O
Helicobacter pylori, assim chamado porque tem formato de
hélice, é uma espécie de bactéria que infecta o revestimento
mucoso do estômago humano. Úlceras pépticas, gastrites e
certos cânceres do estômago são causados por sua infecção,
que afeta 50% da população mundial, revelando-se mais alta
nos países em desenvolvimento. A bactéria é geralmente adquirida
na infância e persiste na vida adulta quando não tratada.
Estudos sugerem que há forte correlação entre a condição
socioeconômica da população e a prevalência da infecção.
Apesar da renda familiar estar diretamente ligada à prevalência,
outros fatores estão relacionados à aquisição da infecção,
entre os quais a qualidade da água ingerida, condições de
higiene, densidade de moradores que compartilham o mesmo
quarto e condições de saneamento básico.
Partindo dessas constatações, estudo coordenado pelo professor
José Murilo Robilotta Zeitune, do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Gastrocentro
da Unicamp – que teve também a participação da farmacêutica
Nancy F. Nashimura, das biólogas Natalícia H. Hara e Elizabeth
Maria A. R. Gonçalves e dos pesquisadores Maria de Fátima
Servidoni, José Miguel Luz Parente e Schlioma Zateka – foca
a prevalência da infecção pelo Helicobacter pylori na infância
em diferentes níveis socioeconômicos em dois Estados do
Brasil.
O trabalho foi premiado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia,
por ocasião da realização da VIII Semana Brasileira do Aparelho
Digestivo, em Brasília, em outubro último.
Foram estudadas 218 crianças, de 0 a 6 anos, de Teresina
(Piauí) e Campinas (São Paulo), distribuídas por três grupos
de acordo com a renda familiar. Os resultados apontaram
que a prevalência em crianças provenientes de famílias de
baixa renda é de 47,8%, contra 13,5% e 3,2% para as crianças
oriundas de famílias de rendas média e alta, respectivamente.
Outra constatação é que 16,7% das crianças de famílias de
baixa renda são infectadas desde os primeiros meses de vida;
20% das crianças de famílias de renda média são infectadas
a partir do primeiro ano de vida; enquanto 18,1% das crianças
de famílias de alta renda são infectadas somente a partir
do terceiro ano de vida.
Segundo o professor Zeitune, a análise dos resultados permite
concluir que a maior prevalência da infecção ocorre em crianças
com baixo nível socioeconômico e que a aquisição da infecção
ocorre precocemente nessas crianças ainda nos primeiros
meses de vida.
O pesquisador enfatiza que o diagnóstico da infecção pelo
H. pylori foi realizado através da pesquisa do antígeno
fecal da bactéria (HpSA), utilizando método imunoenzimático,
não-invasivo, e que a avaliação de sua eficácia é importante
no diagnóstico da infecção em crianças porque elimina a
necessidade da endoscopia, causadora de sofrimentos para
as crianças e de tensões para seu pais, além do custo e
do tempo envolvido.
Os dados apresentados no estudo revelam que o HpSA pode
ser considerado, segundo os pesquisadores, um bom método
para o diagnóstico da infecção pelo H. pylori na população
pediátrica, pois além de apresentar resultados semelhantes
aos obtidos pelos métodos mais freqüentemente empregados
– histologia e teste da uréase – o HpSA é um método não-invasivo
de fácil execução.
O professor Zeitune lembra que o trabalho faz parte de
pesquisa antiga desenvolvida no Gastrocentro da Unicamp,
que vem estudando essa bactéria. Mais recentemente, a unidade
tem adotado métodos mais modernos de diagnóstico, envolvendo
também a área de biologia molecular, que desvenda a estrutura
da bactéria. O método não-invasivo, utilizado desde 2000,
foi padronizado no Laboratório de Bacteriologia do Gastrocentro.
Ele o considera fundamental em vista da prevalência da bactéria
em crianças. A sua detecção pode ser então realizada através
das fezes e não mais através de fragmentos retirados do
estômago na endoscopia, o que torna o exame caro, desconfortável
e com riscos.
O pesquisador afirma ainda que cerca de 60% dos cânceres
do estômago provavelmente estão relacionados a essa bactéria
e se desenvolvem em pessoas infectadas na infância e, por
isso, é importante verificar a presença da H. pylori na
criança, utilizando métodos eficientes e práticos. Ele entende
que o diagnóstico precoce deve levar ao desenvolvimento
de terapias e de programas de prevenção, embora ainda não
se saiba como efetivamente ocorre a transmissão da bactéria,
que se considere afeta a condições sanitárias precárias.
Os estudos levaram ainda a uma constatação interessante:
os índices de prevalência da bactéria são diferentes quando
comparados aos de crianças das classes altas de Campinas
e Teresina, o que mostra que as condições de saneamento
básico locais têm influência na transmissão.