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Semeando o futuro,
sem perder o chão
Engenheiro agrônomo resgata, em
tese,
história de escola erguida em assentamento
ISABEL
GARDENAL
O
chão que abriga um assentamento rural com seis agrovilas é
o mesmo onde hoje funciona uma escola técnica voltada à agricultura
familiar. O chão é o da Fazenda Pirituba – uma grande extensão
de terra localizada nos municípios paulistas de Itapeva e
Itaberá. Sua história revela o esforço de muitos que colaboraram
para que jovens agricultores permanecessem em suas propriedades,
ao invés de migrarem para a zona urbana em busca de melhores
condições de vida. Com a ajuda do Instituto de Terras do Estado
de São Paulo (Itesp) e do Centro Paula Souza, esta escola
foi montada no local com apoio da comunidade e tornou-se alvo
recente de uma pesquisa de doutorado do engenheiro agrônomo
Luiz Cláudio Antonio Nogueira, o primeiro coordenador da instituição.
Nogueira, que defendeu em
dezembro o doutorado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)
da Unicamp, orientado pela professora Sônia Bergamasco, constatou
na tese que normalmente as escolas técnicas estão inseridas
no município, não propriamente na zona rural. Trabalhando
no Centro Paula Souza por 16 anos, ele fez outra constatação:
o técnico formado nessa instituição nem sempre mantinha contatos
com técnicos ligados à área agrícola. Foi ainda notório no
trabalho que muitas pessoas da cidade tinham curiosidade de
conhecer como funcionava um curso rural, por acharem interessante
agregar à sua formação conhecimentos sobre agricultura e pecuária.
As comunidades dos assentamentos
da Fazenda Pirituba e de bairros vizinhos, de agricultores
familiares e produtores, procuraram a organização do Itesp
para buscar alternativas aos estudos. Eles terminavam o ensino
médio e verificavam que não tinham mais o que fazer, porque
a escola técnica mais próxima dos assentamentos ficava a 70
km de distância, na cidade de Taquarivaí. Ficava inviável
viajar todos os dias e ter que desembolsar uma mensalidade
para cobrir os custos com alimentação, sem dispor de recursos
suficientes para isso.
Consultado pelo Itesp, o Centro
Paula Souza comprou a ideia, firmando com ele uma parceria.
Criou-se então a Escola Técnica de Agricultura Familiar (Etaf)
“Pedro Pomar” em 2004, no bairro Água Azul, em Itaberá. A
princípio, era apenas um prédio abandonado. Depois, o Itesp
promoveu reformas no local, com a participação da comunidade.
Os maiores interessados – os futuros alunos – ajudaram a pintar
a escola, a gramar o espaço e a fazer pequenos arranjos. Foi
aí que Nogueira entrou na história, tendo um papel decisivo
ao defender no campo a inserção de um ensino diferenciado:
o ensino tecnicista. Neto de agricultores, ele vibrava quando
era hora de visitar o sítio do avô, tal o encantamento produzido
pela terra. Mal imaginava que anos depois estaria orientando
outros jovens que também nutriam este carinho pela agricultura.
Após ampla divulgação, a primeira
turma da Etaf começou com 40 alunos e terminou com 32 alunos.
A segunda turma começou com 35 e terminou com 32. A terceira
começou com 35 e terminou com 32 também. Observou-se um índice
de evasão mínimo, revela Nogueira, comparado aos cursos oferecidos
em outras cidades pertencentes ao Centro Paula Souza. Com
o quadro de educadores se delineando, a organização optou
pela aplicação de parte da Pedagogia da Alternância, por entender
que o aluno deve trazer para a sala de aula os problemas que
está enfrentando na sua propriedade, partir para a problematização
e depois construir possíveis soluções. O objetivo era que
os jovens frequentassem a nova escola na parte da manhã e
voltassem para as suas propriedades à tarde. “O que o estudante
aprendia na escola, já podia ser aplicado no mesmo dia.”
O engenheiro relembra que
o período abordado na tese foi problemático em termos gerenciais
e que hoje o convênio das duas instituições não tem sido renovado
pontualmente por questões burocráticas e judiciais. Mesmo
quando ocorria a assinatura, ela era feita muito em cima da
hora, não sobrando tempo para divulgação. Nas primeiras turmas,
estima, houve até procura de 120 alunos para 40 vagas. Com
o tempo, este número diminuiu. E por quê? Na sua visão, não
foi feito um trabalho de comunicação efetivo. “Tivemos muitos
problemas com professores pela falta de conhecimento sobre
agricultura familiar, assentado na agroecologia, no desenvolvimento
sustentável, na proposta da educação do campo e nas pedagogias
alternativas.”
A
escola está passando por outro momento crucial que tem atrapalhado
o seu desempenho com uma provável desarticulação de gestão.
Existem alguns gargalos a serem corrigidos, como a formação
de novas turmas. A sugestão de Nogueira é que hajam profissionais
mais envolvidos com a comunidade e professores mais capacitados
para atender esse público.
Pelos depoimentos relatados
ao pesquisador, o jovem conseguiu alcançar um espaço que não
tinha anteriormente. No meio rural, as grandes decisões partiam
na maioria das vezes do pai, às vezes da mãe e dificilmente
do filho. “A formação do jovem começou a abrir esse leque”,
diz. “Tentamos inclusive orientar os jovens para não querer
assumir a propriedade toda, pedindo ao pai para trabalhar
apenas num pequeno pedaço de terra para depois haver comparação
com o que era feito. Não se pode falar que está tudo errado
e que vai começar tudo do zero, pois o pai não está disposto
a correr riscos.” Uma estratégia, aponta Nogueira, é evitar
este conflito.
Apesar disso, alguns avanços
também puderam ser notados. Com a formação adquirida, foi
possível tornar o pedaço de chão da família mais lucrativo.
Os resultados se mostraram promissores sobretudo para os alunos,
com crescimento profissional, pessoal, de convívio e grupal.
Além disso, o jovem foi encorajado a ter voz mais ativa em
sua própria propriedade. Muitos filhos passaram a se apropriar
de argumentos mais contundentes para revelar aos pais o que
estava errado na sua prática ou como seria melhorar algumas
atividades.
Perfil
Segundo o Censo Agropecuário de 2006 divulgado em outubro
de 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apurou que mais de 80% dos produtores brasileiros são
agricultores familiares. A característica do agricultor familiar
é que ele não utiliza exclusivamente, mas muitas vezes, a
mão de obra familiar e cujo sustento vem da propriedade. “Então
ele produz para vender, mas também para consumo”, informa
Nogueira.
O foco dele no doutorado foi
avaliar o grupo que estava iniciando a escola em julho de
2004, estendendo a avaliação a janeiro de 2005 e a janeiro
de 2006, quando começaram as três primeiras turmas da escola.
Depois de aproximadamente dois anos, voltou a abordar os mesmos
jovens que se formaram em 2005. Isso foi no final de 2007
e início de 2008. “A comunidade Pirituba é constituída por
grupos familiares com renda entre um e três salários mínimos”,
conta.
O engenheiro aplicou um questionário
aos entrevistados enfatizando, nos períodos estudados, as
técnicas empregadas na propriedade em que eles residiam, a
tecnologia, a renda familiar e os executores do trabalho na
sua propriedade. Ele os procurou para saber o que tinham vivenciado
após a conclusão do curso. Um dos fatores analisados foi a
comparação do ensino dos alunos na Etaf com o ensino de uma
escola de ensino médio normal.
Os resultados na Etaf foram
os mais positivos, notando-se um aumento até na renda familiar.
O pesquisador, porém, relativiza o achado dizendo que não
é possível constatar se foi exatamente por causa da escola
técnica, pois alguns benefícios sociais foram propiciados
igualmente pelo Governo Federal, o que também pode ter influenciado
este aumento. Mesmo assim, o engenheiro realça que melhorias
foram perceptíveis em todos os sentidos, desde benfeitorias
e maquinários até aumento de área produzida, de tecnologias
e técnicas aprendidas na escola e muitos ganhos como cidadão.
A conquista dos alunos foi para além da agricultura, pecuária
e agroindústria. Exemplo disso é que, dentro do módulo de
agricultura, eles tinham a disciplina de Comercialização.
Nela aprendiam como chegar ao preço de um determinado produto
e ao mesmo tempo realizavam visitas à Companhia de Entrepostos
e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) a fim de compreender
que a comercialização não carece de atravessadores para acontecer,
que são os grandes compradores na região.
Os alunos aprenderam muito,
garante Nogueira. Foram apresentados à atividade de compostagem,
que consiste em empregar matéria orgânica de origem animal
e vegetal para ser transformada em adubo; e a trabalhar com
biofertilizantes, obtidos dos restos das fezes de animais
para pulverização e controle de pragas e doenças. “Oferecemos
ainda alguns cursos de produção de frango e aí eles começaram
a trabalhar com um projeto que chama Frango Feliz, da Esalq.
Este frango não requer uso de ração. Ele vai ciscando e se
alimentando do que existe na própria propriedade. Vai mudando
de lugar neste cercado, ao mesmo tempo que as suas fezes vão
fertilizando o solo”, relata.
Outro projeto desenvolvido com apoio da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), denominado Balde Cheio,
os colocou diante de uma situação em que, numa pequena área
de um alqueire, era preciso criar vacas com uma alta produção
de leite, tendo que sobreviver da renda deste produto.
A principal contribuição de
Nogueira, admite, foi mostrar que uma escola inserida na área
rural permite trabalhar melhor dentro da realidade do jovem
e conhecer as suas maiores dificuldades. “Nada vem pronto
para ele. É preciso preparar hipóteses, discuti-las e opinar
sobre prováveis caminhos”, pontua. Também concluiu que a escola
da zona rural possibilita uma formação técnica que o jovem
não teria em outras condições. “Temos hoje cinco jovens fazendo
universidade. Mas a base foi a nossa escola. Tem havido casos
em que muitos jovens desistem de permanecer na cidade, voltam
e percebem que são muito mais felizes no campo – isso com
relação à qualidade de vida ou ao ganho que não tinham na
propriedade e que estão conseguindo porque aprenderam a fazer
projetos, onde buscar verbas e condições de produzir, e como
escolher a cultura e a atividade para ser produzida.”
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