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Quando a arte inspira a vida e o trabalho
Funcionária concilia atividades
na Galeria com as de contadora de histórias
Mineira
de Ibiraci, Maria Lúcia Neves, a Malu, é técnica em museologia
da Galeria de Arte da Unicamp há 25 anos. É ela quem monta
e desmonta as exposições artísticas, cataloga as obras,
organiza acervos e contata artistas para definir agendas.
A arte, porém, não se restringe a sua vida profissional.
Dez anos depois de iniciar o trabalho na Galeria, Malu tornou-se
contadora de histórias. Seu trabalho, cujo objetivo é resgatar
o gosto pela leitura, envolve crianças, jovens, adultos e
idosos. Malu também ministra cursos e oficinas a professores,
contribuindo para melhorar práticas educativas.
O
gosto pelas histórias nasceu ainda na infância de Malu,
na voz da avó materna, Ana Augusta da Silva, a vovó Sinhana,
que gostava de narrar episódios engraçados e assustadores
e tinha um rico repertório oral, embora não tivesse acesso
a livros. Anos depois, em 1973, Malu deixaria a casa dos pais,
agora em Ribeirão Preto, rumo a Campinas, para estudar antropologia
na Unicamp. Mas a jovem não terminou o curso. Em um período
sem aulas, surgiu a oportunidade de realizar um sonho: morar
em São Paulo. Mudou-se para trabalhar em uma feira de arte
da Bahia, patrocinada por um órgão de turismo do governo
do Estado, que trazia alguns de seus ídolos, entre os quais
Caetano Veloso e Gal Costa. Logo depois, foi contratada pela
instituição. Foram dois anos morando na capital paulista,
até que ela pediu transferência para Salvador.
De volta a Ribeirão Preto,
em 1978, Malu atuou como voluntária na entidade Casa das Mangueiras,
onde viviam meninos em situação de risco. Este trabalho a
instigou a fazer, em 1979, um curso técnico de arte-educação
na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro.
De posse deste conhecimento,
Malu voltou a Campinas em 1980, onde trabalhou como professora
na Escola Curumim. Em 1983, orientou um Ateliê de Arte Infantil
no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (Macc). Em suas
oficinas de artes-plásticas, já incorporava as histórias que
serviam de tema para que as crianças criassem suas peças.
“Foi nesta época que conheci o professor e artista plástico
Bernardo Caro, em exposição realizada no museu”. Caro, falecido
em 2007, era docente do Instituto de Artes (IA) e chamou Malu
para trabalhar na Galeria de Arte, que havia sido inaugurada
um ano antes, em1984.
Trajetórias
Hoje, a um ano da aposentadoria,
Malu busca registrar a história do espaço de arte. “Sou
apaixonada pelo trabalho na Galeria, vou sentir muita saudade
disso”, confessou. Uma das formas encontradas é contar
um pouco da trajetória de cada coordenador. Esse material,
revela, será disponibilizado no novo site do espaço de arte.
“O coordenador dá o olhar, a característica da Galeria”.
Desde a fundação da Galeria, coordenaram as atividades os
professores do IA Sueli Pinotti, Freddy Van Camp, Ermelindo
Nardin, Antonio Carlos Rodrigues (Tuneu), Geraldo Porto e
o atual coordenador, professor Marco do Valle.
Malu
privilegia também o contato com artistas e alunos do IA –
alguns trabalhos acadêmicos são defendidos na Galeria. “É
um trabalho bem dinâmico, aprendo muito com os artistas que
expõem”, disse. De acordo com a técnica em museologia,
faz-se necessário entender as obras para monitorar as visitas
que chegam quando o artista não está presente.
Seu trabalho lhe oferece a
oportunidade de conhecer a personalidade do artista. “Aprendi
a reconhecer os artistas que realmente são valiosos. Por sua
postura, modo de viver e de tratar as pessoas.” Uma das pessoas
que Malu destacou é a artista plástica e professora do IA
Fúlvia Gonçalves. Segundo a arte-educadora, Fúlvia teve importante
contribuição em sua vida e formação, considerando que foi
sua aluna em cursos de extensão em artes no primeiro Atelier
de Comunicação Visual e Artes Gráficas da Unicamp em 1980,
antes da fundação do IA.
Outro projeto de Malu, no
âmbito pessoal e para ser realizado após a aposentadoria,
é a produção de um livro sobre sua vivência como contadora
de histórias. Com a publicação, ela pretende mostrar o poder
que as histórias têm sobre as crianças e contar as experiências
pedagógicas com educadores. Em uma das partes do livro, a
arte-educadora quer transformar em ficção os relatos de pessoas
idosas gravados por ela, durante a oficina “Resgate e Memória
– a arte de contar histórias”, de 2007. “As vovós e vovôs
de hoje gostam de contar histórias de vida”, pontuou.
As oficinas e os cursos com
educadores já levaram Malu a São João Del Rei, Cambuquira,
Santo Antônio de Posse, Bragança Paulista e Salvador. Além
de participar de muitos eventos na região de Campinas, para
aprimorar suas técnicas, ela também fez, em 1995, o curso
“A arte e a magia de contar histórias”, com o escritor Rubem
Alves. Malu chegou a montar um grupo, em 2002, com o filho
Miguel. O Parangolé de Prosa reunia outros jovens, que faziam
a sonorização das apresentações ou complementavam as histórias
com efeitos visuais: bolinhas de sabão, chapéus e máscaras.
Segundo a arte-educadora, as histórias foram uma forma encontrada
por ela para lidar com os conflitos da adolescência do filho,
hoje com 23 anos.
Indagada sobre qual seria
sua história preferida, Malu não demora a responder: “Gosto
de todas as histórias que eu conto”. Ela frisou, todavia,
que não se sente atraída por fábulas. “Gosto de histórias
mais sutis, sem uma moral definida. Elas atingem as pessoas
mais profundamente”. Malu afirmou ter encontrado nesta tradição
milenar uma forma antropológica de levar às pessoas uma mensagem
positiva e de reflexão. Em seu repertório estão contos de
Marina Colassanti como Entre o leão e o unicórnio (o leão
é um dos fantoches de Malu) e histórias de Eduardo Galeano
retiradas de O livro dos abraços.
A
arte-educadora realçou que está sempre incorporando histórias
novas. A África também é fonte na qual ela tem buscado inspiração.
A oficina “Contando a África”, por exemplo, ministrada por
Malu em parceria com a contadora de histórias e bibliotecária
Jacqueline Françoise, da Biblioteca Central Cesar Lattes da
Unicamp, foi realizada no 17° Congresso de Leitura do Brasil
(Cole), em 2009, com três grupos diferentes. Escritores africanos,
como o moçambicano Mia Couto, com seu conto O gato e o escuro,
foram escolhidos pelas arte-educadoras. Outra parceira de
Malu na Unicamp foi a regente e cantora Ana Salvagni. Unindo
a música à narração, elas realizaram o projeto “Contos e Cantos”,
promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários
da Unicamp e pela Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural
(CDC), em 2007.
A Galeria também já abriu
as portas para as oficinas de Malu. Em 2006, o projeto “Contando
Contos” foi premiado pelo Fundo de Investimentos Culturais
de Campinas (Ficc) e o espaço de artes recebeu cerca de 200
professores para ouvir a arte-educadora. Ao final, Malu organizou
com a CDC um evento para crianças de escolas públicas da Unicamp
e do distrito de Barão Geraldo, em que educadores que participaram
da oficina também contaram suas histórias.
Como contadora de histórias,
Malu usa artifícios e adereços que a identificam. Um exemplo
são os xales. “Quando vou contar uma história, coloco o xale,
e as crianças ficam em silêncio, porque sabem que a história
vai começar”. Fantoches, bolhas de sabão e os bonecos também
são outros adereços usados para incrementar a narração. “Não
consigo incorporar personagens como no teatro, mas sim contar
histórias de personagens”, revelou Malu.
Boneca
Ofélia é uma boneca que faz
parte da vida de Malu desde quando se tornou contadora. O
teatro de sombras de Ofélia, do escritor alemão Michael Ende,
narra a história de uma velhinha que sonhava ser atriz de
teatro. Por ter a voz fraca para atuar, Ofélia ficava escondida
no palco e os atores recorriam a ela para relembrar as falas,
que a protagonista por fim decorou. Com o tempo, o teatro
da cidadezinha foi fechado. Solitária, a velhinha encontrou
uma sombra sem dono e a levou para casa. Outras sombras na
mesma condição resolveram morar com ela e para discipliná-las
ela as ensinou textos do teatro.
Sobre esta história, que traz
no final um ensinamento sobre a morte, Malu relembrou um momento
mágico. Em 1998, durante um encontro de capacitação de professores
realizado na cidade alagoana de Marechal Deodoro, houve um
blecaute quando Malu iria se apresentar. Sem microfone ou
luz elétrica, a arte-educadora narrou a história apenas com
a luz do sol que entrava por uma fresta da porta enquanto
a sombra da boneca era refletida na parede. Ao final da apresentação,
algumas pessoas se emocionaram. Frequentemente, Malu alia
narração e atividades plásticas e ensina os participantes
a fazerem pequenas bonecas e outros artefatos. Ela divertiu-se
ao relembrar que crianças já vieram lhe contar que a bonequinha,
de origem russa, era um amuleto da sorte, e até realizava
desejos.
Malu irá ministrar o minicurso
“Histórias sem fim” durante o III Simpósio de Profissionais
da Unicamp. O minicurso será no dia 17 de maio, às 18 horas,
na sala PB11 no Ciclo Básico 2.
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