Em
apenas uma hora, o Sol despeja sobre a Terra uma quantidade
de energia que seria suficiente para suprir, durante um
ano, todo o consumo global. Apesar disso, a energia solar
ainda é pouco explorada no mundo e particularmente no Brasil.
No país, a capacidade de geração de energia fotovoltaica,
que transforma luz solar em eletricidade, é de 10 mil MW,
mas somente 12 MW estão efetivamente instalados em comunidades
bisoladas. Outros 80 MW integram sistemas conectados à rede
elétrica, mas em caráter experimental. “É muito pouco”,
constata a professora Ana Flávia Nogueira, do Instituto
de Química (IQ) da Unicamp, que lidera um grupo de cientistas
que desenvolve novas tecnologias para o aproveitamento da
energia solar. O foco dos estudos são semicondutores orgânicos
e inorgânicos para aplicação em células solares, dispositivos
que convertem os raios solares em eletricidade. Graças a
esse esforço, uma spin-off [empresa que surge a partir de
um grupo de pesquisa], a Tezca Células Solares, acaba de
ser criada para atuar nessa área.
As pesquisas em questão tiveram início em 1996, por ocasião
da dissertação de mestrado da professora Ana Flávia, orientada
pelo professor Marco-Aurelio De Paoli, também do IQ. Atualmente,
os estudos são realizados no Laboratório de Nanotecnologia
e Energia Solar (LNES), que conta com 15 integrantes, entre
alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Nos últimos anos, o trabalho tem sido concentrado em duas
tecnologias: células fotoeletroquímicas de óxido de titânio
(TiO2), cujos estudos estão mais avançados, e células fotovoltaicas
orgânicas. A vantagem desses dispositivos sobre os que são
encontrados no mercado é o preço, até 80% inferior. “Elas
são constituídas por materiais semicondutores muito mais
baratos do que o silício, base das células convencionais.
O óxido de titânio, por exemplo, é um pigmento usado em
tintas de parede. Já as células orgânicas utilizam polímeros
entre seus componentes. Além disso, o método de preparação
utiliza técnicas de baixo custo e não requer toda a sofisticação
das células de silício, tornando nossa tecnologia a futura
geração de células solares”, explica a docente.
As células solares de óxido de titânio desenvolvidas no
LNES apresentam uma vantagem adicional. O eletrólito que
integra o dispositivo [há ainda dois eletrodos] é feito
a partir de um polímero, enquanto os modelos convencionais
empregam um líquido. “Isso evita eventuais vazamentos, pois
o próprio eletrólito age como um selante”, esclarece a professora
Ana Flávia. Há que se destacar, porém, que a eficiência
das novas tecnologias ainda é inferior a alcançada pelos
produtos comerciais. “Nas células à base de silício cristalino,
a eficiência varia de 11% a 16%. Já nas de óxido de titânio,
por exemplo, esse índice gira em torno de 7%. No LNES, estamos
trabalhando para reduzir essa diferença. Ainda há espaço
para avançarmos”, adianta a professora Ana Flávia.
A principal aplicação dos dispositivos que estão sendo
investigados pelos pesquisadores do IQ é em equipamentos
para o uso em ambiente indoor, ou seja, no qual há pouca
disponibilidade de luz. “Nossa idéia é produzir células
solares que possam ser acopladas e manter funcionando, por
exemplo, telefones celulares, notebooks, brinquedos etc”,
afirma. A expectativa do grupo é que os produtos fabricados
com base nessa tecnologia sejam colocados no mercado entre
2012 e 2013. Um primeiro protótipo de célula solar de óxido
titânio, um módulo medindo 10 centímetros quadrados, já
foi produzido pela equipe. Colocado sob a luz de uma prosaica
luminária, ele é capaz de movimentar um pequeno motor que
faz girar uma diminuta hélice.
A docente da Unicamp chama a atenção para a importância
desse tipo de pesquisa, lembrando que o Brasil perdeu excelentes
oportunidades no passado por não ter investido adequadamente
em estudos científicos estratégicos. “Agora é o momento
para dominarmos essa tecnologia e tornarmos essas células
solares baratas. O mercado de produtos eletrônicos portáteis
está crescendo de forma exponencial. Se perdermos essa chance,
é muito provável que nos tornemos tecnologicamente dependentes
nessa área. O resultado é que continuaremos exportando quartzo,
de onde é extraído o silício, e importando componentes semicondutores
com alto valor agregado”, adverte a professora Ana Flávia.
Instalação com 12Vcc e 110Vac
Quanto às células fotovoltaicas orgânicas, as pesquisas
ainda estão em fase inicial. Entretanto, os pesquisadores
observam que elas apresentam características semelhantes
àquelas produzidas a partir do óxido de titânio. A maior
diferença é que as segundas, por contarem com dois eletrodos
e um eletrólito, funcionam como se fossem baterias. As primeiras,
por serem fotovoltaicas, não apresentam transporte de íons
entre os eletrodos. Há apenas o transporte eletrônico entre
dois materiais com afinidade diferente por elétrons. “A
grande vantagem das células orgânicas é que elas nos permitem
trabalhar com uma ampla gama de materiais, que apresentam
propriedades diferentes. Isso nos possibilitará, por exemplo,
o desenvolvimento de módulos flexíveis, coloridos ou transparentes,
que poderão ser aplicados em inúmeras soluções. Um exemplo
de aplicação futura é na arquitetura. Por hipótese, vamos
poder criar painéis solares que substituirão as áreas envidraçadas
dos prédios e que serão responsáveis pela geração de parte
da energia consumida pelo próprio edifício”, projeta a docente
do IQ.
Roupas inteligentes
Além de formar pessoal altamente qualificado e desenvolver
novas tecnologias para o país, as pesquisas realizadas no
LNES também contribuíram para a criação de mais uma “filha”
da Universidade, a Tezca Células Solares, spin-off que tem
por objetivo transformar conhecimento em produtos. De acordo
com um dos sócios da empresa, Agnaldo de Souza Gonçalves,
que faz pós-doutorado no IQ, a unidade pretende produzir
células solares flexíveis de óxido de titânio. Uma das aplicações
possíveis para esse tipo de dispositivo, conforme a professora
Ana Flávia, coordenadora dos estudos, é em roupas de uso
militar. Acoplado à vestimenta, um módulo, que é o conjunto
de células conectadas em série, geraria eletricidade para
alimentar aparelhos de comunicação, como rádios e telefones
celulares.