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Uma luz contra apagões

Tecnologia permite religamento de linhas de
transmissão em intervalo de tempo menor

VANESSA SENSATO
Especial para o JU

A professora Maria Cristina Dias Tavares: redução do nível da perturbação deixa o sistema mais seguro (Foto: Antonio Scarpinetti) Pesquisadoras da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp (FEEC) desenvolveram um novo processo que, se levado à indústria, poderá ser um aliado no combate à ocorrência dos apagões de energia elétrica. A professora Maria Cristina Dias Tavares e a pesquisadora Patricia Mestas desenvolveram um procedimento que permite o religamento das linhas de transmissão do sistema elétrico em um intervalo de tempo menor do que o usual, resultando em sobretensões muito menores, evitando que ocorram efeitos em cascata, como no último apagão ocorrido em novembro no país, que atingiu pelo menos 15 estados, causando perdas em diversos setores. A Agência de Inovação Inova Unicamp deu entrada a um pedido de patente nacional para a tecnologia, por meio do INPI, e internacional por meio do Patent Cooperation Treaty (PCT), acordo internacional que garante a propriedade intelectual de um invento em 142 países signatários por um período de até 18 meses.

Maria Cristina, professora responsável pelo grupo de pesquisa e uma das autoras da patente, explica que as linhas de transmissão de energia elétrica no Brasil são trifásicas. “A tecnologia para religamento trabalha com as três fases simultaneamente”, disse. Segundo a professora, no último apagão vários eventos ocorreram simultaneamente. Para ela, a grande incidência de descargas elétricas não deveria colocar o sistema em perigo, mas em razão das descargas houve uma elevação muito alta da tensão. “O que nós acompanhamos no Seminário Nacional que aconteceu em novembro de 2009 em Recife é que provavelmente houve um defeito no nível de proteção da subestação, que estava atuando muito mais baixo. Portanto, uma perturbação que não era tão severa acabou tirando o sistema”, colocou a professora.

A professora explica que as proteções do sistema no formato que temos hoje são cada vez mais inteligentes e que removem trechos com defeito. Segundo ela, num sistema normal a proteção abre as três fases da linha e depois de um tempo as religa. Mas, no momento em que o sistema é religado, há uma perturbação porque as tensões estão em condição um pouco diferentes, podendo estar um pouco mais altas, ou mais baixas. Essa variação causa uma perturbação que depois desaparece com o tempo. “É um tempo que parece curto, mas com o nosso processo podemos reduzir o tempo do religamento de 1 segundo para 300 a 500 milissegundos”, diz a professora.

Entretanto, embora o tempo usual seja em torno de 1 segundo, às vezes em algumas linhas, em função de uma perturbação maior que a usual, pode ser que seja preciso esperar na faixa de minutos para que, quando o sistema fechar, a tensão não esteja com três vezes o valor, mas sim com 10%, 20% a mais, faixa na qual é mais seguro retomar a linha. Para a professora, de duas a três vezes o valor da tensão é muito pesado, e num sistema um pouco mais fraco, pode acabar gerando um problema. “Você recupera o defeito em um trecho de linha, mas vai estourar em outro, já que essa perturbação se propaga”, avalia Maria Cristina.

É justamente no tempo de religamento do sistema que atua o processo desenvolvido na Unicamp. Patricia Mestas explica que a principal diferença da tecnologia proposta é identificar com maior antecedência o instante ótimo para o religamento de linhas de transmissão compensadas. “Isto faz com que a nossa tecnologia atue mais rapidamente, recompondo o sistema com mais rapidez e segurança”, afirma. Segundo a pesquisadora, a tecnologia existente estima instantes futuros para o religamento. “Já a tecnologia proposta traduz o sinal de uma maneira mais simples, reduz significativamente o tempo morto antes do religamento e, além disso, apresenta a mesma eficiência para diferentes tipos de linhas com pouco ou alto nível de compensação reativa”, compara.

A pesquisadora Patricia Mestas: “Tecnologia recompõe o sistema com mais rapidez e segurança” (Foto: Divulgação) A professora afirma que o resultado do estudo é que com a redução do nível da perturbação, o sistema todo fica mais robusto e seguro. Para Maria Cristina, esse tipo de tecnologia tem sido bastante desenvolvido. “Nossa tecnologia é uma contribuição que tem grande área de aplicação. O caminho é esse: sempre tentar fazer com que as perturbações sejam mais contidas de modo que não ocorram problemas em cascata, como o que a gente viu”, coloca.

O desenvolvimento da tecnologia foi realizado no âmbito da pós-gradua­ção de Patrícia, que em seu doutorado deu continuidade a esta pesquisa e consolidou o método desenvolvido no laboratório por meio de simulações realizadas utilizando o soft­ware PSCAD/EMTDC na Unicamp. Atualmente Patrícia está no Canadá com uma bolsa sanduíche, onde teve a oportunidade de testar o algoritmo em um aparelho de simulação em tempo real, o mesmo que o grupo no Brasil pretende adquirir. “O algoritmo proposto foi implementado num processador digital separado e, depois, este foi testado no Simulador em Tempo Real (RTDS). Os resultados foram positivos e muito semelhantes aos obtidos nas simulações prévias realizadas no PSCAD”. A professora explica que, com o simulador, Patricia conseguiu rodar testes num sistema elétrico e comprovar que a proteção está atuando corretamente.

Vantagens
Uma das vantagens na técnica desenvolvida é o seu potencial menor custo de implementação. Maria Cristina explica que, para se religar a linha hoje, é preciso reativar a linha e mais um equipamento auxiliar que é o resistor, que vai absorver bastante daquela perturbação. Assim, uma parte da perturbação vai para a linha e outra fica no resistor, mas depois de um tempo bem curto, cerca de 10 milissegundos, sai o resistor e fica toda a perturbação para cima da linha. Para a professora, o uso do resistor já melhora o desempenho do sistema, pois ao invés da perturbação chegar a duas vezes o valor normal da tensão de operação, é possível chegar a uns 40%, 1,4 vezes a tensão normal. Entretanto, o resistor é um equipamento elétrico grande, que precisa ser dimensionado corretamente. “Ele absorve essa energia e precisa de um sistema de refrigeração muito importante. É mais um elemento que pode reduzir a confiabilidade do sistema. Já o nosso equipamento é um controle, uma coisa muito mais compacta”, afirma.

Maria Cristina também conta que esse tipo de método, de abrir e fechar as três fases como proteção, é utilizado em vários países. Já o resistor, embora também usado em outros países, é menos frequente. Segundo a professora, os fabricantes e as concessionárias estão tendendo a eliminá-lo porque ele acaba aumentando o índice de defeito. “O resistor é mais um elemento para se fazer a manutenção. Ele é um elemento eletro-mecânico. A tendência é se eliminar os elementos eletro-mecânicos onde possível”. Ela aponta que no exterior a tecnologia usada é mais voltada ao controle, mas no Brasil todas as linhas novas divulgadas nos Leilões da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) são para a linha, o disjuntor e resistor. “No Brasil, todas as linhas têm esse resistor, mas a nossa proposta é substituí-lo pelo controle”.

Em termos de mercado, os grandes fabricantes de disjuntores oferecem um controlador para se fazer o religamento automático, mas que não tem a mesma metodologia que a tecnologia desenvolvida pela Unicamp. Segundo Maria Cristina, a tecnologia desenvolvida na Universidade é mais rápida. Além disso, o controle já disponível no mercado deixa muitas vezes de identificar o ponto ótimo do religamento. “O nosso controle identifica com uma antecedência importante o instante ótimo de atuação. Ele consegue se organizar para não perder o primeiro momento. E os outros começam a trabalhar no terceiro, quarto ponto. Então o sistema fica interrompido por mais tempo”, coloca.

A professora explica que, neste momento, a busca por um parceiro comercial é essencial para a continuidade deste projeto. Segundo ela, a busca é complexa porque poucas empresas possuem a tecnologia necessária para fabricar tal equipamento, sendo o disjuntor peça determinante no sistema. “Se ele falha, derruba o sistema. Quem vai fabricar o disjuntor é também quem fabrica todo o cérebro, que é o relé”. O parceiro comercial vai montar fisicamente o protótipo e, segundo a professora, com o resultado poderá apresentar um disjuntor mais barato nas próximas concorrências.

Torres de transmissão de energia em Itaipu: tecnologia evita que ocorram efeitos em cascata, como no apagão do ano passado (Foto: Divulgação) Embora a busca por um parceiro comercial seja restrita pelo perfil do potencial parceiro, a professora está animada com a possível repercussão da tecnologia. “Quando apresentei este trabalho num congresso internacional, a recepção foi empolgante. Os pesquisadores perguntaram muito e demonstraram que se tratava de um conceito diferencial”, disse, ressaltando que a tecnologia não está restrita ao setor elétrico brasileiro, mas tem aplicação no sistema elétrico em nível mundial. Patrícia concorda com a professora e comenta que o estágio de desenvolvimento da tecnologia é avançado, e que desta maneira acredita que o tempo de desenvolvimento complementar será curto uma vez que o algoritmo já está desenvolvido e as simulações e testes no simulador em tempo real já foram realizados. O contato para parcerias está sendo realizado pela Agência de Inovação Inova Unicamp. Informações podem ser obtidas pelo e-mail: parcerias@inova.unicamp.br.

ASSISTA VÍDEO PRODUZIDO PELA RTV UNICAMP

 

 

 
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