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FCM identifica novo mecanismo
de ação em fármaco anticolesterol
Descoberta de equipe
do Laboratório de Sinalização
Celular terá impacto na produção de medicamentos
Pesquisa coordenada pelo professor Lício Velloso, do Laboratório
de Sinalização Celular, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Unicamp, identificou um novo mecanismo de ação das estatinas
– classe de fármacos mais usada no tratamento de níveis elevados
de colesterol no sangue. Após um ano e meio de testes e observações,
a equipe de Velloso descreveu como a droga provoca uma redução
do estresse do retículo endoplasmático. Do ponto de vista
prático, a descoberta terá um impacto muito forte sobre os
medicamentos, tanto na comercialização quanto no seu futuro,
uma vez que as indústrias farmacêuticas aprimoram cada nova
geração de fármacos. Academicamente, trata-se de um fato bastante
significativo porque novos mecanismos de ação das estatinas
vêm sendo procurados há cerca de dez anos.
"Considero esse estudo
bastante importante, tanto que foi rapidamente aceito para
publicação numa renomada revista da área, a Atherosclerosis",
afirmou o docente. Além disso, Íkaro Soares Santos Breder,
aluno de iniciação científica de Velloso e bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
ganhou, com a mesma pesquisa, dois prêmios: o de melhor trabalho
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(Pibic/CNPq 2009) e o prêmio principal do Congresso Paulista
de Cardiologia, organizado pela Sociedade de Cardiologia do
Estado de São Paulo (Socesp), na categoria ciência básica.
A metodologia utilizada para
decifrar esse novo mecanismo focou-se na observação de uma
região específica dos macrófagos, que são células do sistema
imunológico. Essa região, responsável por fabricar as proteínas
necessárias para combater bactérias e organismos estranhos
ao corpo, é chamada de retículo endoplasmático. Quando uma
pessoa, de maneira sistemática, ingere gordura em excesso,
automaticamente o sangue apresenta altos níveis de colesterol.
Um desses tipos, popularmente conhecido como “colesterol ruim”,
ou LDL, pode sofrer certa transformação, ficando oxidado.
Em grande quantidade passa, portanto, a ser reconhecido pelos
macrófagos como algo estranho que não devia estar ali.
Velloso
explicou que essas células, então, fagocitam tanto colesterol
que o retículo passa a funcionar de forma errada, ocasionando
o que o pesquisador chama de estresse do retículo endoplasmático.
Quando isso ocorre, ativa uma inflamação que ocasiona o
aumento do tamanho da célula. Um grande número de células
inflamadas forma a placa de ateroma ou placa de aterosclerose,
principal fator de obstrução das artérias que leva a quadros
de angina (dor no peito) e infartos. “O que nós observamos
é que a estatina inibe esse estresse, reduzindo a inflamação
e o nível de colesterol”, argumentou. Dessa maneira, o
risco de mortalidade diminui e explica porque razão as estatinas
protegem mais do que o nível de LDL baixo que ela promove.
Atualmente, existem cinco
tipos diferentes de estatinas no mercado que, de acordo com
o docente, são resultados de melhoras no processo. A indústria
farmacêutica, após a criação de um novo medicamento, prossegue
com as pesquisas e modifica, pouco a pouco, sua estrutura
química visando minimizar os possíveis efeitos colaterais.
Quando um grupo de pesquisa identifica um novo mecanismo de
ação facilita para esse ramo industrial direcionar essas mudanças.
“De posse dessa informação, eles podem, no futuro, produzir
novas estatinas que sejam mais eficientes ainda para reduzir
o estresse do retículo”, mencionou Velloso. Por se tratar
de uma classe de medicamento em uso e bastante segura, o processo
evolutivo torna-se mais rápido, ou seja, em questão de poucos
anos a população poderá beneficiar-se de estatinas mais modernas
agindo de maneira mais eficaz, prognosticou o médico.
Genética
Essa descoberta trará benefícios
também para quem trabalha com pesquisas genéticas, ressaltou
Velloso. Como o retículo endoplasmático regula a produção
de proteínas, as quais são codificadas pelo genes, se os pesquisadores
souberem quais são os genes envolvidos nesse tipo de processo,
poderão direcionar seus esforços para identificar aqueles
que participam efetivamente do funcionamento do retículo endoplasmático.
“Seguramente terá repercussão nas formas genéticas de colesterol
elevado”, garantiu.
Breder, que é aluno do quinto
ano do curso de Medicina da FCM, relatou que no Hospital de
Clínicas (HC) da Unicamp os alunos recebem uma formação muito
voltada para as doenças mais prevalentes na população e a
maior causa de mortalidade, tanto em países desenvolvidos
quanto sub-desenvolvidos, é por doença cardiovascular, sendo
que a aterosclerose é fundamental nessa causa. Participar
desse trabalho, para ele, é muito gratificante porque deixa
com esperança de que, com essa nova possível abordagem terapêutica
conduzida por Velloso, daqui a alguns anos a sociedade terá
uma droga que seja capaz de reduzir não só a instabilidade
das placas que as estatinas já conseguem atualmente, mas também
reduzir o tamanho delas. “Acreditamos que isso reduzirá o
número de eventos atero-trombóticos. A esperança para pacientes
e para quem atua na prática clínica é muito grande nesse projeto”,
afirmou.
Para a bióloga e aluna de
doutorado orientada por Velloso, Andressa Coope, a descoberta
foi surpreendente. “Imaginávamos que o mecanismo poderia estar
no efeito anti-inflamatório, no entanto, não tínhamos certeza.
À medida que os resultados foram surgindo o trabalho, tornou-se
mais empolgante”, disse. E completou, dizendo que pesquisas
de ponta requerem bastante esforço e dedicação, mas que o
produto final é extremamente compensador. Coope também tem
financiamento da Fapesp. O estudo contou ainda com a colaboração
do grupo da professora Helena C. de Oliveira, do Instituto
de Biologia (IB) da Unicamp.
Histórico
No começo da década de 1970,
pesquisadores descobriram como o corpo humano sintetizava
o colesterol e, assim, foi possível desenvolver medicamentos
que impedissem a formação de grandes quantidades de colesterol,
que são as estatinas. Somente no início da década seguinte
é que essas drogas começaram a ser usados na prática clínica.
No entanto, os resultados apontavam que a redução da mortalidade
causada pelo uso da estatina era maior do que o efeito que
ela tem de inibir a síntese de colesterol. Era preciso descobrir
o mecanismo causador dessa redução. E, de fato, há cerca de
dez anos, descobriu-se que as estatinas tinham um efeito anti-inflamatório,
porém, a maneira como isso acontecia não estava satisfatoriamente
compreendida. A novidade do trabalho coordenado pelo professor
Velloso foi mostrar qual é esse mecanismo ou, pelo menos,
um dos mecanismos utilizados pela estatina para reduzir a
inflamação.
Essa classe de fármacos é
utilizada rotineiramente no tratamento de dislipidemia. É
uma das doenças mais comuns na população mundial, que mais
mata porque leva à formação de placas de ateroma nas artérias.
Dessa maneira, as artérias vão sendo gradativamente obstruídas
e acabam levando o paciente à morte por infarto do miocárdio
ou derrame – que na linguagem médica é chamado de acidente
vascular cerebral (AVC). Além disso, se ocorrer obstrução
de artérias em outras regiões do corpo humano pode levar à
amputação ou mesmo a perda de órgãos, como o rim, por exemplo.
Basicamente, três causas podem
levar ao nível de colesterol elevado. A primeira é genética.
A segunda concentra-se nas causas ambientais, onde a mais
comum é a alimentação feita de forma errada. A terceira está
no estilo de vida sedentário, com baixa atividade física.
Como muitas pessoas acabam associando as três causas, o risco
de morte torna-se iminente.
Artigo
aceito para publicação
“Reduction of endoplasmic reticulum stress - a novel
mechanism of action of statins in the protection against
atherosclerosis”. Ikaro Breder, Andressa Coope, Ana
Paula Arruda, Daniela Razolli, Marciane Milanski, Gabriel
Dorighello, Helena C. de Oliveira e Lício A. Velloso.
Revista Atherosclerosis, maio de 2010.
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