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Bambu, da construção ao carvão vegetal
Feagri repassa para Moçambique
tecnologias que utilizam planta como matéria-prima
Quando desembarcar em Moçambique,
ainda neste mês, o professor Antonio Ludovico Beraldo, diretor
associado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), levará
na bagagem tecnologias para fabricação de equipamentos e metodologia
de construção não-convencional, além da técnica para a produção
de carvão vegetal a partir do bambu. Essa transferência de
conhecimento faz parte de um acordo de cooperação técnica
de desenvolvimento urbano existente entre o Brasil e o país
africano e tem como parceiro principal a Caixa Econômica Federal
(CEF).
Beraldo explicou que, durante
a passagem de uma comitiva africana pela Unicamp, ficou evidente
o interesse deles sobre o trabalho desenvolvido pela Feagri
com o bambu em construções, uma vez que lá existem espécies
nativas em grande escala. Principalmente, dois equipamentos
chamaram a atenção: o de fabricar tijolo prensado de solo-cimento
e o que produz telhas onduladas de microconcreto – em ambos
os casos, é usado bambu ralado na composição. O uso desses
tijolos e telhas, de acordo com o docente, barateia a construção
de casas, substituindo tijolos e aço, podendo inclusive ser
utilizados na fundação e nas estruturas das residências. “De
fácil cultivo, o bambu chega a crescer mais de um metro em
apenas 24 horas e, em muitos casos, no prazo de quatro anos
já pode ser utilizado”, afirmou Beraldo.
Além disso, mais do que simplesmente
levar duas máquinas para Moçambique, Beraldo e outro docente,
Antonio José da Silva Maciel, especialista na área de projetos
de máquinas, resolveram ensinar aos africanos a concepção
de máquina desde o software AutoCAD até a produção em escala
semi-industrial, com a ideia de gabarito.
O
diretor associado da Feagri esteve visitando Moçambique,
pela primeira vez, em setembro de 2009. Lá, constatou a existência
de um bambu nativo de pequeno diâmetro, porém, praticamente
maciço. Percebeu ainda que o povo daquele país, em regiões
mais afastadas da capital, Maputo, tem tradição em cozinhar
alimentos somente com carvão. “Eles não usam lenha, tampouco
gás”, disse. Beraldo esteve em Namialo, no norte do país,
perto da fronteira com a Tanzânia. Segundo o docente, a região
remete ao Brasil colonial, com casas de pau-a-pique, geralmente
construídas com bambu, inclusive telhados e colunas. De maneira
geral, utilizam carvão vegetal extraído de pequenas árvores,
com dois a três centímetros de diâmetro. A partir dessa
constatação, imaginou que a devastação na área florestal
do país vem se acentuando ano a ano. “Então pensei: por
que não usar o bambu nativo, que é quase maciço, para fazer
carvão?”, indagou. Esse fato inclusive chamou a atenção
dos moçambicanos, uma vez que eles nem imaginavam que isso
seria possível.
A idéia é desenvolver pequenas
unidades artesanais para cozimento do bambu e, ao mesmo tempo,
incentivar a plantação de outras espécies. Isso ajudaria
muito porque, segundo Beraldo, as pessoas têm costume de
passar o dia todo atrás de carvão. Foi desenvolvido então,
nas dependências da Feagri, um pequeno forno piloto para
testes preliminares. A aposta consiste num forno de recipiente
metálico, uma vez que se houvessem tijolos para construir
fornos, eles certamente seriam usados na construção de casas.
“Os primeiros testes utilizando um tambor metálico consumiram
aproximadamente três horas para a produção de carvão.
Esse tempo é muito curto se comparado aos métodos tradicionais
de fabricação. O resultado foi bastante razoável”, explicou.
Outros testes estão sendo
realizados com o intuito de encontrar o tempo ideal de produção
do carvão. Um dos segredos está na abertura, uma vez que,
se ela for muito grande, produzirá calor em excesso e o carvão
ficará irregular. “Estamos aprendendo como se faz essa
alimentação, pois o tempo de cozimento é diferente para
cada tipo de bambu”, contou Beraldo.
Similar ao carvão de eucalipto
em termos de poder calorífico, a grande vantagem do bambu
está na sua perenidade, ou seja, pode ser cortado todo ano
sem nunca mais precisar ser replantado, diferentemente da
madeira de reflorestamento.
Extrato
O carvão é apenas um dos produtos
extraídos do tratamento térmico dado a um vegetal. O produto
mais valioso é o extrato pirolenhoso, caracterizado pela decomposição
térmica de materiais que contêm carbono, na ausência de oxigênio.
Durante a queima, o vegetal se decompõe em três fases distintas.
A primeira delas é a sólida, ou seja, o carvão vegetal. A
segunda fase é a gasosa e a terceira, a líquida, chamada de
extrato pirolenhoso. Após meses de decantação, surge um produto
com alto valor para a adubação de culturas e, também, para
o combate de insetos.
Beraldo explicou que nesse
momento não está nos planos recuperar o extrato pirolenhoso
da produção moçambicana, no entanto, se alguém quiser agregar
tecnologia precisa pensar em “ensacar a fumaça”, como ele
mesmo disse. Essa não é uma técnica nova, muito pelo contrário,
já era utilizada há séculos na China, para defumar produtos
em cima do fogão a lenha. Outra aplicação dessa fumaça é que
ela envenena a madeira, protegendo contra o ataque de cupins
e prolongando por muitos anos sua vida útil. “Na construção
civil, isso significa muito”, observou.
Há
muita coisa a ser feita em Moçambique, disse o docente. O
setor agropecuário ainda é incipiente e seu crescimento demanda
investimentos. “Acredito que o solo seja bom em termos agrícolas.
É preciso buscar parcerias para crescer”, disse. O mais importante,
de acordo com Beraldo, é que a Unicamp esteja levando para
o país africano um conceito de projeto e concepção de equipamentos.
Rodolfo Gomes da Silva, aluno
de mestrado e orientando de Beraldo, acompanhará o docente
na próxima viagem a Moçambique. Ele afirmou que o objetivo
é trocar experiências a respeito do bambu com as comunidades
locais que já possuem um conhecimento prévio sobre o assunto.
“Nós aqui temos algumas técnicas a respeito do uso do
bambu, tanto para produção de mudas quanto para o uso em
construção”, disse.
O importante é notar que
são técnicas baratas e que a situação atual da África,
como um todo, é de grande escassez de recursos financeiros,
portanto, técnicas baratas como o extrato pirolenhoso podem
ser usadas tanto no tratamento da madeira para aumentar a
durabilidade das construções como na movelaria. Além disso,
ele lembrou outros usos, como no caso da agricultura, utilizado
como defensivo agrícola.
Tradicionalmente aplicado
em larga escala no Japão, o uso do extrato no Brasil está
em expansão. O aluno de mestrado reforçou a importância de
se obter um produto bastante valioso por meio de técnicas
de baixo custo, que trazem bons resultados para várias atividades
no campo.
Sobre a inserção da Unicamp
em projetos de natureza social, Silva concorda que esse é
um dos principais papeis da universidade. Para ele, é fundamental
estender o conhecimento e as técnicas produzidas aqui com
financiamento público, para quem mais precisa dessa tecnologia.
“Boa parte da população mundial vive abaixo da linha da pobreza
e necessita do apoio daqueles que detêm o conhecimento e que
estão sempre pesquisando, para ajudá-los”, concluiu.
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