Ser
pobre morando em bairro central é muito diferente que ser
pobre morando na periferia: ambos contam com rede de água
encanada, mas para o primeiro o fornecimento é ininterrupto,
enquanto o segundo padece com vários dias de torneira seca;
ambos têm um posto de saúde por perto, mas enquanto o primeiro
recebe atendimento satisfatório, o segundo reclama da falta
de médicos; se o primeiro está desempregado, conta com o
apoio de uma rede social mais densa, ao passo que o segundo
corre o risco de ficar largado à própria sorte.
Um sumário de dados, apresentando o retrato atualizado
das dimensões sociodemográficas das regiões metropolitanas
de Campinas e da Baixada Santista, é o mais recente produto
disponibilizado pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo)
da Unicamp para uso de planejadores regionais e da sociedade
civil. Nele se sobressaem informações diferenciadas e pouco
comuns em levantamentos desse tipo, e que apontam para a
heterogeneidade da pobreza no tecido urbano regional.
“Julgamos insuficiente medir o estrato social considerando
somente o quanto a pessoa tem no bolso. Estamos buscando
formas de melhor qualificar a pobreza urbana e as condições
de vida da população”, afirma o professor José Marcos Pinto
da Cunha, que é pesquisador do Nepo e coordena o projeto
temático Vulnerabilidade da Fapesp, iniciado há quatro anos
e que está terminando agora.
As novas formas de qualificação, segundo Cunha, baseiam-se
no conceito de vulnerabilidade, que leva em conta a capacidade
de uma pessoa ou família para responder a certos riscos
enfrentados no dia-a-dia. Esses riscos decorrem da existência,
ausência ou escassez de oportunidades socioeconômicas, tais
como infra-estrutura e densidade domiciliar, qualidade da
habitação, situação de posse do domicílio, nível de escolaridade,
acesso a serviços, acesso ao mercado de trabalho formal,
etc.
José Marcos Cunha informa que o sumário é fruto da última
parte do projeto Fapesp, referente a pesquisa domiciliar
realizada no segundo semestre de 2007. “Apenas começamos
a interpretar as informações, mas optamos por divulgá-las,
ao invés de guardá-las. O sumário, apesar de descritivo,
representa um primeiro olhar da nossa equipe sobre os dados
e um meio rápido de compartilhá-los com a comunidade. Já
apresentamos o trabalho na Baixada Santista e ele despertou
grande interesse”.
As informações foram levantadas em 1.680 domicílios da
Região Metropolitana de Campinas (RMC) e em 1.600 da Baixada
Santista (RMBS), sendo divididas em oito módulos: características
do domicílio e seu entorno; características sociodemográficas
gerais; trabalho e rendimentos; mobilidade espacial; família
e comunidade; ambiente, riscos e perigos; condições e acesso
a serviços de saúde; e sistema educacional e o contexto
familiar.
Por meio de análises estatísticas, os pesquisadores do
Nepo determinaram quatro zonas de vulnerabilidade (ZV),
onde as pessoas domiciliadas estão mais ou menos vulneráveis.
No caso da RMC, as ZV 1 e 2 são as mais periféricas e mais
empobrecidas, e as ZV 3 e 4 representam um anel intermediário
e central.
Domicílios
O módulo sobre domicílios traz informações inovadoras, pois
leva em conta também o entorno da moradia. Mais do que saber
se a casa é de alvenaria e possui água, luz e esgoto, a
pesquisa inclui aspectos como revestimento nas paredes e
cobertura com telhas, documentação de posse, regularização
do bairro, autoconstrução e formas de aquisição. E, sobre
o entorno, questiona quanto a características urbanísticas,
serviços de saneamento, equipamentos públicos e outros serviços
como pronto-socorro, posto policial, padaria, farmácia,
escola pública, creche e ônibus.
“Hoje, nas áreas metropolitanas, os serviços estão praticamente
universalizados. Se a grande maioria tem casas de alvenaria,
água, luz e esgoto, a impressão é de que estamos todos iguais.
Procuramos criar um conjunto de informações que ofereça
o retrato real de onde as pessoas vivem. Vemos que, tanto
em Campinas como na Baixada, apenas 28% dos moradores da
Zona 1 possuem escritura definitiva de suas casas; os demais
residem em casas de tijolos com os serviços básicos, mas
sem a posse legalizada”, explica José Marcos da Cunha.
Famílias
O módulo referente às características sociodemográficas
traz inicialmente os dados gerais sobre a população urbana
– sexo, grupos etários, cor, religião e estado civil. “Mas
a pesquisa avança com informações diferenciadas, como as
que apontam as mudanças que estão ocorrendo na família,
não apenas quanto à forma de união (religiosa, civil ou
consensual), mas também quanto à presença cada vez maior
da mulher no papel de provedor da casa”.
A pesquisa mostra que 26% das mulheres na RMC e 32% na
RMBS respondem por seus domicílios. Também chama a atenção
o número de declarados sem religião: 7% na RMC e 10,8% na
RMBS. Em relação à educação, nas duas regiões, mais de 70%
da população entre 18 e 25 anos está fora da escola. Quanto
ao desemprego, considerando a população economicamente ativa,
os índices são de 11% na RMC e de 14,5% na RMBS – índices
que sobem, respectivamente, para 17,4% e 16,6% na zona mais
pobre.
Trabalho
O levantamento do Nepo inclui um módulo específico sobre
trabalho e rendimentos, baseado na pesquisa de emprego e
desemprego da Fundação Seade, segundo o coordenador. “O
principal ativo para reduzir a vulnerabilidade das pessoas
é o trabalho. Na população economicamente ativa (PEA) incluem-se
as pessoas que trabalham ou estão procurando emprego. Entretanto,
nós também captamos o ‘desemprego oculto’ – daquelas que
desistiram de procurar uma colocação ou que trabalham em
condições precárias”.
Neste módulo, o questionário visou traçar as características
do mercado de trabalho nas duas regiões metropolitanas;
a distribuição dos ocupados nos setores de atividade; as
características da PEA ocupada (assalariado, autônomo, doméstico,
etc.) segundo sexo, horas trabalhadas, rendimentos, carteira
assinada e benefícios; e taxas de participação por sexo,
idade, cor, nível de escolaridade e zonas de vulnerabilidade.
Quanto ao desemprego, as maiores taxas estão na ZV1 e decrescem
de forma ordenada nas zonas seguintes.