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Uma lacuna entre a teoria e a prática
Pesquisa com estudantes
revela problemas do ensino médio e fundamental II
Pesquisa
realizada por um grupo de alunos de licenciatura da Unicamp,
sobre a aula considerada ideal por estudantes do ensino médio
e fundamental II, demonstrou o que a literatura vem apontando
há alguns anos. Dos 165 entrevistados, de Campinas e Piracicaba,
61,37% afirmaram que é aquela que tem trabalho em grupo,
enquanto que 27% consideraram que poder conversar durante
a aula é muito importante. De acordo com a professora Luciene
Tognetta, da Faculdade de Educação (FE), os dados do levantamento
não causaram surpresa e serviram para corroborar a convicção
de que a educação brasileira encontra-se numa encruzilhada.
Inconformados com esse quadro,
os estudantes Lucas Rosa Pereira e Tiago Pignataro Oshiro
(Instituto de Filosofia e Ciências Humanas); Soramy Saito
Bonalume (Faculdade de Educação Física); Milena Regina Macedo
de Sousa (Instituto de Estudos da Linguagem); Denise Marques
da Silva Alves (Faculdade de Educação); e Frank Dawe (mestre
em Filosofia), escreveram o manifesto “Educadores, à Ação!”,
no âmbito da disciplina Psicologia e Educação, sob a responsabilidade
de Tognetta
Segundo a docente, a ideia
de ir para a escola, investigar a realidade e observar como
acontecem as relações entre professores e alunos, e destes
com o conhecimento, é decorrente de uma das propostas da disciplina.
À luz da psicologia, disse a professora, é preciso entender
a escola e seus processos pedagógicos. Porém, na opinião da
professora, os méritos são todos de seus alunos, que tabularam
os dados e analisaram as respostas dos estudantes. “Como futuros
professores, isso é extremamente importante, pois as crianças
e adolescentes nos apontam caminhos para entender porque não
se interessam ou como podem ver sentido na tarefa de estudar”.
Para Dawe, idealizador do
manifesto, o que mais chamou a atenção do grupo foi a vontade
de estudar demonstrada pelos alunos. “Apesar de faltar rumo
às crianças, elas querem aprender. Podemos dizer que os
professores também querem ensinar. O problema é que existe
uma lacuna entre a teoria e a prática”, afirmou. Dawe não
tem uma receita para preencher essa lacuna, daí a ideia do
manifesto, que surgiu no decorrer do processo. Ele ressalta
que, além do trabalho de pesquisa, era preciso fazer um gesto
político. “A academia estuda e desenvolve ótimas pesquisas,
mas essa produção está divorciada da realidade”, reiterou.
Na opinião de Oshiro, a perspectiva
de mudar esse quadro acreditando que a via política vá resultar
em melhorias é “praticamente nula”. Segundo o aluno,
a incapacidade do sistema político de resolver os problemas
da educação precisa ser revertida. Para que os benefícios
cheguem à população, muita coisa deve ser feita. “Os
responsáveis pela educação precisam aproximar-se de uma
realidade da qual estão afastados, objetivando resolver esse
impasse. A estrutura tem problemas, a didática tem problemas,
a leis que regem a educação precisam ser questionadas e
essas pessoas têm poder para isso”, diz Oshiro. “É preciso
que haja iniciativas”, endossa Pereira.
Formação
Tognetta observou que, embora
os dados revelem uma realidade já descrita por muitos outros
autores, um aspecto interessante é que eles também fornecem
uma pista para preencher essa lacuna. “Seria necessário mudar
a base da formação acadêmica”. Ela cita como exemplo o fato
de que futuros professores especialistas são formados com
poucas horas de aulas de estágio e mesmo de disciplinas que
os ajudem a compreender como crianças e adolescentes aprendem.
“Há tempos, a Faculdade de Educação tenta mudar essa situação
e ampliar o número de aulas das disciplinas da licenciatura.
Nós sabemos da importância dessas aulas para a formação docente”,
revela.
“Os
professores, ainda que dominem a matemática, história, filosofia,
educação física, a leitura e a escrita, não sabem como fazer
com que o aluno aprenda isso durante a aula e, na maioria
das vezes, pouco entendem do desenvolvimento humano e das
formas adequadas de se proceder para que o aluno tenha autonomia”,
opina a docente. Souza, Alves e Bonalume lembram que apenas
23,49% dos alunos dizem que seus professores contribuem para
resolver um conflito em sala de aula. “Se esses meninos e
meninas não encontram na escola uma relação de confiança com
seus professores a ponto de sentirem que seus problemas podem
ser resolvidos com quem é de direito, por que vão gostar da
escola?” pondera Tognetta.
Para a docente da FE, o trabalho
de pesquisa realizado pela equipe de alunos é fundamental
porque, como futuros professores, ajuda a repensar a própria
educação – como ela deve ser, ter um diagnóstico de como as
crianças pensam, do que elas gostam, o que vão fazer na escola
e, também, porque acham bom estudar. A respeito disso, Tognetta
afirmou que quando indagados na pesquisa porque consideram
importante estudar, 91,7% dos estudantes responderam que este
é um caminho para “ser alguém útil”.
O sistema
Oshiro lembrou que “existem
muitos locais no Brasil que ainda trabalham com professores
formados em cursos que já não existem mais, ou sequer têm
o curso superior”. Os professores que ultimamente têm se formado
nas universidades, pondera, não voltam para o ensino médio
nem fundamental, tampouco para o básico, existindo portanto
uma concentração de procura de serviços no âmbito das escolas
técnicas federais e das universidades, onde o emprego é mais
estável e os salários melhores. “Quando falo em dar aulas
no ensino médio, principalmente em escolas públicas, as pessoas
me chamam de maluco, de romântico”, diz. Na opinião de Oshiro,
é preciso que essas pessoas que se formam na academia – “que
produz tantos trabalhos interessantes e que têm tanto a oferecer”
– percebam que está na hora de reverter esse quadro. “Eles
precisam se voltar para a sociedade”.
Dawe reforça que uma das questões
que ficou bastante clara é que não faltam pesquisas sobre
educação. “A nossa é apenas uma pequena pesquisa”, disse.
Para ele, a questão central agora é partir para a prática.
Uma das coisas mais importantes a fazer é utilizar a pesquisa
como objeto de construção daquilo que será feito de intervenção.
“Elas nos mostram os caminhos que teremos que seguir para
intervir na realidade. No entanto, isso vai depender da disposição
daqueles que fazem a gestão da educação no Brasil, porque
estamos precisando de uma drástica e rápida mudança, uma vez
que estamos perdendo gerações e gerações de brasileiros”,
concluiu.
Educadores, à ação!*
“A educação no Brasil
não funciona porque, enquanto ‘soluções’ abundam aos borbotões,
não se enfoca seu principal problema. Nossa escola não
vê que seu próprio objetivo, assim como seus meios – os
de ‘passar’ informação sem considerar que cada indivíduo
é um indivíduo, com suas peculiaridades, com sua história,
suas condições de vida – são absoluta e irremediavelmente
equivocados. É necessário compreender que o jovem tem
querer próprio, que este jovem quer algo diverso do querer
do adulto, e compreender que repetir fórmulas ‘como um
papagaio’, sem digerir os conhecimentos, jamais o levará
a construir conhecimentos, e nem mesmo sequer a elaborar
a ‘conservação da informação’ tal como esse modelo pretende.
E ainda, abordando uma outra perspectiva, estudar apenas
porque se ganha um prêmio, ou porque se é castigado em
caso contrário, remete ao modelo behaviorista ao qual
nos referimos anteriormente, e se baseia numa concepção
de educação como ‘treino’ e ‘adestramento’, ignorando
o homem como ser cultural, ético, e que constrói sua própria
história.
Resta, portanto, diante
da desesperadora situação da educação brasileira, conclamar
a universidade para que, em lugar de se isolar em seu
Olimpo e voltar-se apenas para seus meandros, sua maratona
de publicações, sua política interna, seus jogos internos
de poder, abra-se verdadeiramente para a dolorosa realidade
social de nosso país que clama por soluções, por conhecimento
a orientar as políticas, por ética a fundamentar as decisões,
e traga o saber acadêmico para mais perto das injustiças
sociais. O pesquisador, o cientista, o acadêmico, o intelectual,
têm antes de tudo um compromisso político, pelo lugar
que ocupam. E esse compromisso se realiza com ações, com
o agir embasado na reflexão teórica. Assim nós, modestos
alunos da Licenciatura desta Faculdade, mobilizados pelas
reflexões que nos despertou a mediação competente e compromissada
de nossa professora Luciene Tognetta, conclamamos, através
deste despretensioso manifesto, docentes e alunos a uma
mobilização em prol da Educação brasileira, que parta
desta Faculdade, e que faça honrar a estatura de uma Faculdade
de Educação numa Universidade do porte e do peso da Universidade
Estadual de Campinas. Educadores, à ação!”
*Trecho final do documento
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