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SOB MEDIDA
Equipamento da FEQ permite
produção de órteses e próteses personalizadas
O que era considerado ficção
científica, hoje já é realidade na Faculdade de Engenharia
Química (FEQ) da Unicamp. A aquisição de um equipamento
denominado Sinterização Direta de Metais por Laser (DMLS
– Direct Metal Laser Sintering) permite produzir próteses
e órteses personalizadas, utilizando titânio – metal biocompatível,
para reparação de defeitos ósseos, que diferentemente dos
processos convencionais, exibem excelente conformidade anatômica,
por terem sido projetados especificamente para o paciente.
Partindo de imagens médicas digitais (tomografia computadorizada
ou ressonância magnética) realizadas em pacientes com defeitos
ósseos ou acidentados e tratadas em software específico,
um modelo 3D é gerado. Por meio da técnica de prototipagem
rápida, a peça é construída por deposição, camada a
camada. Depois de pronta, a estrutura de titânio em forma
de malha recebe uma camada de cimento ósseo ou biocerâmica,
biomateriais desenvolvidos especificamente para essa função.
Para peças complexas, o processo demora em média cerca de
uma semana para ficar pronto e a previsão de fabricação
é de três peças a cada sete dias. De acordo com o professor
Rubens Maciel Filho, coordenador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris),
a técnica permite dinamizar o tempo de cirurgia em 30% e,
ademais, a metodologia totalmente planejada evita possíveis
testes durante o procedimento cirúrgico. “É muito mais
rápido e seguro em termos de possíveis contaminações e
infecções”, declarou Maciel. A Unicamp é a primeira instituição
de ensino e pesquisa do hemisfério sul a receber um equipamento
desse porte, que teve um custo de R$ 1,4 milhão.
Tradicionalmente,
a prototipagem rápida tem sido muito utilizada na indústria
e na engenharia de produtos como meio de produção de protótipos
fiéis em curto espaço de tempo, com os ganhos voltados principalmente
para o custo. Mais recentemente, essa técnica teve sua aplicação
estendida para a área médica, principalmente no que diz respeito
à fabricação de implantes e próteses personalizados, estudo
da anatomia e planejamento cirúrgico que compreendem importantes
campos de pesquisa. Entre os defeitos congênitos, as anomalias
craniofaciais (ACF) constituem um grupo altamente diverso
e complexo que, em conjunto, afeta uma significante proporção
de pessoas no mundo. Além dos casos de deformidades congênitas,
há ocorrências de defeitos craniofaciais adquiridos em função
de outras patologias, como os tumores, por exemplo. Nas últimas
quatro décadas, um volume crescente de casos de trauma facial
tem sido observado, tendo estreita relação com o aumento de
acidentes automobilísticos e a violência urbana. Em todos
os casos, a reabilitação craniomaxilofacial faz parte do processo
de reintegração do paciente à sociedade e promoção do bem
estar e qualidade de vida das pessoas.
O
conceito de biofabricação consiste em utilizar técnicas de
engenharia com utilização de biomateriais para construção
de estruturas tridimensionais para fabricação e confecção
de substitutos biológicos que atuarão no tratamento, restauração
e estruturação de órgãos e tecidos humanos. Para a representante
da FEM no Biofabris, professora Cecília Zavaglia, as pesquisas
na Unicamp sobre os esses novos materiais avançaram muito
nos últimos anos. Zavaglia inclusive foi orientadora de uma
tese de doutorado responsável pelo desenvolvimento de um cimento
ósseo à base de [alfa]-fosfato tricálcico, cuja principal
aplicação é o preenchimento de defeitos faciais ocasionados
por acidentes ou doenças congênitas. “Estamos trabalhando
há bastante tempo vários pontos em biomateriais e já identificamos
avanços que podem ser feitos. Com a criação desse Instituto,
poderemos colocar esses conhecimentos e juntos termos algo
pronto para ser aplicado”, assegurou a docente.
Para o pesquisador André Jardini,
também da FEQ, atualmente fala-se muito nesse desenvolvimento
de próteses, biomateriais, reparação de defeitos, no entanto
tudo isso já está consolidado. Porém, outro objetivo do INCT
é desenvolver, também através da técnica de prototipagem rápida,
órgãos artificiais e tecidos. “Ao invés de colocarmos o biomaterial
na máquina, é possível a impressão direta de células ou de
células encapsuladas em estruturas poliméricas do próprio
paciente e, a partir daí, conseguir estruturar a formação
de órgãos, como a bexiga, por exemplo, procedimento que já
está sendo feito em algumas instituições norte-americanas”,
disse Jardini. A técnica permite também construir um scaffold,
que é um suporte poroso de material bioreabsorvível (biocompatível
que degrada no corpo humano) colonizado por células vivas
que crescerão com design do corpo humano a ser regenerado.
Dentro de um bioreator, o novo órgão é desenvolvido. “Seria
um processo substitutivo à doação de órgãos”, resumiu.
No entanto, isso demanda muita
pesquisa, pois são diferentes níveis de dificuldade para diferentes
tecidos ou órgãos e seus diferentes tipos de aplicação. “Para
restaurar osso e pele é muito rápido. Estamos apenas aguardando
o aval da Comissão de Ética do Hospital de Clínicas (HC) da
Unicamp para fazer a cirurgia”, revelou Maciel. Com relação
à reconstrução de órgãos, além da pesquisa, necessita fundamentalmente
de uma forte interação entre biólogos, engenheiros e médicos,
mas isso não está diferente do que está acontecendo ao redor
do mundo, alerta o coordenador. Existem, segundo ele, institutos
que já estão trabalhando nesse campo há mais tempo, porém,
com a competência formada na Unicamp há uma capacidade enorme
de absorção desses conhecimentos e de colocar isso em prática
muito rapidamente. “A finalidade do Biofabris é estar no estado
da arte e avançar junto com alguns poucos centros de alto
desempenho no mundo”, ressaltou.
O
Biofabris possui representante na Faculdade de Ciências Médicas
(FCM), o professor William Belangero, que desenvolve pesquisas
em biomateriais para ortopedia, e parceiros, como o cirurgião
plástico Paulo Kharmanandayan. Para Belangero, interações
como essa entre diferentes áreas do conhecimento são extremamente
importantes nos dias atuais. E no caso da ortopedia isso se
reveste de uma importância ainda maior porque se trata de
uma especialidade médica que utiliza muitos implantes de materiais
de todos os tipos – metálicos, poliméricos e cerâmicos. O
ortopedista esclareceu que há uma busca constante por uma
melhor qualidade desses materiais que serão a fonte de fabricação
dos implantes, com o objetivo de atingir uma performance cada
vez melhor no tratamento das lesões ortopédicas e traumáticas
que envolvem o aparelho locomotor. “Porém, é também objetivo
fundamental aprimorar as ferramentas que utilizaremos na fabricação
desses implantes e, ainda, nos novos conceitos de tratamento”,
garantiu Belangero.
Maciel prosseguiu com as expectativas,
deixando bem claro que a intenção do INCT é formatar e implantar
um curso de pós-graduação, no qual todos os alunos terão uma
visão integrada de todo o processo. Na opinião de Jardini,
esse curso seria uma semente para formar pessoas capazes de
fazer a ponte e gerar conhecimento nacional para posteriormente
aplicar isso nas pessoas.
Biofabris reúne
três unidades
O Biofabris é um dos nove
INCT com sede na Unicamp e um dos 44 no Estado de São
Paulo. O programa está sob a responsabilidade do Ministério
de Ciência e Tecnologia (MCT) e é organizado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp). Na Unicamp, além da FEQ, participam
do Biofabris a Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
e a Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Tem ainda como
parceiros a Escola de Engenharia de São Carlos (USP);
o Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de
Clínicas (HC) da USP; a Escola Paulista de Medicina (EPM);
o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen);
o Centro de Tecnologia em Informação Renato Archer (CTI);
o Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC-SP; o
Laboratório de Biomateriais da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Divisão de Processamento
e Caracterização de Materiais do Instituto Nacional de
Tecnologia (INT).
Essa união de competências
e conhecimentos adquiridos há muito tempo, segundo Maciel,
é responsável pelo desenvolvimento de técnicas que até
então estavam muito distantes do alcance da população.
“Hoje temos um ferramental e conceitos envolvidos, máquinas
para tornar realidade o que era quase uma ficção, mesmo
nos países mais desenvolvidos. Além dos benefícios imediatos,
como restaurar a qualidade de vida dessas pessoas, estamos
capacitando recursos humanos e buscando competência técnica
para que esses conhecimentos sejam expandidos para uso
da população brasileira”, afirmou o coordenador.
Ainda de acordo com o
coordenador do Instituto, a população brasileira estava
privada da junção de conhecimentos que pudesse levar a
uma qualidade de vida melhor. “Se não começarmos, um novo
processo não se inicia”, disse. Para o coordenador, não
se trata de começar do zero, já que o projeto possui a
experiência de vários professores e, também, das parcerias.
São pessoas que trouxeram o conhecimento e, associados
a uma parte computacional, têm um ferramental diferenciado.
Artigo
Motisuke, M.; Carrodeguas, R. G.; Zavaglia,
C. A. C.; A Comparative Study between alpha-TCP and
Si α-TCP Calcium Phosphate Cement; Key Engineering
Materials, 396-398, pp. 201-204, 2009.
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