O
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) chega aos
47 anos com a legitimidade de uma instituição que consegue
transformar conhecimento em benefícios diretos para a sociedade,
graças à competência adquirida em áreas como de meteorologia
e de sensoriamento remoto. Em tese de doutorado, o pesquisador
Guilherme Reis Pereira procurou responder a uma questão
central: como o Inpe, ao longo de sua trajetória, conquistou
estabilidade para se desenvolver, se consolidar e garantir
a sua sustentabilidade em um contexto de instabilidade política
e institucional?
Segundo o autor da tese Política espacial brasileira e
a trajetória do Inpe (1961-2007), o instituto progrediu
apesar dos percalços sofridos pelo programa espacial brasileiro
devido a conflitos entre seus atores e a mudanças políticas
e econômicas profundas nos cenários nacional e mundial.
“Com o fim da Guerra Fria, os países desenvolvidos adotaram
uma política de controle da comercialização de tecnologias
sensíveis – aquelas de duplo uso: civil e militar. No plano
nacional houve a redemocratização do país, a crise econômica
dos anos 1980 e início dos 90, e a reforma neoliberal que
reduziu o poder do Estado, provocando atraso no programa
espacial”.
Guilherme Pereira defendeu a tese no Instituto de Geociências
(IG) da Unicamp, com orientação da professora Leda Maria
Caira Gitahy e co-orientação da professora Sandra de Negraes
Brisolla, ambas do Departamento de Política Científica e
Tecnológica (DPCT). Formado em ciências sociais pela Unesp,
o autor tem mestrado também pelo DPCT e trabalha no Inpe
há cinco anos, os três últimos na coordenação de Planejamento
Estratégico e Avaliação.
A
conclusão do pesquisador é de que o Inpe conseguiu estabilidade
diversificando suas atividades, integrando a pesquisa ambiental
com a pesquisa espacial e mobilizando atores portadores
de competências e recursos para programas e projetos, atendendo
assim a demandas científicas, sociais, econômicas e de proteção
ambiental. “Foi um meio de justificar a sua existência.
A cooperação com instituições nacionais e internacionais
trouxe recursos financeiros e humanos. Com isso, o Inpe
continuou se desenvolvendo apesar das mudanças de regime
e de governos”.
Para chegar a esta conclusão, Guilherme Pereira discute
e utiliza os conceitos de arranjo institucional e rede de
atores para reconstituir a trajetória do Inpe e analisar
o processo de formulação e implementação da política espacial
em diferentes períodos. Baseou-se em documentos e entrevistas,
associando esta discussão ao contexto político nacional
e internacional dos diversos períodos. O autor também levantou
a situação atual do Inpe, com foco nas aplicações espaciais,
além de promover um estudo de caso da relação entre o programa
CBERS e a indústria nacional.
O início
O Inpe surge no contexto da corrida espacial entre Estados
Unidos e União Soviética, tendo como embrião o grupo de
organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais,
criado por decreto de Jânio Quadros em 1961. Formado por
membros da Aeronáutica e por civis ligados à Sociedade Interplanetária
Brasileira, o grupo era liderado por Fernando de Mendonça,
que abriu mão da insígnia de capitão da Força Aérea para
fazer doutorado e se tornar pesquisador. Ele foi o primeiro
diretor do Inpe.
Guilherme
Pereira informa que na década de 1960 havia grande interesse
da comunidade internacional em fenômenos que acontecem sobre
território brasileiro, como a Anomalia Magnética do Atlântico
Sul. “A Nasa oferecia o foguete e o treinamento para nossos
pesquisadores. O Inpe nasceu neste ambiente de redes internacionais
de pesquisa”.
De acordo com o autor da tese, desde o início foi se conformando
uma divisão de trabalho no programa espacial brasileiro,
entre um instituto de pesquisa civil e outro militar: a
Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), constituída
em 1963 e vinculada ao CNPq, e o Instituto de Atividades
Espaciais, do atual Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial
(CTA).
O pesquisador afirma que são característicos da primeira
década do programa espacial os conflitos associados à disputa
pela coordenação das atividades e à definição de competências
e atribuições entre a CNAE e a Aeronáutica. “A CNAE tinha
a competência de formular a política espacial e estabelecer
acordos de cooperação internacional com instituições dos
Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra”.
Mudança
Em 1971, a CNAE seria extinta para dar lugar ao Instituto
de Pesquisas Espaciais, que não teria as mesmas atribuições.
Para definir a política e coordenar as atividades espaciais
criava-se a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais
(Cobae), presidida por um representante do Estado Maior
das Forças Armadas. “Com isso, o Inpe perdia autonomia para
realizar cooperação com outros países”.
Guilherme Pereira recorda que, neste período, houve intensa
colaboração da Cobae e do CTA com agências internacionais,
visando o desenvolvimento dos foguetes Sonda, além de lançamentos
da Barreira do Inferno, em Natal. “Também houve cooperação
com o Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), a agência
espacial da França, para rastreio do lançador Ariane e formação
de pesquisadores brasileiros para o desenvolvimento de tecnologias
como o sistema de controle de atitude do Sonda IV”.
A Cobae, acrescenta o autor da pesquisa, conduziu as negociações
de cinco anos entre Brasil e França para a realização conjunta
de uma missão espacial completa, envolvendo o desenvolvimento
de satélites e veículo lançador. “No entanto, a comissão
decidiu pela realização da Missão Espacial Completa Brasileira
(MECB), atribuindo a coordenação do programa espacial apenas
a instituições brasileiras”.
Em 1979, com a aprovação MECB, também se formalizou a divisão
no programa espacial, ficando estabelecido que o Inpe desenvolveria
satélites de coleta de dados e de sensoriamento remoto,
cabendo ao CTA produzir o veículo lançador de satélites
(VLS) e implantar um centro de lançamentos brasileiro (de
Alcântara, no Maranhão,).
Diversidade
Guilherme Pereira observa que, entretanto, o Inpe já havia
se orientado para diversificar as atividades desde o programa
Meteorologia por Satélite (Mesa), iniciado em 1966, envolvendo
recepção de imagens meteorológicas. Os cursos de pós-graduação
no instituto começaram em 1968 e, no ano seguinte, as atividades
de sensoriamento remoto. A estação de recepção de dados
de satélite de sensoriamento remoto ficou pronta em 1973,
em Cuiabá (MT).
Conforme o autor, na área de meteorologia e climatologia,
a previsão do tempo é apenas um dos serviços diários prestados
à sociedade. “Em sensoriamento, desde a década de 70 são
realizados estudos úteis para previsões de safra, identificação
de jazidas minerais, prospecção de petróleo e detecção de
taxas de desmatamento. Havia ainda o projeto Saci, que tinha
cunho social e visava capacitar professores em regiões remotas
com os telecursos transmitidos no início dos 70, através
de satélite da Nasa”.
Novo recorte
Um dos recortes feitos por Guilherme Pereira em seu estudo
vai de 1985 a 1993, período da redemocratização do país
e em que houve um rearranjo institucional no programa espacial.
“A criação em 1985 do Ministério da Ciência e Tecnologia,
ao qual o Inpe acabou vinculado como órgão autônomo, facilitou
a retomada da cooperação internacional, desta vez com a
China, em 1988, envolvendo o desenvolvimento dos satélites
CBERS de sensoriamento remoto”.
Pereira afirma que o Brasil foi o terceiro país a tratar
imagens de satélites, desde a época da série Landsat na
década de 70. “De lá para cá, o país se tornou o maior usuário
de imagens de satélites. Quando começou a pressão pela preservação
do meio ambiente nos anos 80, o Inpe já estava capacitado
a oferecer conhecimento e serviços aos órgãos de fiscalização
e proteção ambiental, atualizando seus programas para esta
nova agenda política”.
Hoje já estão disponíveis na Internet as imagens do sistema
de monitoramento da Amazônia e o catálogo CBERS, que distribui
aproximadamente 100 mil imagens por ano, já superou a casa
de 350 mil desde meados de 2004.