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Uma lacuna entre a teoria e a prática

Pesquisa com estudantes revela problemas do ensino médio e fundamental II

Indagados na pesquisa porque consideram importante estudar, 91,7% dos estudantes responderam que este é um caminho para "ser alguém útil". Pesquisa realizada por um grupo de alunos de licenciatura da Unicamp, sobre a aula considerada ideal por estudantes do ensino médio e fundamental II, demonstrou o que a literatura vem apontando há alguns anos. Dos 165 entrevistados, de Campinas e Piracicaba, 61,37% afirmaram que é aquela que tem trabalho em grupo, enquanto que 27% consideraram que poder conversar durante a aula é muito importante. De acordo com a professora Luciene Tognetta, da Faculdade de Educação (FE), os dados do levantamento não causaram surpresa e serviram para corroborar a convicção de que a educação brasileira encontra-se numa encruzilhada.

Inconformados com esse quadro, os estudantes Lucas Rosa Pereira e Tiago Pignataro Oshiro (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas); Soramy Saito Bonalume (Faculdade de Educação Física); Milena Regina Macedo de Sousa (Instituto de Estudos da Linguagem); Denise Marques da Silva Alves (Faculdade de Educação); e Frank Dawe (mestre em Filosofia), escreveram o manifesto “Educadores, à Ação!”, no âmbito da disciplina Psicologia e Educação, sob a responsabilidade de Tognetta

Segundo a docente, a ideia de ir para a escola, investigar a realidade e observar como acontecem as relações entre professores e alunos, e destes com o conhecimento, é decorrente de uma das propostas da disciplina. À luz da psicologia, disse a professora, é preciso entender a escola e seus processos pedagógicos. Porém, na opinião da professora, os méritos são todos de seus alunos, que tabularam os dados e analisaram as respostas dos estudantes. “Como futuros professores, isso é extremamente importante, pois as crianças e adolescentes nos apontam caminhos para entender porque não se interessam ou como podem ver sentido na tarefa de estudar”.

Para Dawe, idealizador do manifesto, o que mais chamou a atenção do grupo foi a vontade de estudar demonstrada pelos alunos. “Apesar de faltar rumo às crianças, elas querem aprender. Podemos dizer que os professores também querem ensinar. O problema é que existe uma lacuna entre a teoria e a prática”, afirmou. Dawe não tem uma receita para preencher essa lacuna, daí a ideia do manifesto, que surgiu no decorrer do processo. Ele ressalta que, além do trabalho de pesquisa, era preciso fazer um gesto político. “A academia estuda e desenvolve ótimas pesquisas, mas essa produção está divorciada da realidade”, reiterou.

Na opinião de Oshiro, a perspectiva de mudar esse quadro acreditando que a via política vá resultar em melhorias é “praticamente nula”. Segundo o aluno, a incapacidade do sistema político de resolver os problemas da educação precisa ser revertida. Para que os benefícios cheguem à população, muita coisa deve ser feita. “Os responsáveis pela educação precisam aproximar-se de uma realidade da qual estão afastados, objetivando resolver esse impasse. A estrutura tem problemas, a didática tem problemas, a leis que regem a educação precisam ser questionadas e essas pessoas têm poder para isso”, diz Oshiro. “É preciso que haja iniciativas”, endossa Pereira.

Formação

Tognetta observou que, embora os dados revelem uma realidade já descrita por muitos outros autores, um aspecto interessante é que eles também fornecem uma pista para preencher essa lacuna. “Seria necessário mudar a base da formação acadêmica”. Ela cita como exemplo o fato de que futuros professores especialistas são formados com poucas horas de aulas de estágio e mesmo de disciplinas que os ajudem a compreender como crianças e adolescentes aprendem. “Há tempos, a Faculdade de Educação tenta mudar essa situação e ampliar o número de aulas das disciplinas da licenciatura. Nós sabemos da importância dessas aulas para a formação docente”, revela.

A professora Luciene Tognetta, da FE, com alunos que participaram da pesquisa: levantamento fornece pistas para fundamentar mudanças na educação (Fotos: Antoninho Perri)“Os professores, ainda que dominem a matemática, história, filosofia, educação física, a leitura e a escrita, não sabem como fazer com que o aluno aprenda isso durante a aula e, na maioria das vezes, pouco entendem do desenvolvimento humano e das formas adequadas de se proceder para que o aluno tenha autonomia”, opina a docente. Souza, Alves e Bonalume lembram que apenas 23,49% dos alunos dizem que seus professores contribuem para resolver um conflito em sala de aula. “Se esses meninos e meninas não encontram na escola uma relação de confiança com seus professores a ponto de sentirem que seus problemas podem ser resolvidos com quem é de direito, por que vão gostar da escola?” pondera Tognetta.

Para a docente da FE, o trabalho de pesquisa realizado pela equipe de alunos é fundamental porque, como futuros professores, ajuda a repensar a própria educação – como ela deve ser, ter um diagnóstico de como as crianças pensam, do que elas gostam, o que vão fazer na escola e, também, porque acham bom estudar. A respeito disso, Tognetta afirmou que quando indagados na pesquisa porque consideram importante estudar, 91,7% dos estudantes responderam que este é um caminho para “ser alguém útil”.

O sistema

Oshiro lembrou que “existem muitos locais no Brasil que ainda trabalham com professores formados em cursos que já não existem mais, ou sequer têm o curso superior”. Os professores que ultimamente têm se formado nas universidades, pondera, não voltam para o ensino médio nem fundamental, tampouco para o básico, existindo portanto uma concentração de procura de serviços no âmbito das escolas técnicas federais e das universidades, onde o emprego é mais estável e os salários melhores. “Quando falo em dar aulas no ensino médio, principalmente em escolas públicas, as pessoas me chamam de maluco, de romântico”, diz. Na opinião de Oshiro, é preciso que essas pessoas que se formam na academia – “que produz tantos trabalhos interessantes e que têm tanto a oferecer” – percebam que está na hora de reverter esse quadro. “Eles precisam se voltar para a sociedade”.

Dawe reforça que uma das questões que ficou bastante clara é que não faltam pesquisas sobre educação. “A nossa é apenas uma pequena pesquisa”, disse. Para ele, a questão central agora é partir para a prática. Uma das coisas mais importantes a fazer é utilizar a pesquisa como objeto de construção daquilo que será feito de intervenção. “Elas nos mostram os caminhos que teremos que seguir para intervir na realidade. No entanto, isso vai depender da disposição daqueles que fazem a gestão da educação no Brasil, porque estamos precisando de uma drástica e rápida mudança, uma vez que estamos perdendo gerações e gerações de brasileiros”, concluiu.

 

Educadores, à ação!*

“A educação no Brasil não funciona porque, enquanto ‘soluções’ abundam aos borbotões, não se enfoca seu principal problema. Nossa escola não vê que seu próprio objetivo, assim como seus meios – os de ‘passar’ informação sem considerar que cada indivíduo é um indivíduo, com suas peculiaridades, com sua história, suas condições de vida – são absoluta e irremediavelmente equivocados. É necessário compreender que o jovem tem querer próprio, que este jovem quer algo diverso do querer do adulto, e compreender que repetir fórmulas ‘como um papagaio’, sem digerir os conhecimentos, jamais o levará a construir conhecimentos, e nem mesmo sequer a elaborar a ‘conservação da informação’ tal como esse modelo pretende. E ainda, abordando uma outra perspectiva, estudar apenas porque se ganha um prêmio, ou porque se é castigado em caso contrário, remete ao modelo behaviorista ao qual nos referimos anteriormente, e se baseia numa concepção de educação como ‘treino’ e ‘adestramento’, ignorando o homem como ser cultural, ético, e que constrói sua própria história.

Resta, portanto, diante da desesperadora situação da educação brasileira, conclamar a universidade para que, em lugar de se isolar em seu Olimpo e voltar-se apenas para seus meandros, sua maratona de publicações, sua política interna, seus jogos internos de poder, abra-se verdadeiramente para a dolorosa realidade social de nosso país que clama por soluções, por conhecimento a orientar as políticas, por ética a fundamentar as decisões, e traga o saber acadêmico para mais perto das injustiças sociais. O pesquisador, o cientista, o acadêmico, o intelectual, têm antes de tudo um compromisso político, pelo lugar que ocupam. E esse compromisso se realiza com ações, com o agir embasado na reflexão teórica. Assim nós, modestos alunos da Licenciatura desta Faculdade, mobilizados pelas reflexões que nos despertou a mediação competente e compromissada de nossa professora Luciene Tognetta, conclamamos, através deste despretensioso manifesto, docentes e alunos a uma mobilização em prol da Educação brasileira, que parta desta Faculdade, e que faça honrar a estatura de uma Faculdade de Educação numa Universidade do porte e do peso da Universidade Estadual de Campinas. Educadores, à ação!”

*Trecho final do documento

 

 
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