CARMO
GALLO NETTO
Não
são muitos os professores universitários brasileiros que
se propõem a elaborar livros didáticos para os cursos universitários,
principalmente nas áreas científicas e tecnológicas. É usual
no ensino superior brasileiro a adoção de textos originais
ou traduzidos, em sua grande maioria produzidos principalmente
por professores radicados em universidades americanas. Entre
as poucas exceções está a recém-lançada obra “Máquinas
Elétricas e Acionamento”, do professor Edson Bim, do Departamento
de Sistemas e Controle de Energia da Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp.
O texto atende às necessidades de duas disciplinas
obrigatórias ministradas no terceiro ano dos cursos de engenharia
elétrica. A primeira, que envolve os princípios de conversão
eletrônica, estuda os fundamentos de motores – que convertem
energia elétrica em mecânica –, e de geradores – que convertem
energia mecânica em elétrica. A segunda, que se atém às
máquinas elétricas, utiliza as ferramentas matemáticas e
os fundamentos físicos tratados na disciplina anterior para
deter-se nos equipamentos propriamente ditos – motores e
geradores. Nela se estuda o controle e o desempenho dessas
máquinas nas várias situações de uso. Isso é feito através
de modelagens consistentes em equações matemáticas exibidoras
de variáveis que permitem descrever e controlar o comportamento
do sistema de acionamento. O livro desenvolve a teoria necessária
a todas essas abordagens.
O professor Bim esclarece que vários dos
tratamentos utilizados no livro são clássicos. O que o diferencia
dos textos normalmente utilizados no Brasil, geralmente
traduzidos, é o enfoque mais atualizado. Explica que se
desenvolveram consideravelmente nas últimas décadas as estratégias
de controle vetorial de máquinas elétricas rotativas, graças
ao desenvolvimento da eletrônica digital. Embora essas estratégias
tenham surgido na década de 70, no Brasil esses conhecimentos
ainda não estão disseminados no ensino da graduação e pós-graduação,
sendo esta a característica atualizadora do livro.
A inovação, enfatiza ele, introduz no ensino de graduação
e de pós-graduação técnicas de controle que surgiram nos
últimos 30/35 anos e que, embora estejam incorporadas às
aplicações reais, não haviam sido ainda incorporadas formalmente
ao ensino de máquinas elétricas nos cursos de graduação.
“Essa foi a minha aposta”, afirma o autor.
Abordagem didática
Existem publicações, constata o professor Bim, que estudam
o tema com muito mais profundidade. No livro ele se preocupou
em fazer uma abordagem didática com vista à graduação, não
adotada em geral pelos livros oferecidos pelo mercado, trazendo
para o ensino de graduação o que no seu julgamento pareceu
mais interessante, com base em sua experiência de mais de
15 anos como professor e pesquisador. Ele considera que
os livros mais utilizados no Brasil ou descuidam da parte
didática ou não atendem, por varias razões, às necessidades
das nossas escolas. Diz que procurou trazer para a obra
toda a experiência de pesquisador, de professor e de grande
leitor que é de livros da área. O retorno que tem obtido
de professores que tiveram contato com a obra tem sido muito
positivo, o que determinou, já este ano, sua adoção em alguns
cursos de engenharia elétrica e mecatrônica do País.
Estruturado em 13 capítulos, o livro destina
os seis primeiros à disciplina que envolve a compreensão
dos princípios de conversão elétrica, os três seguintes
ao estudo das máquinas elétricas e os quatro últimos a aprofundamentos
ou à pós-graduação.
O primeiro capítulo aborda os conceitos magnéticos básicos,
com enfoque em circuitos equivalentes. No II são estudados
os transformadores, no III os princípios de conversão eletrônica
de energia e apresenta, no IV, alguns princípios básicos
de topologia e do funcionamento físico das máquinas elétricas.
Nos capítulos V e VI são trabalhados os vetores espaciais
que constituem uma modelagem matemática aplicada às máquinas.
São os que atendem ao ensino de conversões eletrônicas e
neles se localizam as principais inovações da obra.
Os capítulos VII, VIII e IX abordam as máquinas
elétricas propriamente ditas e neles se estudam seus três
tipos básicos: de indução, síncronas e de corrente contínua.
Os capítulos X a XIII estão voltados para um curso mais
avançado, e envolvem o estudo do comportamento dinâmico
das máquinas elétricas, sejam elas motores ou geradores.
Sobre as especificidades da obra, o professor Bim afirma
que a inovação em um trabalho didático não se traduz na
revelação de novos conhecimentos, como ocorre na pesquisa.
A publicação didática inova na organização
do conhecimento, no enfoque do autor, nas ênfases. Para
ele, o livro didático deve ter como objetivo principal facilitar
a leitura e o entendimento do aluno, o que exige que o autor
esteja centrado no leitor, na linguagem mais adequada e
na seleção do que no seu julgamento devem constituir as
ênfases.
Explica que existe uma massa crítica de
conhecimentos a ser explorada e que esse trabalho envolve
visão, maturidade, experiência, filosofia e resolução de
conflitos e problemas que a própria abordagem impõe e que,
muitas vezes, levam o autor aos seus limites. Para ele,
esse tipo de trabalho intelectual constitui “um ato extremamente
solitário que conduz por vezes a situações que precisam
ser resolvidas e das quais não se encontram soluções disponíveis.
É isso que torna o trabalho extremamente árduo, diferentemente
do que ocorre na pesquisa que se desenvolve em equipe.”
Para o professor, a própria dinâmica do
trabalho faz com que o autor sinta que o tempo lhe apontará
soluções melhores que as conseguidas, que muitas vezes surgem
quando ele está entregando o trabalho para a editora e não
há mais prazos para reformulações, o que o faz afirmar que
“todo o autor anseia por uma segunda edição”.
Ele faz questão de ressaltar que uma obra desse cunho resulta
da interação muito profícua de professor e aluno, pois é
impossível não lembrar, durante a sua elaboração, das dúvidas
recorrentes dos alunos, de suas perguntas instigantes, de
suas observações e participações efetivas. “Por isso julgo
que a atividade de ensinar é um processo em que os dois
aprendem”, afirma.
Peso da pesquisa
Nesse processo de criação o professor ressalta a influência
que a pesquisa exerce sobre a atividade docente. E lembra:
“No início da minha carreira, eu ensinava exatamente o que
sabia, e não sabia nada mais além do que ensinava. A experiência
e a vivência que as pesquisas propiciam alargam os horizontes
e ampliam os conhecimentos. A partir daí, o professor já
não é mais aquele que sabe por ter lido, mas aquele que
adquire conhecimentos com o fazer científico. Muitas vezes,
as dúvidas dos alunos são respondidas com base naquilo que
foi ou é pesquisado há vários anos. A atividade de pesquisador
influencia muito na minha didática, nos recursos que uso,
na forma como ensino. Permite e leva à constante interação
entre a aula e o que está sendo pesquisado na pós-graduação,
o que além de enriquecedor gera para docentes e discentes
uma atmosfera de muito conhecimento. Essas circunstâncias
propiciam a criação de uma linguagem, levam à percepção
de pontos que devem ser enfatizados, pois delineiam os caminhos
que as coisas seguem, e permitem que o docente estabeleça
a ponte entre teoria e prática. A pesquisa desenvolve confiança
e maturidade que apenas o conhecimento livresco não permite,
embora eu deva também confessar que fui ajudado pela quantidade
e qualidade dos livros que li”. O autor considera que os
últimos capítulos do livro são reveladores desse quadro
descrito.
Dois motivos moveram Bim à ideia da obra:
o fato de gostar de escrever e porque sentia falta de um
livro nacional que reunisse elementos atualizados no nível
adequado, com enfoque e estrutura diferentes do que encontrava
nos livros em uso. Moveu-o também a necessidade de criar
certa identidade em relação a uma concepção de ensino. A
ideia se solidificou e maturou ao longo dos últimos sete
anos. Nos dois primeiros, elaborou alguns capítulos de ensaio,
dedicando-se exaustivamente ao trabalho nos três últimos
anos.
Bim lamenta que esse tipo de contribuição
que muitos outros professores poderiam dar depois de atingir
certa maturidade no ensino e na pesquisa fique restrito
a reduzido número de docentes, porque na universidade brasileira
se valoriza pouco esse tipo de trabalho. E justifica: “O
livro não pode ser equivalente a determinado número de artigos
publicados em revistas; o livro é uma categoria de produção
que tem natureza própria. Por isso, essas comparações, embora
tragam caráter objetivo de análise, podem tornar-se equivocadas
concretamente”.
O docente defende que a universidade brasileira
deveria estimular mais esse tipo de trabalho propiciando
condições adequadas de produção, criando infra-estrutura
e promovendo a valorização dessa atividade.