinta da caneta começa a envelhecer a partir do
momento que é depositada no papel. Elementos como oxigênio
e luz provocam o aparecimento de produtos de degradação, determinantes
da idade da tinta. Eberlin revelou que recentemente peritos
chilenos estiveram em seu laboratório utilizando essa técnica
para analisar assinaturas em documentos oficiais sob suspeita.
Essa pesquisa valeu o destaque de capa da Analyst.
Outra pesquisa decorrente
da EASI é referente à adaptação do efeito Venture –
o ar sob alta pressão passa em dois vasos capilares criando
um vácuo que succiona a solução – na fonte EASI para
análise direta de amostras líquidas. As mestrandas Vanessa
Gonçalves dos Santos e Thaís Regiane substituíram a bomba
injetora de amostras da fonte, criando assim a técnica VEASI.
A sucção de amostra pela pressão de gás permitiu analisar
café, cachaça, cocaína, proteínas e petróleo diretamente
da amostra líquida. Santos disse que essa técnica possibilita
fazer análise de moléculas bem grandes como as proteínas
sem usar solvente, utilizando apenas água pura acidificada.
“Eliminamos a bomba e o solvente. O objetivo é levar a
análise de massas para o campo, portanto, uma fonte mais
simples e sem necessidade de energia elétrica facilita muito”,
assegurou.
Regiane ressaltou que como se trata de uma inovação, foi
preciso mostrar versatilidade. Foram feitas análises de diferentes
polímeros, de amostras biológicas, além do acompanhamento
em tempo real de reações orgânicas e, assim, foi possível
interceptar os principais intermediários da reação. É
fundamental, disse Regiane, conseguir desvendar o mecanismo
das reações, pois dessa forma é possível modificar o meio
reacional visando melhorar o rendimento do produto”, afirmou.
A
caracterização de óleos comestíveis foi outro trabalho selecionado
para compor a edição da Analyst. A doutoranda Rosineide Costa
Simas, através de uma parceria com o professor Daniel Barreira
Arellano, do Laboratório de Óleos e Gorduras da Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA), determinou em segundos,
por meio de uma gota de óleo em um papel, um espectro de triacilglicerol.
Por esse perfil é possível dizer se é óleo de soja, de oliva,
de canola, de milho ou de algodão, extrapolando para óleos
amazônicos como o cupuaçu, copaíba e murumuru. Ou seja, existe
uma distribuição de triacilglicerol característico de cada
óleo e com uma gota é possível dizer qual oleaginosa deu origem
aquele óleo. Esse é, segundo Simas, o modo positivo da pesquisa.
Quando se parte para o modo
negativo, é possível optar por fazer controle de qualidade.
Todo óleo quando não passa por um processo de refino tem uma
acidez natural chamada de acidez livre e, portanto, é possível
monitorar o ácido graxo livre. Feita a análise de acidez,
resolveu-se pegar o óleo e tentar acompanhar por EASI. “Conseguimos
fazer uma regressão linear com 0,98 de correlação e um erro
médio das replicatas de amostra de menos de 1% entre o resultado
do método clássico e do método original. Tanto que estamos
extrapolando essas quantificações para biodiesel e outras
amostras”, exemplificou Simas.
Os estudos continuaram avançando
e percebeu-se que havia uma mudança no espectro com o aparecimento
de um íon diferente. Interpretando os resultados viu-se que
era um produto de oxidação. Como essa pesquisa tem um ano
e meio, começou a aparecer no óleo padrão um íon que não correspondia
à sua composição: era um hidroperóxido, produto de oxidação.
“A partir dessa informação, percebemos que é possível então
monitorar a vida de prateleira dos óleos”, afirmou Simas.
Óvulos e embriões
Desenvolvida pela pós-doc
Christina R. Ferreira em colaboração com a USP, Unifesp e
a empresa In Vitro Brasil Ltda., a pesquisa que será capa
do mês de maio de 2010 do Journal of Lipid Research descreve
uma técnica inovadora que permite o estudo da composição lipídica
de um único exemplar de óvulos e embriões intactos. O projeto,
que tem bolsa de pós-doutorado da Fapesp, é de responsabilidade
da doutora Christina R. Ferreira.
Técnicas anteriores exigiam
a amostragem e a manipulação química de um pool de vários
exemplares destas valiosas espécies, muitas vezes de difícil
acesso para pesquisas. O conhecimento da composição lipídica
de óvulos e embriões é de importância vital, pois interfere
diretamente nos resultados de sua criopreservação e viabilidade
de seu desenvolvimento. Foram avaliados óvulos e embriões
de humanos (inviáveis), de bovinos e outras espécies de interesse.
A aplicação desta nova técnica de espectrometria de massas
a um único exemplar intacto de óvulo ou embrião deverá ser
útil em diversos estudos de biotecnologia no país e no exterior,
principalmente em reproduções in vitro.
Outras aplicações
Eduardo
Costa de Figueiredo e Gustavo Braga Sanvido, em colaboração
com o professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, também do IQ,
desenvolveram uma técnica de extração rápida. Trata-se
de um polímero “inteligente” que possui um molde de uma
molécula alvo. A simples colocação desse polímero em matrizes
complexas como sangue ou urina é capaz de “pescar” a
molécula de interesse. O polímero é então retirado e lavado
em água para retirar o excesso de sal e proteínas. Colocado
na fonte EASI, recebe um fluxo de metanol e a partir daí
surge o sinal analítico no espectrômetro de massas. Uma
aplicação importante dessa técnica é encontrar sinais
de consumo de drogas na urina humana.
Motivada pela necessidade
do Inmetro de certificar o mogno brasileiro, Rosineide Simas
testou a técnica VEASI. Alguns comerciantes de madeira, de
acordo com a doutoranda, maqueiam madeiras com veios parecidos
ao mogno, utilizando corantes. A colaboração da colega Elaine
Cabral, aluna da USP e co-orientada de Eberlim, cujo pai e
irmão são marceneiros, foi muito importante. Ele forneceu
várias espécies de madeira (mogno, peroba e cedro, entre elas)
que possibilitaram, através de uma pequena amostra, caracterizar
íons que funcionam como marcadores naturais. Para o falso
mogno, o corante produz sinais muito diferentes. “Através
da VEASI, o mogno apresenta uma assinatura química única.
O Inmetro se apaixonou pela técnica”, disse Simas.
Pesquisadora do Instituto
Nacional de Tecnologia (RJ) e visitante no ThoMSon, a química
Simone Carvalho Chiapetta desenvolve, na companhia da mestranda
Adriana Teixeira Godoy, pesquisa para controle do tabaco.
Chiapetta explicou que foi procurada pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma vez que no Brasil,
na América Latina e no Caribe não existem laboratórios
capacitados para exercer um controle mais efetivo nesse mercado
que é fortemente influenciado pelas indústrias de tabaco.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) cobra essa implantação.
A pesquisa sobre os contaminantes e os aditivos colocados
nos cigarros para facilitar um consumo cada vez maior tem
como objetivo principal dificultar a introdução desses elementos
na composição do cigarro e, dessa maneira, fazer com que
as pessoas tenham prazer em parar de fumar. Ademais, a EASI
pode quantificar realmente os níveis de nicotina e dos constituintes
do alcatrão presentes no tabaco. Pode ainda determinar também
se um cigarro é verdadeiro ou falso.
Chiapetta disse ainda que,
quando se trabalha com grandes empresas, que declaram a composição,
é mais tranqüilo porque é possível verificar se os dados batem
ou não com os obtidos através da EASI. “Quando se trabalha
com outras empresas, cujo conteúdo é fechado, você tem que
descobrir a composição, e a gente está falando de uma infinidade
de marcas que entram pelas fronteiras brasileiras. Tem de
tudo, só no preparo de amostras a gente viu uma diferença
absurda. Os falsificados são mais nocivos. Só pela visual
de extração da amostra já é assustador”, concluiu.
|
|