|
Nova cena em velho cenário
Tese analisa críticas teatrais
publicadas em jornais
do Rio de Janeiro no final do século 19 e início do 20
Damas
desfilam seus novos vestidos num jardim, enquanto a peça
é encenada no interior da sala de espetáculos. Mais que
um espaço de vivência artística e cultural, na passagem
do século 19 para o 20, o teatro era para parte do público
uma oportunidade de encontro com a elite carioca. E onde estavam
os críticos? Faziam parte da elite intelectual e não aprovavam
essa transformação do teatro em espaço de entretenimento
e distração. O ambiente transformado do teatro decepcionou
alguns intelectuais brasileiros que o tinham como um lugar
onde a arte, no seu sentido erudito, tinha prioridade, de
acordo com a pesquisadora Vanessa Cristina Monteiro. O trabalho
teve como objetivo analisar a crítica teatral do período
de 1890 a 1900 presente em vários jornais do Rio de Janeiro,
como Gazeta do Comércio, Jornal do Comércio e O País. Um
estudo realizado para sua tese, orientada pela professora
Orna Messer, revela a postura dos críticos de teatro da época
diante da transição do drama tradicional – romântico
e realista – para um drama mais “inovador” na última
década do século 19. A pesquisadora investigou textos publicados
na imprensa fluminense no período, disponíveis no Arquivo
Edgar Leuenroth (AEL) da Unicamp.
As manifestações culturais
não poderiam ficar de fora do contexto histórico brasileiro
no período em que o Brasil migrava do Império para a República.
Neste momento, o teatro, que já havia se configurado num ponto
de encontro da elite ilustrada e meio de transmissão de conhecimento
à sociedade também se abalava sinalizando entrar na era da
modernidade. Um risco necessário diante de tantas mudanças,
mas que não agradou a todos, inclusive a críticos como Oscar
Guanabarino de Sousa e Silva (1831-1937) e Arthur Azevedo
(1805-1908). Tanto que, segundo Vanessa, os naturalistas não
tiveram força para sobreviver. “Neste movimento, os artistas
buscavam interpretar da forma mais natural possível, dando
as costas ao público que os assistia, a fim de dar o efeito
de realidade tal como a vida é”, explica Vanessa. Nesta época,
as casas de espetáculo se transformaram em cafés cantantes
e seduziam o público.
Assim como o teatro, as críticas
analisadas por Vanessa mostram uma tendência de seus autores
em se adaptar ao perfil da imprensa da época, pois os textos
eram meras respostas do que havia sido exibido. Além do contexto
histórico, o teatro e o movimento artístico brasileiro também
foram influenciados pela nova literatura dramática que se
apresentava. E foi assim que o exotismo de Henrik Ibsen (1828-1906),
Ivan Turguêniev (1818-1883), Hermann Sudermann (1857-1928),
entre outros desconhecidos, chegara ao Brasil, provocando
discussões entre os críticos jornalísticos. Os textos chamados
pelos críticos de novos e diferenciados eram encenados por
companhias estrangeiras que aportavam no Brasil anualmente.
Chamadas de troupes (trupes), suas peças funcionaram como
porta-vozes das novidades dramáticas de grande sucesso no
meio. De acordo com os jornais analisados, Guanabarino e Arthur
Azevedo se mostravam ainda não-adaptados a uma literatura
dramática que se distanciava da romântica e realista. Segundo
a pesquisadora, Luís de Castro, Valentim Magalhães (1859-1903)
e Adolfo Caminha (1867-1897) estavam entre os intelectuais
que recepcionaram de forma positiva a nova literatura dramática.
Os
críticos transformaram suas colunas nos jornais em espaço
de discussões polêmicas sobre o que chamaram de “decadência”
do teatro nacional. “Os intelectuais desejavam um teatro
literário e de qualidade, cujos textos deveriam ser, por
excelência, de autoria brasileira”, segundo a autora. A
polêmica sobre o declínio do teatro nacional, iniciada no
final do século 19, se estendeu para o século 20 e envolveu
a classificação do teatro em gêneros superiores (drama
e alta comédia) e inferiores (operetas, mágicas, revistas
de ano – o chamado teatro “ligeiro”), cujas respostas
nem sempre foram conclusivas. Considerando o teatro um lugar
onde as relações sociais aconteciam e se estreitavam, a
crítica teatral divulgada na imprensa, com efeito, procurou
acompanhar, além da movimentação referente ao meio artístico
(companhias teatrais, artistas, bastidores), os comportamentos
e os hábitos desse público que frequentava as casas de espetáculos.
Muitas vezes, essa plateia, mais que exibir vestuários e
contemplar os espetáculos, comparecia ao teatro atraído
pelo protagonismo de um ator ou uma atriz de renome.
Mas alguns críticos mantinham
a postura de divulgar essas novas produções. A revista A Semana
(1893-1895), criada por Magalhães na década de 1980, foi uma
das responsáveis pela divulgação dessa literatura “nova” e
“exótica” de autores como August Strindberg e Maurice Maeterlinck.
Magalhães manifestava por meio das críticas sua admiração
pelo naturalismo na interpretação cênica de André Antoine
(1858-1943), e escreveu textos críticos sobre obras dramáticas
ainda não encenadas nos palcos brasileiros, como os ensaios
sobre La Princesse Maleine, de Maurice Maeterlinck, publicados
na Gazeta de Notícias em 1891.
Segundo Vanessa, grande parte
da crítica teatral publicada nos periódicos fluminenses de
maior circulação do período, como O País, Gazeta de Notícias,
Jornal do Comércio, seguia um modelo básico de estrutura,
em que os intelectuais faziam suas as considerações sobre
o texto ou o autor, depois revelavam suas apreciações sobre
a encenação (o desempenho dos artistas no palco, o cenário,
o vestuário) e, em seguida, escreviam sobre a reação do plateia.
Segundo Vanessa, vale ressaltar que as transformações ocorridas
no gênero da crítica teatral, que, acompanhando a entrada
do mundo jornalístico na era industrial e moderna, adquirem
aspectos e características de outros gêneros de maior preferência
pela imprensa.
Apesar
de caírem nas graças dos textos dos autores do norte europeu,
vários críticos não demonstraram simpatia às produções brasileiras
dos chamados reformadores. De acordo com Vanessa, por considerarem
o teatro um lugar onde as relações sociais aconteciam e se
estreitavam, a crítica teatral divulgada na imprensa, com
efeito, procurou acompanhar, além da movimentação referente
ao meio artístico (companhias teatrais, artistas, bastidores),
os comportamentos e os hábitos dos frequentadores das casas
de espetáculos. “Muitas vezes, esse público, mais do que exibir
vestuários e contemplar os espetáculos, comparecia ao teatro
atraído pelo “estrelismo” de um ator ou uma atriz de renome”,
reforça.
Segundo a pesquisadora, apesar
de alguns críticos demonstrarem estranhamento à nova forma
de fazer teatro, é possível encontrar no material analisado
críticas anônimas insinuando certo cansaço em relação aos
dramas românticos e realistas. As polêmicas encontradas em
alguns periódicos do norte da Europa também denunciavam insatisfação
com as montagens feitas a partir de textos de Ibsen e outros
dramaturgos nórdicos. Como exemplo, Vanessa menciona o texto
O caso do boneco, do autor português Eduardo Fernandes, escrito
como paródia ao drama Casa de Boneca, de Ibsen. A paródia,
segundo a pesquisadora, foi encenada no Brasil e com muito
sucesso em Portugal, atraindo muitos curiosos e admiradores
do teatro cômico.
Vanessa ressalta que independentemente
da postura – conservadora ou não – o material encontrado no
acervo do AEL mostra que os críticos e os jornalistas (anônimos
ou não) das seções dedicadas ao teatro dos principais periódicos
do Rio de Janeiro escreveram e opinaram sobre as encenações
realizadas diariamente nas casas de espetáculos, atendendo
sempre aos seus leitores. “Esses intelectuais mostraram estar
em consonância com a época e conseguiram transmitir, de alguma
forma, informações, conhecimento e experiência aos seus leitores”,
acrescenta.
Crise
O
reflexo do teatro em aspectos culturais, sociais e políticos
do Brasil estão claros em protestos de vários críticos contra
o teatro musicado, em reclamações sobre a ausência de público
nas encenações de peças consideradas literárias e de gênero
“superior” por companhias dramáticas de primeira ordem e nos
questionamentos sobre as más condições físicas dos teatros
e sobre a escassez de autores e produções brasileiras de qualidade.
Os críticos também, neste
momento, viviam suas crises profissionais com a decadência
dos folhetins e a ampliação de páginas dedicadas a outros
gêneros, entre os quais os noticiários. “Eles tentavam se
manter no meio, pois nesta época, jornalistas sem especialização
passaram a escrever sobre os espetáculos”, afirma Vanessa.
A crítica teatral, então, já não era considerada relevante
pela maioria dos periódicos diários, visto que jornalistas
sem qualquer familiaridade com a área escreviam matérias referentes
aos espetáculos teatrais.
Segundo Vanessa, alguns jornalistas
e escritores se sentiram à vontade para falar um pouco de
sua própria profissão de crítico teatral e suas condições
no meio jornalístico. A ideia de “profissionalização”, para
os críticos teatrais que levavam essa profissão a sério, era
um passo importante a fim de que o ofício de resenhar as montagens
das récitas fosse reconhecido e mais valorizado no meio jornalístico.
Oscar Guanabarino e Alvarenga Fonseca questionaram a função
da crítica teatral, bem como a do próprio crítico.
Publicação:
Tese: “Retemperando o drama: convenção e inovação
segundo a crítica teatral dos anos de 1890”
Autora: Vanessa Cristina Monteiro
Orientadora: Orna Messer
Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL)
|
|
|