Do
ponto de vista ambiental, um dos grandes desafios impostos
à ciência é o desenvolvimento de técnicas e processos que
evitem a geração, por parte dos setores produtivos, de resíduos
potencialmente prejudiciais à natureza. Enquanto não atingimos
esse ideal, os cientistas têm trabalhado para propor soluções
que possibilitem o tratamento adequado desses poluentes.
Pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da
Unicamp, coordenados pela professora Meuris Gurgel Carlos
da Silva, participam desse esforço. A partir de técnicas
já conhecidas, mas empregando materiais que os leigos poderiam
considerar pouco convencionais, como argilas e algas marinhas
inativas, eles têm alcançado resultados promissores em estudos
voltados especialmente ao tratamento de efluentes aquosos
de origem industrial. Graças aos avanços registrados, novas
possibilidades estão surgindo, como a criação de um sistema
integrado de gestão ambiental.
A linha de pesquisa coordenada pela professora Meuris foi
implantada em 1998. De lá para cá, foram obtidos diversos
progressos. Alguns processos testados em escala laboratorial
já estão sendo utilizados pela indústria.
“Entretanto, penso que o país ainda pode avançar muito
nesse setor. Temos que ir além do que preconiza a legislação”,
propõe a docente da FEQ. Os alvos mais freqüentes de suas
pesquisas são os efluentes contaminados com frações de metais
pesados, óleos pesados e corantes. Para tratá-los, os pesquisadores
lançam mão de duas técnicas distintas: adsorção e troca
iônica. O uso de uma ou outra depende do resíduo que se
pretende remover da solução aquosa e do adsorvente.
Dito de maneira simplificada, essas técnicas fazem a filtragem
química e física do efluente por meio de um sistema de leitos.
O resultado é o seguinte: os contaminantes são “aprisionados”
pelos adsorventes e a água é liberada sem a presença de
resíduos, numa taxa que pode alcançar até 100%. “Nós classificamos
os métodos com os quais trabalhamos de ‘processos de polimento’.
São ações mais controladas, destinadas a remover concentrações
muito baixas de contaminantes, mas que continuam sendo potencialmente
prejudiciais ao ambiente”, explica a professora Meuris.
De acordo com ela, os “removedores” mais utilizados em seu
laboratório são argilas, algas marinhas e zeólitas (minerais
naturais ou sintéticos de estrutura porosa).
Em razão das propriedades que apresentam, os materiais
têm aplicações variadas. “Aquele que tem afinidade com um
grupo de metais pesados pode não ter com outro grupo ou
mesmo com corantes. Por isso, uma das nossas missões é caracterizar
e comparar esses materiais, de modo a explorar o que eles
têm de melhor. Dependendo do tipo de efluente e da concentração
de contaminantes que ele apresenta, nós utilizamos um tipo
de adsorvente”, detalha a docente da FEQ. Apesar dos avanços
alcançados por sua equipe, a engenheira química ressalta
que os experimentos realizados em seu laboratório não representam
propriamente uma novidade, visto que já são conhecidos e
aplicados há um bom tempo. “O nosso papel é investigar os
mecanismos de reação e como reproduzir e ampliar a escala
do processo, tendo como base os métodos científicos”, define.
A proposta inovadora presente nos estudos desenvolvidos
na FEQ, e que começa a ser implantada em colaboração com
empresas do pólo têxtil de Pernambuco, é a criação de um
sistema integrado, cuja ação contempla não apenas o tratamento
dos efluentes, mas também o reaproveitamento tanto do corante
removido da solução quanto do adsorvente, no caso a argila.
A professora Meuris esclarece melhor esse método. Segundo
ela, os materiais usados na adsorção ficam impregnados com
o corante. Para recuperá-lo, os pesquisadores aplicam um
eluente, que tem a função de arrastar seletivamente a matéria-prima,
de modo que ela possa ser reincorporada ao processo de tingimento
dos tecidos.
De
acordo com dados das empresas que compõem o pólo têxtil
pernambucano, aproximadamente um terço do corante usado
no processo de tingimento é eliminado junto com os efluentes.
“Ou seja, quanto mais corante conseguirmos recuperar, menos
matéria-prima as indústrias vão usar e menos resíduos nós
lançaremos na natureza”, afirma a docente da FEQ. Ocorre,
porém, que a argila, assim como os demais adsorventes, tem
uma vida útil. A partir de um determinado momento, ela satura
e já não tem mais capacidade para “filtrar” de forma eficiente
a solução aquosa. Quando isso acontece, a argila também
passa a ser considerada um resíduo, pois fica impregnada
com o corante, ainda que em baixa concentração.
Para dar um destino nobre a esse material, denominado tecnicamente
de matéria-prima de segunda geração, os pesquisadores da
Unicamp pretendem criar soluções para que ele seja agregado
pelas olarias instaladas nas proximidades do pólo têxtil.
“Como a argila saturada fica colorida, a idéia é aproveitá-la
na fabricação de tijolos e telhas igualmente coloridos.
Ou seja, queremos fechar o ciclo, de forma a reduzir praticamente
a zero a geração de resíduos industriais”, adianta a professora
Meuris. “Por enquanto, temos pleno domínio da etapa de remoção
do contaminante. O próximo passo será incorporá-lo ao sistema
integrado”, acrescenta.
Equipe faz estudos de análise de
riscos