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Uma luz contra apagões
Tecnologia permite religamento de linhas de
transmissão em intervalo de tempo menor
VANESSA
SENSATO
Especial para o JU
Pesquisadoras da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação
da Unicamp (FEEC) desenvolveram um novo processo que, se levado
à indústria, poderá ser um aliado no combate à ocorrência
dos apagões de energia elétrica. A professora Maria Cristina
Dias Tavares e a pesquisadora Patricia Mestas desenvolveram
um procedimento que permite o religamento das linhas de transmissão
do sistema elétrico em um intervalo de tempo menor do que
o usual, resultando em sobretensões muito menores, evitando
que ocorram efeitos em cascata, como no último apagão ocorrido
em novembro no país, que atingiu pelo menos 15 estados, causando
perdas em diversos setores. A Agência de Inovação Inova
Unicamp deu entrada a um pedido de patente nacional para a
tecnologia, por meio do INPI, e internacional por meio do
Patent Cooperation Treaty (PCT), acordo internacional que
garante a propriedade intelectual de um invento em 142 países
signatários por um período de até 18 meses.
Maria Cristina, professora
responsável pelo grupo de pesquisa e uma das autoras da patente,
explica que as linhas de transmissão de energia elétrica no
Brasil são trifásicas. “A tecnologia para religamento trabalha
com as três fases simultaneamente”, disse. Segundo a professora,
no último apagão vários eventos ocorreram simultaneamente.
Para ela, a grande incidência de descargas elétricas não deveria
colocar o sistema em perigo, mas em razão das descargas houve
uma elevação muito alta da tensão. “O que nós acompanhamos
no Seminário Nacional que aconteceu em novembro de 2009 em
Recife é que provavelmente houve um defeito no nível de proteção
da subestação, que estava atuando muito mais baixo. Portanto,
uma perturbação que não era tão severa acabou tirando o sistema”,
colocou a professora.
A professora explica que as
proteções do sistema no formato que temos hoje são cada vez
mais inteligentes e que removem trechos com defeito. Segundo
ela, num sistema normal a proteção abre as três fases da linha
e depois de um tempo as religa. Mas, no momento em que o sistema
é religado, há uma perturbação porque as tensões estão em
condição um pouco diferentes, podendo estar um pouco mais
altas, ou mais baixas. Essa variação causa uma perturbação
que depois desaparece com o tempo. “É um tempo que parece
curto, mas com o nosso processo podemos reduzir o tempo do
religamento de 1 segundo para 300 a 500 milissegundos”, diz
a professora.
Entretanto, embora o tempo
usual seja em torno de 1 segundo, às vezes em algumas linhas,
em função de uma perturbação maior que a usual, pode ser que
seja preciso esperar na faixa de minutos para que, quando
o sistema fechar, a tensão não esteja com três vezes o valor,
mas sim com 10%, 20% a mais, faixa na qual é mais seguro retomar
a linha. Para a professora, de duas a três vezes o valor da
tensão é muito pesado, e num sistema um pouco mais fraco,
pode acabar gerando um problema. “Você recupera o defeito
em um trecho de linha, mas vai estourar em outro, já que essa
perturbação se propaga”, avalia Maria Cristina.
É justamente no tempo de religamento
do sistema que atua o processo desenvolvido na Unicamp. Patricia
Mestas explica que a principal diferença da tecnologia proposta
é identificar com maior antecedência o instante ótimo para
o religamento de linhas de transmissão compensadas. “Isto
faz com que a nossa tecnologia atue mais rapidamente, recompondo
o sistema com mais rapidez e segurança”, afirma. Segundo a
pesquisadora, a tecnologia existente estima instantes futuros
para o religamento. “Já a tecnologia proposta traduz o sinal
de uma maneira mais simples, reduz significativamente o tempo
morto antes do religamento e, além disso, apresenta a mesma
eficiência para diferentes tipos de linhas com pouco ou alto
nível de compensação reativa”, compara.
A
professora afirma que o resultado do estudo é que com a redução
do nível da perturbação, o sistema todo fica mais robusto
e seguro. Para Maria Cristina, esse tipo de tecnologia tem
sido bastante desenvolvido. “Nossa tecnologia é uma contribuição
que tem grande área de aplicação. O caminho é esse: sempre
tentar fazer com que as perturbações sejam mais contidas de
modo que não ocorram problemas em cascata, como o que a gente
viu”, coloca.
O desenvolvimento da tecnologia
foi realizado no âmbito da pós-graduação de Patrícia, que
em seu doutorado deu continuidade a esta pesquisa e consolidou
o método desenvolvido no laboratório por meio de simulações
realizadas utilizando o software PSCAD/EMTDC na Unicamp.
Atualmente Patrícia está no Canadá com uma bolsa sanduíche,
onde teve a oportunidade de testar o algoritmo em um aparelho
de simulação em tempo real, o mesmo que o grupo no Brasil
pretende adquirir. “O algoritmo proposto foi implementado
num processador digital separado e, depois, este foi testado
no Simulador em Tempo Real (RTDS). Os resultados foram positivos
e muito semelhantes aos obtidos nas simulações prévias realizadas
no PSCAD”. A professora explica que, com o simulador, Patricia
conseguiu rodar testes num sistema elétrico e comprovar que
a proteção está atuando corretamente.
Vantagens
Uma das vantagens na técnica desenvolvida é o seu potencial
menor custo de implementação. Maria Cristina explica que,
para se religar a linha hoje, é preciso reativar a linha e
mais um equipamento auxiliar que é o resistor, que vai absorver
bastante daquela perturbação. Assim, uma parte da perturbação
vai para a linha e outra fica no resistor, mas depois de um
tempo bem curto, cerca de 10 milissegundos, sai o resistor
e fica toda a perturbação para cima da linha. Para a professora,
o uso do resistor já melhora o desempenho do sistema, pois
ao invés da perturbação chegar a duas vezes o valor normal
da tensão de operação, é possível chegar a uns 40%, 1,4 vezes
a tensão normal. Entretanto, o resistor é um equipamento elétrico
grande, que precisa ser dimensionado corretamente. “Ele absorve
essa energia e precisa de um sistema de refrigeração muito
importante. É mais um elemento que pode reduzir a confiabilidade
do sistema. Já o nosso equipamento é um controle, uma coisa
muito mais compacta”, afirma.
Maria Cristina também conta
que esse tipo de método, de abrir e fechar as três fases como
proteção, é utilizado em vários países. Já o resistor, embora
também usado em outros países, é menos frequente. Segundo
a professora, os fabricantes e as concessionárias estão tendendo
a eliminá-lo porque ele acaba aumentando o índice de defeito.
“O resistor é mais um elemento para se fazer a manutenção.
Ele é um elemento eletro-mecânico. A tendência é se eliminar
os elementos eletro-mecânicos onde possível”. Ela aponta que
no exterior a tecnologia usada é mais voltada ao controle,
mas no Brasil todas as linhas novas divulgadas nos Leilões
da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) são para a
linha, o disjuntor e resistor. “No Brasil, todas as linhas
têm esse resistor, mas a nossa proposta é substituí-lo pelo
controle”.
Em termos de mercado, os grandes
fabricantes de disjuntores oferecem um controlador para se
fazer o religamento automático, mas que não tem a mesma metodologia
que a tecnologia desenvolvida pela Unicamp. Segundo Maria
Cristina, a tecnologia desenvolvida na Universidade é mais
rápida. Além disso, o controle já disponível no mercado deixa
muitas vezes de identificar o ponto ótimo do religamento.
“O nosso controle identifica com uma antecedência importante
o instante ótimo de atuação. Ele consegue se organizar para
não perder o primeiro momento. E os outros começam a trabalhar
no terceiro, quarto ponto. Então o sistema fica interrompido
por mais tempo”, coloca.
A professora explica que,
neste momento, a busca por um parceiro comercial é essencial
para a continuidade deste projeto. Segundo ela, a busca é
complexa porque poucas empresas possuem a tecnologia necessária
para fabricar tal equipamento, sendo o disjuntor peça determinante
no sistema. “Se ele falha, derruba o sistema. Quem vai fabricar
o disjuntor é também quem fabrica todo o cérebro, que é o
relé”. O parceiro comercial vai montar fisicamente o protótipo
e, segundo a professora, com o resultado poderá apresentar
um disjuntor mais barato nas próximas concorrências.
Embora
a busca por um parceiro comercial seja restrita pelo perfil
do potencial parceiro, a professora está animada com a possível
repercussão da tecnologia. “Quando apresentei este trabalho
num congresso internacional, a recepção foi empolgante.
Os pesquisadores perguntaram muito e demonstraram que se tratava
de um conceito diferencial”, disse, ressaltando que a tecnologia
não está restrita ao setor elétrico brasileiro, mas tem
aplicação no sistema elétrico em nível mundial. Patrícia
concorda com a professora e comenta que o estágio de desenvolvimento
da tecnologia é avançado, e que desta maneira acredita que
o tempo de desenvolvimento complementar será curto uma vez
que o algoritmo já está desenvolvido e as simulações e
testes no simulador em tempo real já foram realizados. O
contato para parcerias está sendo realizado pela Agência
de Inovação Inova Unicamp. Informações podem ser obtidas
pelo e-mail: parcerias@inova.unicamp.br.
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VÍDEO PRODUZIDO PELA RTV UNICAMP
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