Observadas
as especificidades de cada grupo, é possível dizer que os
idosos têm tantas dúvidas a respeito da sua sexualidade
quanto os adolescentes. A constatação faz parte da tese
de doutoramento de Helena Brandão Viana, apresentada à Faculdade
de Educação Física (FEF) da Unicamp. Para aferir como anda
o conhecimento das pessoas a respeito da sexualidade na
velhice, inclusive por parte daquelas que ainda não chegaram
aos 60 anos, a pesquisadora teve que adaptar e validar uma
escala [espécie de questionário capaz de medir o grau de
informação dos entrevistados acerca de um determinado tema]
criada nos Estados Unidos, visto que o Brasil não dispunha
de tal instrumento. “Outros dois aspectos importantes que
pudemos identificar a partir da pesquisa é que esse assunto
é negligenciado pelos estudiosos e continua sendo alvo de
preconceitos por parte da sociedade”, revela a autora do
trabalho.
O estudo desenvolvido por Helena deu seqüência à sua dissertação
de mestrado, que investigou a qualidade de vida de dois
grupos de idosos, um formado por sedentários e outro pelos
que praticavam atividades físicas. Na ocasião, a educadora
física notou que os segundos tinham maior liberdade para
falar sobre a sexualidade. “Daí surgiu a idéia de estudar
a relação entre atividade física e sexualidade na velhice”,
explica. Ao buscar referências bibliográficas nacionais
e internacionais, porém, a pesquisadora deparou com a falta
de estudos sobre o tema no Brasil. Constatou igualmente
que não havia no país qualquer instrumento que pudesse aferir
o grau de conhecimento das pessoas acerca do assunto.
A solução foi buscar uma escala que pudesse ser aplicada
à realidade brasileira. Foi escolhido um instrumento norte-americano,
denominado Escala Askas, validado originalmente no início
da década de 80. Este, ressalte-se, já havia sido adaptado
anteriormente para ser usado em países como Coréia, Itália
e França. Helena assinala que o trabalho de adaptação não
se restringe a uma simples tradução de um idioma para outro.
“A tarefa é bem mais complexa. É preciso adequar o instrumento
às características de cada cultura. No caso brasileiro,
por exemplo, a questão semântica teve que ser cuidadosamente
trabalhada, de modo que as pessoas pudessem entender o que
estava sendo perguntado”, explica. Dito de outro modo, o
processo de adaptação e validação cultural promove a análise
conceitual, cultural e idiomática da escala a ser adaptada.
Ademais, prossegue a educadora física, vários aspectos
presentes no contexto norte-americano não se repetem no
Brasil. Atualmente nos Estados Unidos, para ficar em um
único exemplo, os idosos apresentam um grau de escolaridade
superior aos dos idosos brasileiros. “Levando em consideração
essa realidade, algumas perguntas consideradas muito longas
e complexas tiveram que ser reformuladas ou simplesmente
retiradas do questionário após o que chamamos de Análise
Fatorial Confirmatória”, informa Helena. Encerrada a adaptação,
o trabalho foi submetido a um comitê de especialistas, que
sugeriu ajustes, e a um grupo de estatísticos, que conferiu
a confiabilidade da escala. Para validá-la, a autora da
tese promoveu um inquérito com 1.048 homens e mulheres,
na faixa etária dos 60 aos 82 anos.
De acordo com Helena, as entrevistas revelaram aspectos
importantes acerca da sexualidade na velhice. O primeiro
deles é que o assunto permanece negligenciado pelos estudiosos.
“A área médica, por exemplo, investiga muitos aspectos da
sexualidade, mas não aborda amplamente o tema em relação
à velhice. Quando o faz, os estudos ficam concentrados nas
questões das perdas, como as disfunções eréteis ou a redução
da lubrificação vaginal. Isso contribui, ainda que indiretamente,
para a manutenção de vários mitos, como o que afirma que
a velhice impediria uma vida sexual ativa. Definitivamente,
isso não é verdade”, sustenta a educadora física.
O inquérito apurou ainda que o desconhecimento sobre a
sexualidade na velhice é grande, inclusive por parte dos
próprios idosos. Estes revelaram uma grande necessidade
de falar sobre o assunto, mas afirmaram não ter oportunidades
nem tampouco interlocutores. “Às vezes, o idoso sente vergonha
de abordar o tema com seu médico, principalmente quando
se trata de uma mulher viúva. Muitos médicos, por sua vez,
também evitam tocar no assunto porque temem constranger
os pacientes. Essa falta de diálogo é preocupante, pois
impede que esse grupo seja devidamente esclarecido”, afirma
a autora da tese.
A ausência de diálogo também pode ser notada entre os idosos
e seus familiares. Não raro, afirma Helena, filhos e netos
tendem a considerar que o comportamento afetivo já não faria
mais parte da vida de seus pais e avós. A partir dessa postura,
os mais jovens preferem simplesmente ignorar a questão da
sexualidade do idoso, assim como muitos adultos fazem em
relação aos filhos adolescentes. “O resultado dessa equação
não tem, evidentemente, como ser bom. Não podemos nos esquecer
que a Organização Mundial da Saúde elenca a sexualidade
como um dos fatores indispensáveis à manutenção da qualidade
de vida”, adverte a educadora física.
Tabus
Em relação às principais dúvidas dos idosos sobre a sexualidade,
a escala identificou que elas estão freqüentemente associadas
a tabus que se mantêm ao longo do tempo. Muitas mulheres,
por exemplo, não sabem até quando deveriam manter a atividade
sexual. Várias acreditam no mito segundo o qual a menopausa
seria um marco para a supressão dessa prática. “Algumas,
por conta de crenças religiosas, consideram que o sexo está
exclusivamente vinculado à reprodução. Logo, se elas já
não são mais férteis, não deveriam continuar mantendo relações
sexuais”, detalha Helena, que foi orientada em seu doutorado
pela professora Vera Aparecida Madruga.
Os homens, conforme apurou a escala, apresentam menos dúvidas
do que as mulheres, mas mesmo assim também demonstram significativo
grau de desconhecimento sobre a própria sexualidade. A questão
que mais preocupa o grupo é a impotência. Muitos não sabem
identificar se uma eventual dificuldade de ereção tem origem
emocional ou fisiológica. “A grande dúvida é se a disfunção
erétil é passageira ou duradoura”, aponta a pesquisadora.
De acordo com ela, a pesquisa também permitiu perceber que
o descompasso sexual entre homens e mulheres, tão comum
na juventude e idade adulta, traz reflexos na velhice.
Isso ocorre, infere Helena, justamente porque a maior angústia
dos homens reside no seu desempenho sexual. Já as mulheres
preocupam-se mais com a possível diminuição da libido, do
prazer. “O que a gente nota é que homens e mulheres têm
compassos diferentes. Como afirma o ditado popular, mulher
é fogão a lenha e homem é fogão a gás. Durante as entrevistas,
nós pudemos constatar que muitas mulheres não tiveram uma
relação satisfatória com seus maridos e, quando ficam viúvas,
acabam usando a velhice como justificativa para dizer que
não desejam mais ter uma vida sexual ativa. Como a mulher
tende a adquirir um elevado grau de autonomia com a maturidade,
se alguma atividade não lhe dá prazer, ela simplesmente
abandona essa atividade. Isso vale tanto no plano sexual
quanto em qualquer outro”.
Conforme Helena, as pesquisas internacionais indicam que
o hábito sexual do idoso é semelhante ao que ele teve durante
a vida adulta. “Existem algumas perdas fisiológicas, claro,
mas elas não interferem necessariamente no desempenho sexual.
Se a pessoa tinha uma vida sexualmente saudável aos 30 ou
40 anos, nada impede que ela mantenha isso aos 60 ou 80”.
A educadora física lembra que a sexualidade não se resume
ao ato sexual em si. Ela contempla também companheirismo
e afetividade, entre outros aspectos. “A sociedade precisa
compreender melhor essas questões, para que os idosos não
continuem sendo alvo de preconceito ou negligência nesse
aspecto. Não podemos recriminar nem ridicularizar o idoso
apenas porque ele quer ir a um baile ou deseja manter uma
vida afetiva. Além de esse grupo ter direito a uma vida
plena e com qualidade, não podemos esquecer que um dia nós
também envelheceremos e desejaremos ser tratados com mais
carinho e dignidade”, pondera.