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Adição de CO2 melhora estabilidade
do leite UHT, conclui estudo da FEA

Dióxido de carbono inibe proliferação de micro-organismos em etapa de produção

A engenheira Priscila Cristina Bizam Vianna, autora da pesquisa: legislação pode avançar, sobretudo se houver interesse da indústria (Foto: Antonio Scarpinetti) Estudo de doutorado desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) conclui que a conservação do leite cru com dióxido de carbono (CO2) pode melhorar a estabilidade do leite UHT, que responde hoje por 75% do leite fluido consumido no Brasil. Isso porque o CO2 inibe micro-organismos na etapa de resfriamento que vão causar defeito no produto, além de prevenir a sua gelificação, que é o início de sua deterioração físico-química e um dos maiores obstáculos para a sua qualidade, segundo a autora da pesquisa, Priscila Cristina Bizam Vianna.

A gelificação é o processo em que o leite forma um gel no fundo da caixa, perdendo inclusive a sua fluidez. Isso acontece em geral durante a vida de prateleira do UHT. A legislação brasileira, no entanto, proíbe a adição de quaisquer produtos ao leite cru. A justificativa contra a adição é que ela é considerada uma fraude. O trabalho, realizado entre 2008 e 2010, foi orientado pela docente da Faculdade Mirna Gigante e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Na investigação, a engenheira de alimentos trabalhou com a avaliação do leite cru e do longa vida (UHT). O leite cru foi armazenado em tanques de expansão, simulando uma situação semelhante à que ocorre com produtores de leite de entrepostos de armazenamento. O leite foi armazenado por seis dias, sob duas condições: uma com adição de CO2 e outra sem adição, a uma temperatura de 4ºC, que é a indicada para conservação do leite.

Decorrido esse tempo, o leite foi processado como leite UHT, que tem em sua composição 3% de gordura, 2,5% de proteínas, 12% de sólidos totais e 85% de água, sendo obtidas duas amostras para avaliação físico-química e do comportamento da vida de prateleira durante 120 dias. “Esta vida de prateleira foi estipulada com base no que é praticado no mercado, sendo contada a partir da data do seu processamento”, relata Vianna.

Os experimentos da tese não foram feitos em embalagens cartonadas, por não se dispor deste tipo de envase. “Trabalhamos com sacos plásticos de polietileno, como os usados para o leite pasteurizado, porém com o envase asséptico, que mantém a esterilidade deste produto como se ele estivesse numa caixa de leite UHT”, descreve Vianna.

O que faz o leite UHT ser o mais consumido no Brasil, aponta ela, é que ele não somente consegue ser conservado em temperatura ambiente, mas também tem uma vida de prateleira maior. Comparando-se o leite UHT com o leite pasteurizado, em que a vida de prateleira é de no máximo dez dias, Vianna atesta que este último não é a realidade do mercado nacional. “O leite UHT entrou com grande força no mercado na década de 90, pois não tem necessidade de ser conservado na geladeira”, constata Mirna. Ele respondia por uma pequena fatia do mercado: 4%. Hoje detém quase 80%. É um crescimento elevado em sua avaliação, justamente porque o tratamento térmico aplicado a esse produto, desde que embalado adequadamente, permite a sua conservação por até 180 dias.

Micro-organismos

Teoricamente, é sabido que o dióxido de carbono pode ser empregado no leite cru para inibir o desenvolvimento de micro-organismos. Quando adicionado ao leite, ele abaixa o seu pH. No processo desenvolvido por Vianna, o CO2 é eliminado do leite antes do processamento e após a conservação, voltando ao seu pH normal. “O leite normal apresenta uma faixa de variação de pH entre 6,7 e 6,8. Então abaixamos dessa faixa para um pH 6,2”, relata Vianna.

Para a legislação, a adição do CO2 ao leite cru se caracteriza mesmo como uma fraude, embora seu uso não prejudique a saúde, uma vez que é eliminado no processo. Não significa que o produto não se conserve, afirma Mirna. O que está em jogo é a sua ilegalidade. “O uso da água oxigenada, por exemplo, foi uma fraude descoberta no leite cru. Os fraudadores ainda incluíam no produto citrato, açúcar e sal. Foi a chamada operação Ouro Branco”, alude-se Mirna, relembrando o episódio recente. O objetivo era aumentar o volume do produto, o prazo de conservação e a recuperação do leite impróprio para o processamento.

O trabalho desenvolvido na FEA, conta Vianna, teve apenas finalidade de pesquisa, seguindo condições de planta piloto. Isso porque o dióxido de carbono é uma opção para a conservação do leite de “boa qualidade”. Ela acredita, entretanto, que a legislação sobre o tema possa avançar, particularmente se houver interesse da indústria. É algo viável, apesar de não ser novidade. “O que não existe na literatura é a produção do leite UHT obtido pelo leite cru conservado pelo dióxido de carbono. Este foi o diferencial do trabalho da Priscila”, lembra Mirna.

O dióxido de carbono já é reconhecido como um conservante empregado para outras situações. É o mesmo dióxido presente no refrigerante (só que não sob pressão). Logo, não há nenhuma proibição neste sentido, exceto quanto à adição de dióxido de carbono em leite cru. “A grande dificuldade na obrigatoriedade do resfriamento do leite – e aqui não estamos legislando contra ele, isso porque o resfriamento é a melhor maneira de conservação – é que o leite resfriado por muito tempo pode levar ao desenvolvimento de micro-organismos como os psicrotróficos, que crescem em leite frio, a 7°C”, comenta Mirna, “e vão causar defeito no produto depois de processado, lá na prateleira do supermercado”.

O dióxido de carbono, menciona ela, serve para inibir a proliferação destes micro-organismos. “O CO2 é adicionado ao leite cru, conserva o produto, é expulso antes do processamento e resulta num produto processado de vida útil maior. Vale como um ajudante deste processo.” Um dos principais impedimentos para a vida de prateleira do produto processado é a qualidade do leite cru e, quando se trabalha com uma matéria-prima de baixa qualidade, é certo que não terá uma vida de prateleira longa sem que ocorram defeitos nesse produto.

A contaminação pelos micro-organismos psicrotróficos vem das más condições de higiene durante a ordenha e do armazenamento inadequado do leite, expõe Vianna. “São os tanques mal-higienizados, inclusive com resíduos de água de lavagem. Esses micro-organismos vão se desenvolvendo aos poucos, contaminando o leite e, especialmente, produzindo enzimas que não são destruídas no tratamento térmico. E continuam atuando nos produtos processados.”

Gelificação

A gelificação do leite UHT começa como um espessamento, aumentando a sua viscosidade. Ele vai perdendo a sua fluidez e as suas características originais, deteriorando-se por aspectos físico-químicos, não microbiológicos. “E o que os consumidores esperam, ao abrir uma caixa de leite longa vida, é que ele esteja fluido – não com uma viscosidade própria dos iogurtes.”

O tempo para a gelificação não é algo pontual, discute Mirna, e não existe uma resposta na literatura sobre o momento exato da sua ocorrência. O problema depende do tipo de contaminante, sobretudo os psicrotróficos. Os mais observados são as Pseudomonas spp., particularmente P. fluorescen de diferentes cepas. As enzimas produzidas por esses micro-organismos provocam a desestabilização da proteína, o que resulta no seu rearranjo e consequente gelificação. “É uma microbiota complexa. Se fosse apenas um micro-organismo isolado, seria fácil de controlar”, relativiza Mirna.

Esse tempo, refere a orientadora, está descrito na literatura como provavelmente relacionado à qualidade da matéria-prima: quanto melhor for ela, maior será a sua vida de prateleira posterior. Como o produto é comercialmente estéril, não tendo micro-organismos ou esporos no leite UHT, posto que ele sofre a ultra-alta temperatura que os destrói, ele é estável do ponto de vista microbiológico. O que limita a sua vida de prateleira são as alterações físico-químicas, especialmente a gelificação.

Em visita técnica realizada a uma indústria, Mirna perguntou aos dirigentes por que eles não davam seis meses de vida de prateleira, levando em conta que cumpriam as condições ideais de produção? A resposta foi que, se houver o problema da gelificação, o leite já estará comercializado. “Então a gelificação acaba sendo um limitante para a indústria, e o início desta limitação está na base da cadeia”, revela. “O processo não faz milagre. Ele até conserva a matéria-prima, contudo, se resfrio leite cru de boa qualidade, vou ter no tanque leite resfriado de boa qualidade. Se resfrio leite de qualidade ruim, eu tenho um leite de qualidade ruim resfriado. Assim sendo, a qualidade do produto final começa no início da cadeia produtiva, na produção primária do leite.”

Desde o estabelecimento da Instrução Normativa 51/2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que passou a vigorar em 2005, o leite cru tem sido sistematicamente avaliado em todo o território nacional, através de vários laboratórios de referência espalhados pelo Brasil. O país figura como o sexto produtor de leite do mundo e, de acordo com Mirna, ele está cuidando da sua qualidade. O Brasil está inserido no seleto grupo de dez países que produz 50% do leite mundial.


Laboratório presta serviços

Na Unicamp, o Laboratório de Leite e Derivados da FEA fornece consultorias e atende empresas que enfrentam problemas como os da gelificação. Essa tarefa é realizada de rotina há mais de dez anos, existindo inclusive uma área de prestação de serviços aberta pela Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp). Sempre que aparece esta demanda, os pesquisadores do Laboratório a atende. Houve época, recorda Mirna, que se avaliou muito o leite pasteurizado. A demanda atual é o leite UHT.

Esse Laboratório está situado no Departamento de Tecnologia de Alimentos e se destina a atividades de pesquisas, ensino e extensão na área de leite e produtos lácteos em geral. Docentes e alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado desenvolvem investigações relacionadas à qualidade físico-química e microbiológica do leite cru e processado, produtos lácteos fermentados e queijos, otimização de processos da indústria láctea, tecnologia de membranas e funcionalidade de produtos lácteos. O Laboratório atende ainda empresas privadas para elaboração de projetos, realização de análises físico-químicas e microbiológicas, bem como para fabricação de diferentes produtos lácteos.

 

Publicação: Tese de doutorado “Adição de dióxido de carbono ao leite cru: efeito sobre a qualidade e vida de prateleira do leite UHT”

Autora: Priscila Cristina Bizam Vianna

Orientadora: Mirna Gigante

Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

 

 

 
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