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Logística brasileira, um adversário
da
exportação de produtos diferenciados
Tese analisa questões
relativas à armazenagem e
transporte
de grãos com propriedades
especiais
As
limitações da logística brasileira, que colocam o país em
uma situação de desvantagem na disputa pelo mercado internacional
de grãos, constituem um entrave ainda maior para a exportação
dos produtos considerados diferenciados (soja com maior teor
de proteína, por exemplo), dado que estes exigem condições
especiais de armazenagem e transporte. A conclusão faz parte
da tese de doutoramento da engenheira agrônoma Andréa Leda
Ramos de Oliveira, apresentada ao Instituto de Economia (IE)
da Unicamp. No trabalho, orientado pelo professor José Maria
da Silveira, do Núcleo de Economia Agrícola do IE, a autora
analisa os efeitos da segregação dos grãos diferenciados na
logística de transporte e armazenagem do Brasil e suas consequências
para a compe- titividade do país, no contexto das regras impostas
pelo Protocolo de Cartagena de Biossegurança (PCB).
De acordo com Silveira, a
tese desenvolvida por Andréa é inovadora porque trata conjuntamente
de três temas importantes: logística, inovação tecnológica
e regulação dos mercados. Ele explica que a ideia de trabalhar
tais questões surgiu de um seminário apresentado na Unicamp
pelo professor Maurício Lopes. Na oportunidade, o pesquisador
descortinou um painel mostrando como os produtos agrícolas
têm vertentes diversas. “Ele destacou, por exemplo, que os
consumidores estavam desconfiados dos produtos excessivamente
processados pela indústria, ao mesmo tempo em que se mostravam
cada vez mais exigentes com os diferenciais apresentados por
outros produtos, princi- palmente por questões relacionadas
à preservação da saúde”, explica.
Motivou o trabalho a percepção
de que há uma tendência de crescimento do mercado para os
produtos diferenciados, que no futuro próximo irão incluir
itens destinados a faixas etárias variadas, como grãos enriquecidos
com ferritina, indicados às mulheres com mais de 50 anos.
“Esse era um tema de pesquisa que nos interessava, principalmente
porque permitia a associação com a questão das regras criadas
pelo PCB, que é um acordo multilateral de biossegurança. A
particularidade é que o artigo 18.2a do PCB, ainda em discussão,
imporia uma demanda de segregação semelhante àquela necessária
para a diferenciação de grãos. Faltava, porém, a parte da
logística. Quando conheci a Andréa em um evento científico,
vi que ela era uma grande conhecedora dessa área. A partir
desse contato, resolvemos unir nossas competências e investigar
esses pontos na tese”, relata o docente do IE.
Conforme
a autora, o grão diferenciado considerado na pesquisa foi
a soja transgênica. O produto foi escolhido por apresentar
um expressivo crescimento da produção no país e por se constituir
na principal commodity transacionada no mercado mundial, considerando
tanto as variedades convencionais quanto as geneticamente
modificadas. “Como sempre trabalhei com logística, sabia que
a infraestrutura do país não está adequada para fazer com
que os nossos produtos agrícolas alcancem um valor justo no
mercado internacional. Ora, se não estamos dando conta de
fazer o escoamento de cargas que não precisam de cuidados
mais específicos, como armazenagem cativa ou transporte segregado,
como vamos dar conta de garantir competitividade a produtos
que exigem maior grau de segurança?”, questiona.
A resposta que emergiu da
pesquisa a esta pergunta foi a esperada. Ao visitar propriedades
agrícolas e regiões produtoras, graças a um financiamento
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e do Conselho de Informação em Biotecnologia (CIB),
Andréa constatou a existência de gargalos importantes em relação
ao escoamento da soja transgênica. “O país se ressente de
um número maior de unidades para a armazenagem cativa. Além
disso, os armazéns existentes estão mal-localizados, pois
ficam distantes das fazendas. A maior concentração está fora
da zona rural. Outro problema é que o transporte da carga
até os portos é feito principalmente por caminhões, o que
pode encarecer o preço final do produto em até 30%. Infelizmente,
o Brasil ainda usa muito pouco os modais ferroviário e hidroviário,
que seriam os mais indicados para escoar a sua produção agrícola”,
afirma.
A pesquisadora assinala que
os portos também concentram problemas para a operacionalização
das cargas, pois enfrentam com frequência a falta de equipamentos,
excesso de burocracia e carência de mão de obra especializada
para realizar o trabalho. “Esse tipo de operação exige, por
exemplo, a presença de pessoas para certificar a carga. Normalmente,
é preciso contratar uma empresa terceirizada, que se encarrega
de realizar testes laboratoriais de amostras do lote tanto
nos pontos de transbordo quanto no próprio porto. O objetivo
é verificar quanto de soja transgênica tem na carga. Tudo
isso gera custos, que obviamente são transferidos ao preço
final do produto e também contribuem para reduzir a margem
dos produtores agrícolas”, esclarece a autora da tese.
Em relação ao Protocolo de
Cartagena, acrescenta Silveira, o acordo criou uma espécie
de armadilha ao Brasil. Embora tenha caráter multilateral,
o documento dá o direito a alguns países, principalmente os
compradores como os países da EU, China e Índia, de proteção
caso se sintam ameaçados pelo fluxo de organismos vivos geneticamente
modificados. Assim, eles acabam impondo barreiras a esse comércio,
o que prejudica os parceiros produtores. Diante dessa realidade,
Andréa desenvolveu para a sua tese, em colaboração com o pro-
fessor Augusto Alvim, da PUC-RS, um modelo econométrico (Modelo
de Equilíbrio Espacial) que pudesse propiciar a orientação
de políticas mais eficazes, capazes de dar suporte a novos
investimentos no setor.
Por
meio desse modelo, a enge- nheira agrônoma conseguiu avaliar
o impacto da segregação da soja transgênica na cadeia logística.
Andréa entrevistou os principais agentes do setor, divididos
em três grupos: 1) tradings que operam no mercado de soja,
além de cooperativas e associações de produtores; 2) empresas
de transporte rodoviário e hidroviário, incluindo as tradings
que possuem empresas e/ou detêm parte das operações logísticas
e 3) principais laboratórios e certificadoras. A partir dos
dados obtidos, a pesquisadora traçou três cenários distintos.
Sobre o primeiro, que serviu de controle, não foram incididos
custos com os testes e armazenagem segregada. A movimentação
se deu apenas com base nos custos de transporte.
Em relação ao segundo, classificado
de “moderado”, foram adicionados os custos com os testes laboratoriais
no ponto de embarque, no porto e no navio. Ao terceiro, denominado
“rigoroso”, foram adicionados os custos com os testes para
dois eventos transgênicos, a partir de medidas mais restritivas
impostas pelo Protocolo de Cartagena. “Em relação ao cenário
2, as perdas monetárias foram da ordem de US$ 1,57 bilhão,
o equivalente a 13,8% das divisas geradas pelas exportações
de soja. Já no cenário 3, as perdas comerciais atingiram US$2,01
bilhões, ou 17,6% das divisas capta- das com a exportação
brasileira de soja em 2009”, assinalou Andréa.
Ainda
de acordo com a autora da tese, os dois cenários mostraram
que medidas muito restritivas acabam impactando fortemente
na logística e forçando a um novo arranjo espacial de escoamento
da safra. “Embora tenha sido aplicado ao caso da soja transgênica,
esse tipo de modelo econométrico pode ser usado também para
outros produtos que requeiram uma logística específica, como
frutas, hortaliças, flores, carnes etc”, diz. Conforme Silveira,
o trabalho também se preocupou em mostrar os desafios e alternativas
caso os transgênicos não fossem tratados como produtos diferenciados,
mas sim como commodities aprovadas. “Como isso seria praticamente
im- possível, dado que os organismos geneticamente modificados
têm especificidades relacionadas à biosse- gurança, a opção
que resta aos países signatários do Protocolo de Cartagena
é levar a sério duas instituições. A primeira relaciona-se
com a informação. O protocolo dispõe de um site no qual os
signatários deveriam registrar os dados acerca de regiões
produtoras, novas tecnologias, problemas de segurança, novas
aprovações etc. Infelizmente, o Brasil é um dos poucos que
levam essa questão a sério”, afirma o docente do IE.
A segunda instituição que
precisa ser valorizada, prossegue Silveira, é a documentação,
inclusive por parte do Brasil. “É preciso fortalecer o uso
de sementes fiscalizadas. Se isso for feito, não haverá a
necessidade de ficar pagando toda uma cadeia de rastrea- bilidade,
pois já se sabe de antemão sobre a idoneidade da carga. Desse
modo, os importadores poderiam confiar nos documentos. Aliás,
é esse clima de confiança mútua que precisa ser instalado
nesse segmento”, defende o especialista. Segundo Andréa, seu
trabalho está tendo continuidade no âmbito do Instituto de
Economia Agrícola (IEA), ligado à Secretaria de Agricultura
e Abastecimento do Estado de São Paulo. Entre os objetivos
estão simular novas cenários e propor melhorias no transporte
em determinadas rotas de escoamento.
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Publicações
- OLIVEIRA, A. L. R.; SILVEIRA, J. M. F. J. O sistema logístico
brasileiro e os impactos da segregação dos grãos diferenciados:
desafios para a competitividade do agronegócio. In: Di Leo,
N.; Montico, S.; Nardón, G.. (Org.). Avances en Ingeniería
Rural 2007-2009. Rosario: UNR Editora, 2009, p. 1159-1168.
- OLIVEIRA, A. L. R.; SILVEIRA, J. M. F. J. From the compliance
costs of Cartagena Protocol to the generation of new opportunities
created by segregation of new GM crops in Brazil. In: 14th
International Consortium on Agricultural Biotechnology Research
(ICABR) Conference, 2010, Ravello. Anais do 14th International
Consortium on Agricultural Biotechnology Research (ICABR)
Conference, 2010.
- OLIVEIRA, A. L. R.; SILVEIRA, J. M. F. J. O sistema logístico
brasileiro e os impactos da
segregação dos grãos diferenciados: desafios para a competitividade
do agronegócio. In: X Congresso Argentino de Ingeniería Rural
y del II del Mercosur y CIGR Section V International Symposium,
2009, Rosario. Anais do X Congresso Argentino de Ingeniería
Rural y del II del Mercosur y CIGR Section V International
Symposium, 2009.
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