Desenvolver
um novo método de fabricação de nanocanais e medir os complexos
mecanismos de transporte que atuam neles. Estas foram as
principais contribuições do Grupo de Nanoestruturas e Interfaces,
coordenado pelo professor titular do Instituto de Física
“Gleb Wataghin” (IFGW) Omar Teschke, no artigo recentemente
publicado na revista inglesa Nanotecnology, de alto impacto
na área. Assinam o trabalho, além de Teschke, o aluno de
pós-graduação do IFGW Juracyr Valente e a professora Elizabeth
Fatima de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUC-Campinas). Financiada pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa
descreve nanocanais desenvolvidos por meio de varreduras
em condensados de água. Nanocanais são normalmente utilizados
na separação de compostos de acordo com o seu tamanho.
Em geral, em nanoestruturas feitas de tubos
de carbono, comenta o físico que é ligado ao Departamento
de Física Aplicada, é muito difícil encontrar um método
específico para medir como o escoamento do fluido evolui
no tempo e qual a sua distribuição dentro dele. “O que fizemos
foi, ao invés de usar um nanotubo de carbono, criar uma
estrutura de nanocanais feita ao ar, usando um microscópio
de força atômica (AFM). Fizemos uma varredura em cima da
mica, um mineral antes utilizado como isolante no ferro
de passar roupa.” A vantagem de usar a mica, explica Teschke,
é que se trata de uma superfície plana e com ela é possível
produzir uma superfície limpa, bastando para isso “descamá-la”.
Com o experimento, inicialmente verificou-se
a relevância do efeito Kelvin – teoria formulada pelo físico
inglês Lord Kelvin – que descreve o que ocorre numa estrutura
rugosa de pequenas dimensões (micrometros) por onde se escoa
um fluido; as moléculas vão sair dos locais convexos para
irem aos locais côncavos. No entanto, se as dimensões do
tubo são muito pequenas, não vai haver escoamento.
Segundo Teschke, o que existe na área são
pesquisadores atuando em simulações e modelos teóricos.
“Nós medimos e mostramos que esse efeito que estava sendo
aplicado não era significativo. A limitação é que, se a
dimensão do tubo for muito menor que o livre caminho médio
do vapor, ou do gás, não existe realmente o transporte.
Então o fluido não vai escoar e não poderá ser utilizado
na microfluídica”.
O mecanismo que nivela o depósito de água
é 104 vezes mais lento do que o calculado pela teoria. Para
observar a estrutura da água, foi utilizado então o AFM,
que possui resolução suficiente para visualizar moléculas
de água condensada à superfície (a água condensa quando
é uma camada muito fina), e é possível determinar inclusive
qual é a estrutura do gelo, se hexagonal ou cúbica.” (Veja
figura abaixo).
A princípio, o Grupo de Nanoestruturas
e Interfaces observou que, quando se coloca a mica à temperatura
ambiente de 25 graus e com umidade de 65 graus, a água se
condensa em cima do material, não como água, porém como
gelo, com uma espessura de alguns nanômetros (10-9 m). Este
é um método fácil de fazer uma nanoestrutura, já que se
trata de uma estrutura onde uma das dimensões é da ordem
de nanômetros.
O próximo passo foi fazer uma série de
nanocanais em cima dessa superfície de gelo, já que se pretendia
verificar como evolui tal estrutura. Usando um AFM, varreu-se
a superfície com uma ponta de nitreto de silício (chamada
tip), com dimensões ultrafinas (de 5 nanômetros), desenhando-se
ranhuras separadas e formando um padrão. Um programa faz
o tip se deslocar da direita para a esquerda, voltar, descer
alguns nanômetros e assim fabricar um padrão. O resultado
foi que se viabilizou uma série de ranhuras, com uma dimensão
de nanômetros. Esta foi a primeira parte do trabalho, relata
Omar Teschke, “formar nanoestruturas de uma maneira relativamente
fácil” – a outra maneira de desenvolver o processo seria
empregando nanolitografia, um processo mais complexo.
Feito o padrão, os pesquisadores do Grupo
partiram para averiguar como foi a sua evolução, isto é,
a sua evolução no tempo. O desafio seria determinar que
mecanismos relevantes atuariam na camada de água. Alguns
trabalhos teóricos anteriores, em que foi estudado o escoamento
de água dentro de um nanocanal, reforçava a ideia de que
esse escoamento sofre uma forte influência da natureza da
superfície, hidrofobicidade ou hidrofilicidade – a capacidade
da superfície de repelir ou atrair água.
Ocorre que esses trabalhos não tinham valores
experimentais para ajustar seus parâmetros. “Nós conseguimos
isso olhando como é a evolução do perfil do canal no tempo
e aí determinamos os mecanismos que atuam no processo. O
que descobrimos foi que água, a uma espessura de alguns
nanômetros, é sólida, não líquida. Então agora tínhamos
um sólido e queríamos ver como ele evoluía no tempo, como
ele ‘escoava’”, contextualiza Teschke.
De
acordo com ele, através do microscópio observou-se que as
imagens vão se alargando e, assim, é possível perceber que
existe algum mecanismo atuando localmente. “É um sólido
que aparece estático, mas que está variando no tempo”, revela.
Para avaliar esse tempo, o grupo lançou
mão de um novo método. O primeiro método com o qual se tentou
fazer isso, afirma o professor, foi através do arranjo de
nanocanais e depois realizando uma varredura a 90 graus
para constatar como se comportava a superfície. O problema
é que a passagem do tip alterava o formato do canal, pois
o mesmo é “duro”, o gelo é relativamente “macio” e, além
disso, está escoando. Um outro método consistiu em cobrir
esse perfil com uma camada de metal e levando-o a um microscópio
de transmissão para vários intervalos depois da fabricação.
Depois de algum tempo, os pesquisadores
constataram que não era preciso proceder a uma nova varredura.
Tinha uma maneira mais fácil de fazer isso, que consistia
em utilizar a volta da varredura e medir o volume escoado
para a região do canal. “Deste modo, pode-se determinar
a evolução do perfil, já que observávamos o que era coletado
na varredura da direita para a esquerda, lembrando-se que
o canal é feito na varredura da esquerda para a direita.”
Após ainda um intervalo de tempo, as paredes
do canal começavam a escoar. “Quando voltamos com a ponta
no mesmo percurso, pudemos determinar quanto material estava
ocupando o canal original. Medindo o seu volume, determinamos
a constante de tempo que queríamos”, realça. “A imagem feita
em microscópio dos depósitos à esquerda dos canais era registrada
no computador no qual se consegue observar esses riscos
ou ranhuras”, expõe Teschke.
................................................
■ Publicações
- Teschke, O.; Valente Filho, J.F.; Souza, E.
Fatima. Drainage kinetics of nanochannels
fabricated in water films a few molecules thick
on mica at room temperature. Nanotechnology,
22:1-9, 2011.
- Teschke, O. Imaging ice-like structures formed
on HOPG at room temperature. Langmuir,
26:16986-16990, 2010.
- Teschke, O.; Valente Filho, J.F.; Souza, E.
Fatima. Imaging two-dimensional ice-like
structures at room tempera
Um equipamento de alta precisão
O microscópio de força
atômica é um instrumento
utilizado para medir forças
da ordem de 10-12
Newtons. O principal componente
desse microscópio é uma
pequena ponta, geralmente
de nitreto de silício, que está presa a uma microbalança.
Cobrindo quimicamente
a superfície dessa ponta com moléculas da substância que contém o grupo
funcional que se pretende estudar, e aproximandoa da amostra com a qual
deve interagir, é possível sondar forças de adesão
entre grupos moleculares.
O AFM, lembra Teschke,
foi uma aplicação do microscópio STM (Scanning
Tunneling Microscope). Ele
empregava um substrato metálico e uma ponta ultrafina,
de alguns angstroms (10-10m) de diâmetro, e varrendose uma superfície da direita
para a esquerda era possível
fazer um perfil da superfície
que, combinado com perfis
mais abaixo, formava uma imagem como num televisor.
Resulta disso um arranjo periódico que reflete a estrutura
atômica da superfície. O que
se mediu originalmente foi
a corrente que ali passava,
intitulada Tunneling, que é
medida no microscópio de
varredura de tunelamento.
Na época em que Teschke
estava fazendo o doutorado
em Berkeley, já se começava
a investigar esse microscópio. O problema estava nos
scanners, dispositivos que
deslocam o substrato a uma
distância determinada, de
100 angstroms, por exemplo,
voltando à posição original
exatamente no mesmo ponto
com precisão de 1 angstrom.
Esse processo permite o
mapeamento de átomos ou
de moléculas em geral separadas por alguns angstroms.
Tanto se trabalhou nessa
tecnologia que finalmente o
pessoal da IBM Zurique conseguiu, na década de 1970,
desenvolver bons scanners
sem histerese (tendência de
um material ou sistema de
conservar suas propriedades
na ausência de um estímulo
que as gerou) e vibrações.
Gerd Binnig e Heinrich Rohrer idealizaram os primeiros microscópios de tunelamento e, com isso, ganharam
o Prêmio Nobel de Física
em 1986. Depois seguiu-se
um tipo de microscópio que
detecta a força de atração ou de repulsão entre a ponta e
o substrato. “É o AFM que
adotamos no nosso trabalho
e que foi desenvolvido na
Universidade de Stanford,
Califórnia, USA, por C.F.
Quate, que o professor Teschke conheceu em Berkeley.
O Grupo de Nanoestruturas e
Interfaces atua há mais de 15
anos nesta direção, quando
comprou o primeiro AFM
da firma alemã Topometric GMBH, que prossegue
em uso até o momento”.
Com os problemas tecnológicos resolvidos, hoje há
uma safra de novos microscópios com os quais são feitas imagens utilizando outros
efeitos, além da repulsão atômica e Corrente Tunneling