Pesquisadores desenvolvem combustível para
a aviação a partir de óleos vegetais
Grupo da FEQ avança na busca
de bioquerosene mais barato,
menos poluente e com alto grau de pureza
Da
redação
Uma
equipe da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp,
composta pelos professores Rubens Maciel Filho e Maria Regina
Wolf Maciel, e pelos pesquisadores César Benedito Batistella
e Nívea de Lima da Silva, desenvolveu tecnologia e depositou
patente, por meio da Inova/Unicamp, para um processo de
produção de bioquerosene a partir de óleos vegetais. O produto
poderá substituir com diversas vantagens o querosene usado
como combustível de aviões. Além de ser mais barata, essa
alternativa energética é menos poluente, pois não é emissora
de enxofre, de compostos nitrogenados, de hidrocarbonetos
ou de materiais particulados. Depois da patente, o próximo
passo é o estudo da produção em escala industrial. O grupo
pretende repassar a tecnologia para empresas interessadas
em produzir o bioquerosene.
O processo para sua obtenção
desenvolvido pela equipe da Unicamp é composto de duas etapas.
Na primeira, depois de extraído da planta e refinado, para
a retirada de impurezas, o óleo vegetal é colocado em um
reator, junto com o catalisador e uma quantidade pré- determinada
de álcool, no caso etanol. A quantidade de etanol utilizada
no processo foi otimizada através de extensivos estudos
e é um ponto importante do processo. “O papel do catalisador
é acelerar a reação química e fazer com que ela ocorra em
uma temperatura mais baixa”, explica Maciel Filho.
Dentro do reator ocorrem
as reações de transesterificação e / ou esterificação que
levam à formação do éster (bioquerosene). A reação do álcool
com o óleo vegetal é chamada de transesterificação.
O etanol foi o álcool escolhido
pela equipe para o processo, por ter baixa massa molar e
ser um reagente não-agressivo e renovável. Ele reage com
o ácido graxo, dando origem ao bioquerosene. Além disso,
o processo gera como subprodutos glicerina, água e o que
sobra do etanol não consumido nas reações. Após a separação
desses compostos indesejados, o óleo fica mais fino e com
menor viscosidade.
A produção de um biocombustível
a partir de óleos vegetais é conhecida. A inovação agora
é sua qualidade específica e seu uso em produtos aeronáuticos
dentro de padrões mais exigentes. Outra novidade deste processo,
nessa fase da tecnologia desenvolvida pela equipe da Unicamp,
é o balanço preciso das diversas variáveis envolvidas nas
reações químicas e também a purificação as quais resultam
no bioquerosene com as propriedades desejadas. “Para se
obter alta conversão de óleo vegetal em bioquerosene e maximizar
a produção no menor tempo possível é preciso saber as quantidades
exatas a serem usadas de cada componente da reação e definir
as condições apropriadas de operação”, explica Maciel Filho.
“É preciso dosar com precisão a proporção de óleo vegetal,
álcool e catalisador, além da temperatura mais adequada”,
acrescenta.
Mas isso não é tudo. Trata-se
apenas da primeira etapa da produção do bioquerosene. A
segunda, a mais importante, é a separação de todos os produtos
da reação, ou seja, o isolamento do éster, do catalisador,
da água e da glicerina. Reside aí a grande inovação do processo
de produção do bioquerosene desenvolvido pela equipe de
Maciel Filho. O isolamento é feito em uma unidade de separação
intensificada, em condições de temperatura e pressão que
possibilitam a obtenção do bioquerosene de forma economicamente
viável e que atende aos requisitos para o querosene de aviação
estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Análises
Esse último ponto foi confirmado por análises realizadas
na Unicamp e no Instituto de Pesquisa Tecnológicas de São
Paulo (IPT). Na verdade, não existem, no Brasil, instituições
que possam atestar se o produto obtido atende às especificações
do querosene de aviação. “Contudo, os resultados das análises
feitas na Unicamp e no IPT foram comparados com a Tabela
de especificação do querosene de aviação da ANP”, explicam
os pesquisadores. “Ficou demonstrado que o bioquerosene
possui características semelhantes às do querosene de aviação.”
Embora haja uma série de
pesquisas e diversos biocombustíveis sendo testados em várias
partes do mundo, inclusive no Brasil, a equipe não identificou
processo/produto similar ao desenvolvido. Apesar de ser
comentada a existência de experimentos e realizações de
testes fazendo uso de bioquerosene, não foi identificada
patente na literatura técnica que fizesse uso do mesmo processo,
comenta Maciel Filho. “Também não foi encontrado no mercado
produto identificado como bioquerosene”.
O professor da FEQ ressalta
que pode não haver um produto exatamente igual, mas já existem
companhias aéreas com aviões voando experimentalmente movidos
a biocombustíveis. É o caso da americana Continental Airlines,
que anunciou recentemente a realização do primeiro vôo de
demonstração, com o uso de biocombustível, realizado no
dia 7 de janeiro em Houston, no estado do Texas, nos Estados
Unidos. Assim, as pesquisas realizadas pelo grupo da Unicamp
podem contribuir com o desenvolvimento de processos de produção
viáveis para a obtenção de biocombustíveis para a aviação
por propulsão a jato, um segmento importante nos transportes,
estando no âmbito do empenho mundial na redução da emissão
de poluentes, avaliam os pesquisadores.
Os biocombustíveis, como
o bioquerosene, têm ainda outra vantagem em relação aos
combustíveis tradicionais: eles são provenientes de fontes
renováveis. “Além disso, sendo produzido a partir de fontes
renováveis e obtidas no País, o bioquerosene poderá contribuir
para a independência tecnológica nacional, além de agregar
valor à matéria-prima”, dizem os pesquisadores.