Manhã de domingo, 19 de outubro de 2008. Na quadra do Ginásio
do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, as seleções de Brasil
e Espanha disputam a final do Mundial de Futsal, competição
organizada pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).
Depois de um jogo dificílimo, que terminou empatado em 2
a 2, o time brasileiro finalmente superou o adversário nos
pênaltis (4 a 3) e conquistou o inédito hexacampeonato da
modalidade. O resultado, que reflete a popularidade e tradição
do esporte no país, não traduz, no entanto, o nível de conhecimento
dos treinadores nacionais sobre os aspectos estratégicos
e táticos envolvidos no jogo. “De modo geral, apenas uma
casta de técnicos possui conhecimento aprofundado sobre
esses elementos”, afirma o professor Wilton Carlos de Santana,
que acaba de defender tese de doutorado acerca do tema na
Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, sob orientação
da professora Heloisa Reis.
A motivação para o desenvolvimento da pesquisa, conforme
Wilton Santana, era aferir como um personagem de destaque
pensa o jogo, visto que o futsal é considerado um esporte
que exige inteligência e capacidade para tomar decisões
rápidas. Inicialmente, ele cogitou analisar essa dimensão
junto aos jogadores. Posteriormente, acabou optando pelos
treinadores. “Se o sucesso dos atletas depende do conhecimento
e da maneira como eles resolvem os problemas em quadra,
imaginei que seria importante investigar como as pessoas
responsáveis pelos treinamentos e pela concepção de jogo,
que são os técnicos, municiam esses jogadores”, explica.
O passo seguinte foi definir uma amostra para a aplicação
de um questionário que permitisse descortinar a visão dos
entrevistados. O pesquisador escolheu, assim, os treinadores
que foram campeões da Liga Nacional de Futsal, principal
competição da modalidade no país, criada em 1996. Ao todo,
foram ouvidos cinco profissionais. Para entrevistá-los,
Wilton Santana elaborou um roteiro com questões relativas
às três fases do jogo, a saber: ataque, defesa e as transições
entre uma e outra. O objetivo era descobrir quais os comportamentos
táticos que os treinadores consideram mais eficazes de se
empregar nos distintos momentos da partida. Além disso,
procurou delinear a inclinação metodológica dos técnicos,
ou seja, como eles costumam desenvolver/treinar aquelas
atitudes.
Para interpretar os dados da pesquisa qualitativa, o autor
da tese lançou mão de um instrumento denominado Discurso
do Sujeito Coletivo (DSC), desenvolvido originalmente pelo
professor Fernando Levèfre, da USP, para ser empregado em
temas ligados à área da saúde. Dito de maneira simplificada,
o DSC é uma técnica que permite ao pesquisador, a partir
do agrupamento de expressões-chave de sentido semelhante,
construir discursos-síntese como se uma coletividade estivesse
falando. “Assim, depois de identificada a idéia central
do sujeito 1 e do sujeito 4, é possível compor um discurso
único, ou seja, como se ele tivesse sido formulado por uma
e não por duas pessoas”, exemplifica Wilton Santana.
Ao
analisar os depoimentos dos entrevistados, o professor constatou
que existiam comportamentos táticos específicos desejados
para cada fase do jogo e uma unidade de pensamento em torno
da importância da autonomia dos jogadores para a tomada
de decisões. “Em outros termos, os técnicos em questão valorizavam
a inteligência como um atributo indispensável. Como o futsal
é um jogo de muita rotatividade e transição, disputado num
espaço compartilhado, no qual todos podem interagir sobre
a bola, eles destacaram a necessidade de contar com jogadores
capazes de decidir, de criar e de improvisar”, afirma o
autor da tese. Para apurar se a teoria dos treinadores estava
representada na prática, uma das perguntas do questionário
abordava aspectos vinculados à metodologia do treinamento.
Wilton Santana quis saber se os treinadores procuravam
desenvolver, durante as atividades preparatórias para as
partidas, os comportamentos por eles destacados. “Para minha
felicidade, constatei que sim. De modo geral, os técnicos
ouvidos costumam realizar treinamentos que procuram desenvolver
ou estimular a criatividade e a inteligência dos atletas,
ou seja, atividades de elevada demanda cognitiva. Um dos
objetivos centrais é preparar o jogador para que ele supere
problemas. Ou seja, se tem jogo, há sempre uma questão a
ser resolvida”, detalha. Um exemplo dessa preparação é a
repetição de situações que permitam ao time recuperar a
bola e ir ao ataque em posição de vantagem em relação à
defesa adversária ou, ao contrário, preparar a defesa para
que, mesmo em desvantagem, possa se recuperar durante a
jogada.
A expectativa de Wilton Santana é que seu estudo sirva
de orientação às pessoas que ensinam futsal no país, pois
se trata de um guia pedagógico. De acordo com ele, a grande
maioria delas não tem o mesmo conhecimento dos treinadores
entrevistados na tese. “De maneira geral, os jovens técnicos
e até mesmo alguns profissionais com alguns anos de carreira
têm lacunas quando se trata do âmbito estratégico-tático.
Penso que o meu trabalho só terá valia se chegar até essas
pessoas. Eu fui treinador no começo da minha carreira e
sempre desejei saber o que os mais experientes pensavam”,
afirma.
Para exemplificar o grau de desconhecimento de treinadores
acerca dessa dimensão, Wilton Santana cita uma pesquisa
liderada pelo professor Pablo Juan Greco, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), realizada há cerca de dez
anos, por ocasião da disputa dos Jogos da Juventude, voltados
a garotos e garotas na faixa etária dos 15 aos 17 anos.
Na ocasião, foram ouvidos 159 atletas e 17 técnicos sobre
temas relacionados à dimensão estratégico-tática do jogo.
“Naquela oportunidade, apurou-se que o nível de conhecimento
tático das pessoas responsáveis pela orientação dos jogadores,
que são os indivíduos que interessam mais diretamente ao
meu estudo, não se mostrou superior ao de seus comandados.
Infelizmente, verifico nos cursos que tenho dado em diferentes
partes do país que esse dado ainda é bastante atual”.
Em razão de o futsal ser um esporte extremamente popular
e com grande potencial educacional, considera o autor da
tese, é importante que treinadores e professores saibam
mais sobre questões estratégico-táticas, para que possam
orientar corretamente seus atletas e alunos. “Aliás, seria
importante que os jornalistas também compreendessem melhor
esses aspectos. No último Mundial da categoria, vencido
pelo Brasil, eu ouvi repórteres, narradores e comentaristas
cometendo diversos equívocos em suas informações e análises.
Assim como eles, as pessoas tendem a analisar o futsal a
partir do futebol. Ocorre, porém, que são esportes distintos”,
sustenta.
Origem
Se o futsal não deve ser comparado ao futebol, conforme
afirma Wilton Santana, ele também não deve ser confundido
com o futebol de salão. “São modalidades diferentes”, explica
o professor, autor de uma tese de doutorado que revelou
a visão de treinadores brasileiros sobre a dimensão estratégico-tática
do futsal. De acordo com o pesquisador, há ainda a crença
social de que o futsal é a continuidade do futebol de salão,
o que é um equívoco. O futsal é um esporte novo, que surgiu
no final da década de 1980, mais precisamente em 1989, quando
a Fifa alterou em seus estatutos o que era compreendido
por futebol em dimensões reduzidas para futsal. Já naquele
ano, a entidade promoveu sua
1ª Copa do Mundo, na Holanda.
O futebol de salão, por seu turno, é um esporte criado na
década de 1930, no Uruguai (para uma corrente) ou no Brasil
(para outra corrente). Desde a década de 1970, a modalidade
está sob a tutela da Federação Internacional de Futebol
de Salão (Fifusa). “Portanto, seria absolutamente correto
afirmar que o futebol de salão inspirou o futsal, mas absolutamente
errôneo afirmar que são o mesmo esporte. Para ficar bem
claro, nas escolas brasileiras joga-se futsal. A mídia cobre
eventos de futsal. Nas universidades, ensina-se futsal.
A Seleção Brasileira, que há pouco encantou a todos com
um título mundial, é de futsal”, esclarece. A fim de socializar
conteúdos específicos sobre o esporte, o professor Wilton
Santana mantém na web, há cinco anos, o sítio (www.pedagogiadofutsal.com.br),
segundo ele um dos dez mais visitados do gênero em língua
portuguesa.