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FCM identifica novo mecanismo
de ação em fármaco anticolesterol

Descoberta de equipe do Laboratório de Sinalização
Celular terá impacto na produção de medicamentos

Andressa Coope, aluna de doutorado: empolgação com os resultados das pesquisas (Foto: Antoninho Perri) Pesquisa coordenada pelo professor Lício Velloso, do Laboratório de Sinalização Celular, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, identificou um novo mecanismo de ação das estatinas – classe de fármacos mais usada no tratamento de níveis elevados de colesterol no sangue. Após um ano e meio de testes e observações, a equipe de Velloso descreveu como a droga provoca uma redução do estresse do retículo endoplasmático. Do ponto de vista prático, a descoberta terá um impacto muito forte sobre os medicamentos, tanto na comercialização quanto no seu futuro, uma vez que as indústrias farmacêuticas aprimoram cada nova geração de fármacos. Academicamente, trata-se de um fato bastante significativo porque novos mecanismos de ação das estatinas vêm sendo procurados há cerca de dez anos.

"Considero esse estudo bastante importante, tanto que foi rapidamente aceito para publicação numa renomada revista da área, a Atherosclerosis", afirmou o docente. Além disso, Íkaro Soares Santos Breder, aluno de iniciação científica de Velloso e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ganhou, com a mesma pesquisa, dois prêmios: o de melhor trabalho do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic/CNPq 2009) e o prêmio principal do Congresso Paulista de Cardiologia, organizado pela Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), na categoria ciência básica.

A metodologia utilizada para decifrar esse novo mecanismo focou-se na observação de uma região específica dos macrófagos, que são células do sistema imunológico. Essa região, responsável por fabricar as proteínas necessárias para combater bactérias e organismos estranhos ao corpo, é chamada de retículo endoplasmático. Quando uma pessoa, de maneira sistemática, ingere gordura em excesso, automaticamente o sangue apresenta altos níveis de colesterol. Um desses tipos, popularmente conhecido como “colesterol ruim”, ou LDL, pode sofrer certa transformação, ficando oxidado. Em grande quantidade passa, portanto, a ser reconhecido pelos macrófagos como algo estranho que não devia estar ali.

O professor Lício Velloso, coordenador das pesquisas: inibição de estresse reduz a inflamação e o nível de colesterol (Foto: Antonio Scarpinetti)Velloso explicou que essas células, então, fagocitam tanto colesterol que o retículo passa a funcionar de forma errada, ocasionando o que o pesquisador chama de estresse do retículo endoplasmático. Quando isso ocorre, ativa uma inflamação que ocasiona o aumento do tamanho da célula. Um grande número de células inflamadas forma a placa de ateroma ou placa de aterosclerose, principal fator de obstrução das artérias que leva a quadros de angina (dor no peito) e infartos. “O que nós observamos é que a estatina inibe esse estresse, reduzindo a inflamação e o nível de colesterol”, argumentou. Dessa maneira, o risco de mortalidade diminui e explica porque razão as estatinas protegem mais do que o nível de LDL baixo que ela promove.

Atualmente, existem cinco tipos diferentes de estatinas no mercado que, de acordo com o docente, são resultados de melhoras no processo. A indústria farmacêutica, após a criação de um novo medicamento, prossegue com as pesquisas e modifica, pouco a pouco, sua estrutura química visando minimizar os possíveis efeitos colaterais. Quando um grupo de pesquisa identifica um novo mecanismo de ação facilita para esse ramo industrial direcionar essas mudanças. “De posse dessa informação, eles podem, no futuro, produzir novas estatinas que sejam mais eficientes ainda para reduzir o estresse do retículo”, mencionou Velloso. Por se tratar de uma classe de medicamento em uso e bastante segura, o processo evolutivo torna-se mais rápido, ou seja, em questão de poucos anos a população poderá beneficiar-se de estatinas mais modernas agindo de maneira mais eficaz, prognosticou o médico.

Genética

Essa descoberta trará benefícios também para quem trabalha com pesquisas genéticas, ressaltou Velloso. Como o retículo endoplasmático regula a produção de proteínas, as quais são codificadas pelo genes, se os pesquisadores souberem quais são os genes envolvidos nesse tipo de processo, poderão direcionar seus esforços para identificar aqueles que participam efetivamente do funcionamento do retículo endoplasmático. “Seguramente terá repercussão nas formas genéticas de colesterol elevado”, garantiu.

Breder, que é aluno do quinto ano do curso de Medicina da FCM, relatou que no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp os alunos recebem uma formação muito voltada para as doenças mais prevalentes na população e a maior causa de mortalidade, tanto em países desenvolvidos quanto sub-desenvolvidos, é por doença cardiovascular, sendo que a aterosclerose é fundamental nessa causa. Participar desse trabalho, para ele, é muito gratificante porque deixa com esperança de que, com essa nova possível abordagem terapêutica conduzida por Velloso, daqui a alguns anos a sociedade terá uma droga que seja capaz de reduzir não só a instabilidade das placas que as estatinas já conseguem atualmente, mas também reduzir o tamanho delas. “Acreditamos que isso reduzirá o número de eventos atero-trombóticos. A esperança para pacientes e para quem atua na prática clínica é muito grande nesse projeto”, afirmou.

Para a bióloga e aluna de doutorado orientada por Velloso, Andressa Coope, a descoberta foi surpreendente. “Imaginávamos que o mecanismo poderia estar no efeito anti-inflamatório, no entanto, não tínhamos certeza. À medida que os resultados foram surgindo o trabalho, tornou-se mais empolgante”, disse. E completou, dizendo que pesquisas de ponta requerem bastante esforço e dedicação, mas que o produto final é extremamente compensador. Coope também tem financiamento da Fapesp. O estudo contou ainda com a colaboração do grupo da professora Helena C. de Oliveira, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Histórico

No começo da década de 1970, pesquisadores descobriram como o corpo humano sintetizava o colesterol e, assim, foi possível desenvolver medicamentos que impedissem a formação de grandes quantidades de colesterol, que são as estatinas. Somente no início da década seguinte é que essas drogas começaram a ser usados na prática clínica. No entanto, os resultados apontavam que a redução da mortalidade causada pelo uso da estatina era maior do que o efeito que ela tem de inibir a síntese de colesterol. Era preciso descobrir o mecanismo causador dessa redução. E, de fato, há cerca de dez anos, descobriu-se que as estatinas tinham um efeito anti-inflamatório, porém, a maneira como isso acontecia não estava satisfatoriamente compreendida. A novidade do trabalho coordenado pelo professor Velloso foi mostrar qual é esse mecanismo ou, pelo menos, um dos mecanismos utilizados pela estatina para reduzir a inflamação.

Essa classe de fármacos é utilizada rotineiramente no tratamento de dislipidemia. É uma das doenças mais comuns na população mundial, que mais mata porque leva à formação de placas de ateroma nas artérias. Dessa maneira, as artérias vão sendo gradativamente obstruídas e acabam levando o paciente à morte por infarto do miocárdio ou derrame – que na linguagem médica é chamado de acidente vascular cerebral (AVC). Além disso, se ocorrer obstrução de artérias em outras regiões do corpo humano pode levar à amputação ou mesmo a perda de órgãos, como o rim, por exemplo.

Basicamente, três causas podem levar ao nível de colesterol elevado. A primeira é genética. A segunda concentra-se nas causas ambientais, onde a mais comum é a alimentação feita de forma errada. A terceira está no estilo de vida sedentário, com baixa atividade física. Como muitas pessoas acabam associando as três causas, o risco de morte torna-se iminente.

 

Artigo aceito para publicação
“Reduction of endoplasmic reticulum stress - a novel mechanism of action of statins in the protection against atherosclerosis”. Ikaro Breder, Andressa Coope, Ana Paula Arruda, Daniela Razolli, Marciane Milanski, Gabriel Dorighello, Helena C. de Oliveira e Lício A. Velloso. Revista Atherosclerosis, maio de 2010.

 

 

 
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