O
poder adoçante de açúcares, expresso pelo índice de doçura,
é obtido através de determinações sensoriais realizadas
por pessoas devidamente treinadas para tanto. Mas hoje isso
já pode ser realizado em laboratório utilizando a técnica
de espalhamento de raios-X associada à quimiometria. O método,
com patente já depositada pela Inova, desenvolvido pelo
Grupo de Espectroscopia de Raios-X (GERX), do Departamento
de Química Analítica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp
– sob a coordenação da professora Maria Izabel Maretti Silveira
Bueno e participação das químicas Thais Levatti Alexandre
e Karen Goraieb –, deu origem ao trabalho que apresenta
o “Processo para classificação e determinação do índice
de doçura em açúcares ou sacarídeos”.
Os trabalhos orientados pela professora Maria Izabel, utilizando
espectrometria de espalhamento de raios-X associada à quimiometria,
levaram, já em 2005, à requisição de cinco outras patentes
envolvendo o método propriamente dito; a quantificação de
alumínio em sílica; a quantificação de parâmetros da indústria
petroquímica; a classificação de óleos vegetais, animais
minerais e sintéticos; o controle de qualidade de medicamentos
genéricos e similares; e o controle de amostras com composição
orgânica. Essas pesquisas geraram duas dissertações de mestrado
e três teses de doutorado e atualmente vários alunos estão
envolvidos nelas.
Embora a técnica seja ainda recente, ela aponta para uma
gama enorme de aplicações práticas: na indústria, para o
controle de qualidade das matérias-primas, dos processos
utilizados e dos produtos finais; nos órgãos de controle
e regulação, para a verificação do produto que chega ao
mercado. E tudo pode ser feito com cem segundos de irradiação,
mantendo a integridade da amostra e a um custo muito baixo.
A pesquisadora reconhece que, a exemplo de um remédio que
leva tempo para chegar ao mercado, o método exigirá um certo
tempo para que seja assimilado e possa se disseminar, mas
aposta nessa possibilidade.
Parâmetros
Maria Izabel explica que a técnica de fluorescência de raios-X
é utilizada tradicionalmente com o objetivo de se determinar
a presença de substâncias inorgânicas em amostras, sendo,
por isso, muito difundida em metalúrgicas, cimenteiras e
refinarias de petróleo – neste caso, para determinação do
teor de enxofre em petróleo.
O processo, entretanto, não era adequado para a quantificação
de substâncias orgânicas, que provocam o espalhamento da
radiação. Mas, com o advento da quimiometria, que permite
detectar leves alterações no espectro, pôde-se começar a
diferenciar amostras usando a região de espalhamento no
espectro, passando-se a classificar amostras orgânicas,
quantificar seus constituintes e medir propriedades, caso
da determinação do índice de doçura.
Para determinar parâmetros desconhecidos de novas amostras,
o método exige a elaboração de modelos, com amostras conhecidas,
que são construídos com base em resultados obtidos por processos
tradicionalmente validados. O processo, enfatiza a pesquisadora,
pode facilitar sobremaneira o trabalho analítico de rotina.
Ela esclarece: “No caso da patente em questão, sabia-se,
ao criar o modelo, que a amostra irradiada era sacarose,
frutose, glicose ou manitol. Desses açúcares, já se conheciam
os índices de doçura determinados por análise sensorial.
O que fizemos foi irradiar essas amostras e confrontar os
espectros com os valores esperados para os índices de doçura,
e observamos uma correlação linear. A modelagem estava então
pronta para novos açúcares, dos quais não se conhece o índice
de doçura”.
Maria Izabel diz que a metodologia é validada na medida
em que é capaz de reproduzir os mesmos resultados obtidos
ou por análise sensorial ou por outros processos analíticos
validados. A vantagem é que no dia-a-dia, em análises de
rotina, podem-se substituir esses processos de uso consagrados,
mas mais lentos, trabalhosos e caros.
A gama de utilização do processo é muito ampla. Irradiando-se
pêlos de ratos, é possível detectar a leishmaniose, e a
irradiação de pêlos de cães pode ser utilizada para verificar
a presença da hepatite B. Os pesquisadores do laboratório
o tem utilizado para a verificação da veracidade de valores
energéticos, carboidratos, proteínas e gorduras constantes
dos rótulos de alimentos industrializados, como farináceos,
chocolates e ovos.
O método, afirma a pesquisadora, foi desenvolvido para
aplicação em análises de rotina, o que considera de grande
valia nos processos industriais: “Em cem segundos de irradiação
da amostra, pode-se confrontar o espectro obtido com um
modelo já criado para avaliação. Para a criação do modelo,
existem métodos oficiais que os órgãos governamentais preconizam,
que são laboriosos, custosos, demorados, além de gerarem
resíduos e serem suscetíveis a erros”.