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Quando a arte inspira a vida e o trabalho

Funcionária concilia atividades na Galeria com as de contadora de histórias

Malu, na Galeria, com fantoches e adereços usados nas apresentações; à  esq. na foto, a boneca Ofélia (Foto: Antoninho Perri)Mineira de Ibiraci, Maria Lúcia Neves, a Malu, é técnica em museologia da Galeria de Arte da Unicamp há 25 anos. É ela quem monta e desmonta as exposições artísticas, cataloga as obras, organiza acervos e contata artistas para definir agendas. A arte, porém, não se restringe a sua vida profissional. Dez anos depois de iniciar o trabalho na Galeria, Malu tornou-se contadora de histórias. Seu trabalho, cujo objetivo é resgatar o gosto pela leitura, envolve crianças, jovens, adultos e idosos. Malu também ministra cursos e oficinas a professores, contribuindo para melhorar práticas educativas.

Vó Sinhana: inspiração (Foto: Divulgação)O gosto pelas histórias nasceu ainda na infância de Malu, na voz da avó materna, Ana Augusta da Silva, a vovó Sinhana, que gostava de narrar episódios engraçados e assustadores e tinha um rico repertório oral, embora não tivesse acesso a livros. Anos depois, em 1973, Malu deixaria a casa dos pais, agora em Ribeirão Preto, rumo a Campinas, para estudar antropologia na Unicamp. Mas a jovem não terminou o curso. Em um período sem aulas, surgiu a oportunidade de realizar um sonho: morar em São Paulo. Mudou-se para trabalhar em uma feira de arte da Bahia, patrocinada por um órgão de turismo do governo do Estado, que trazia alguns de seus ídolos, entre os quais Caetano Veloso e Gal Costa. Logo depois, foi contratada pela instituição. Foram dois anos morando na capital paulista, até que ela pediu transferência para Salvador.

De volta a Ribeirão Preto, em 1978, Malu atuou como voluntária na entidade Casa das Mangueiras, onde viviam meninos em situação de risco. Este trabalho a instigou a fazer, em 1979, um curso técnico de arte-educação na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro.

De posse deste conhecimento, Malu voltou a Campinas em 1980, onde trabalhou como professora na Escola Curumim. Em 1983, orientou um Ateliê de Arte Infantil no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (Macc). Em suas oficinas de artes-plásticas, já incorporava as histórias que serviam de tema para que as crianças criassem suas peças. “Foi nesta época que conheci o professor e artista plástico Bernardo Caro, em exposição realizada no museu”. Caro, falecido em 2007, era docente do Instituto de Artes (IA) e chamou Malu para trabalhar na Galeria de Arte, que havia sido inaugurada um ano antes, em1984.

Trajetórias

Hoje, a um ano da aposentadoria, Malu busca registrar a história do espaço de arte. “Sou apaixonada pelo trabalho na Galeria, vou sentir muita saudade disso”, confessou. Uma das formas encontradas é contar um pouco da trajetória de cada coordenador. Esse material, revela, será disponibilizado no novo site do espaço de arte. “O coordenador dá o olhar, a característica da Galeria”. Desde a fundação da Galeria, coordenaram as atividades os professores do IA Sueli Pinotti, Freddy Van Camp, Ermelindo  Nardin, Antonio Carlos Rodrigues (Tuneu), Geraldo Porto e o atual coordenador, professor Marco do Valle.

Bonequinha russa confeccionada em uma das apresentações da contadora de histórias: amuleto da sorte (Foto: Antonio Scarpinetti)Malu privilegia também o contato com artistas e alunos do IA – alguns trabalhos acadêmicos são defendidos na Galeria. “É um trabalho bem dinâmico, aprendo muito com os artistas que expõem”, disse. De acordo com a técnica em museologia, faz-se necessário entender as obras para monitorar as visitas que chegam quando o artista não está presente.

Seu trabalho lhe oferece a oportunidade de conhecer a personalidade do artista. “Aprendi a reconhecer os artistas que realmente são valiosos. Por sua postura, modo de viver e de tratar as pessoas.” Uma das pessoas que Malu destacou é a artista plástica e professora do IA Fúlvia Gonçalves. Segundo a arte-educadora, Fúlvia teve importante contribuição em sua vida e formação, considerando que foi sua aluna em cursos de extensão em artes no primeiro Atelier de Comunicação Visual e Artes Gráficas da Unicamp em 1980, antes da fundação do IA.

Outro projeto de Malu, no âmbito pessoal e para ser realizado após a aposentadoria, é a produção de um livro sobre sua vivência como contadora de histórias. Com a publicação, ela pretende mostrar o poder que as histórias têm sobre as crianças e contar as experiências pedagógicas com educadores. Em uma das partes do livro, a arte-educadora quer transformar em ficção os relatos de pessoas idosas gravados por ela, durante a oficina “Resgate e Memória – a arte de contar histórias”, de 2007. “As vovós e vovôs de hoje gostam de contar histórias de vida”, pontuou.

As oficinas e os cursos com educadores já levaram Malu a São João Del Rei, Cambuquira, Santo Antônio de Posse, Bragança Paulista e Salvador. Além de participar de muitos eventos na região de Campinas, para aprimorar suas técnicas, ela também fez, em 1995, o curso “A arte e a magia de contar histórias”, com o escritor Rubem Alves. Malu chegou a montar um grupo, em 2002, com o filho Miguel. O Parangolé de Prosa reunia outros jovens, que faziam a sonorização das apresentações ou complementavam as histórias com efeitos visuais: bolinhas de sabão, chapéus e máscaras. Segundo a arte-educadora, as histórias foram uma forma encontrada por ela para lidar com os conflitos da adolescência do filho, hoje com 23 anos.

Indagada sobre qual seria sua história preferida, Malu não demora a responder: “Gosto de todas as histórias que eu conto”. Ela frisou, todavia, que não se sente atraída por fábulas. “Gosto de histórias mais sutis, sem uma moral definida. Elas atingem as pessoas mais profundamente”. Malu afirmou ter encontrado nesta tradição milenar uma forma antropológica de levar às pessoas uma mensagem positiva e de reflexão. Em seu repertório estão contos de Marina Colassanti como Entre o leão e o unicórnio (o leão é um dos fantoches de Malu) e histórias de Eduardo Galeano retiradas de O livro dos abraços.

Malu durante apresentação do grupo O Parangolé de Prosa:  histórias e efeitos visuais (Foto: Divulgação)A arte-educadora realçou que está sempre incorporando histórias novas. A África também é fonte na qual ela tem buscado inspiração. A oficina “Contando a África”, por exemplo, ministrada por Malu em parceria com a contadora de histórias e bibliotecária Jacqueline Françoise, da Biblioteca Central Cesar Lattes da Unicamp, foi realizada no 17° Congresso de Leitura do Brasil (Cole), em 2009, com três grupos diferentes. Escritores africanos, como o moçambicano Mia Couto, com seu conto O gato e o escuro, foram escolhidos pelas arte-educadoras. Outra parceira de Malu na Unicamp foi a regente e cantora Ana Salvagni. Unindo a música à narração, elas realizaram o projeto “Contos e Cantos”, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp e pela Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural (CDC), em 2007.

A Galeria também já abriu as portas para as oficinas de Malu. Em 2006, o projeto “Contando Contos” foi premiado pelo Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (Ficc) e o espaço de artes recebeu cerca de 200 professores para ouvir a arte-educadora. Ao final, Malu organizou com a CDC um evento para crianças de escolas públicas da Unicamp e do distrito de Barão Geraldo, em que educadores que participaram da oficina também contaram suas histórias.

Como contadora de histórias, Malu usa artifícios e adereços que a identificam. Um exemplo são os xales. “Quando vou contar uma história, coloco o xale, e as crianças ficam em silêncio, porque sabem que a história vai começar”. Fantoches, bolhas de sabão e os bonecos também são outros adereços usados para incrementar a narração. “Não consigo incorporar personagens como no teatro, mas sim contar histórias de personagens”, revelou Malu.

Boneca

Ofélia é uma boneca que faz parte da vida de Malu desde quando se tornou contadora. O teatro de sombras de Ofélia, do escritor alemão Michael Ende, narra a história de uma velhinha que sonhava ser atriz de teatro. Por ter a voz fraca para atuar, Ofélia ficava escondida no palco e os atores recorriam a ela para relembrar as falas, que a protagonista por fim decorou. Com o tempo, o teatro da cidadezinha foi fechado. Solitária, a velhinha encontrou uma sombra sem dono e a levou para casa. Outras sombras na mesma condição resolveram morar com ela e para discipliná-las ela as ensinou textos do teatro.

Sobre esta história, que traz no final um ensinamento sobre a morte, Malu relembrou um momento mágico. Em 1998, durante um encontro de capacitação de professores realizado na cidade alagoana de Marechal Deodoro, houve um blecaute quando Malu iria se apresentar. Sem microfone ou luz elétrica, a arte-educadora narrou a história apenas com a luz do sol que entrava por uma fresta da porta enquanto a sombra da boneca era refletida na parede. Ao final da apresentação, algumas pessoas se emocionaram. Frequentemente, Malu alia narração e atividades plásticas e ensina os participantes a fazerem pequenas bonecas e outros artefatos. Ela divertiu-se ao relembrar que crianças já vieram lhe contar que a bonequinha, de origem russa, era um amuleto da sorte, e até realizava desejos.

Malu irá ministrar o minicurso “Histórias sem fim” durante o III Simpósio de Profissionais da Unicamp. O minicurso será no dia 17 de maio, às 18 horas, na sala PB11 no Ciclo Básico 2.

 
 
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