Unicamp
é sede do recém-criado Centro Nacional de Referência
em Energia do Hidrogênio (CENEH). Eleito secretário
executivo e representante da Universidade no Centro, o físico
e professor Ennio Peres da Silva acredita que este tipo de
combustível é a saída para diminuir a
poluição na atmosfera. Prevê que a conscientização
sobre o meio ambiente e a conseqüente pressão
popular poderão levar à massificação
dos veículos movidos a hidrogênio, como os ônibus
que a cidade de São Paulo deverá ganhar já
no próximo ano. O professor desenvolve, na própria
Unicamp, um protótipo de automóvel a hidrogênio.
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Ennio
Silva e o protótipo de veículo a hidrogênio
desenvolvido na Unicamp: maior obstáculo
ainda é o preço elevado |
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Ennio
Silva adverte, contudo, que o uso do hidrogênio não
ajudará a resolver de imediato a escassez de energia
elétrica no Brasil. Novas tecnologias devem ser
introduzidas no mercado sempre com cautela e depois de muito
aprendizado. A situação atual é decorrente
da política implementada nos últimos anos e
a opção encaminhada pelo governo para este momento
emergencial são as termoelétricas, pondera.
O novo
centro, único do País, está instalado
no Laboratório de Hidrogênio do Departamento
de Física Aplicada do Instituto de Física. A
função do CENEH é co-patrocinar pesquisas
e agrupar informações sobre a área das
aplicações energéticas do hidrogênio
no Brasil e mundialmente (veja artigo na página 5).
A seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo
professor Ennio Silva ao Jornal da Unicamp.
Jornal
da Unicamp A escassez de energia elétrica
é algo que se discute muito nos dias de hoje. O uso
do hidrogênio seria a solução?
Ennio
Peres da Silva Mais ou menos. Vivemos um problema
originado pela falta de investimentos e que exige solução
de curto prazo. É uma situação emergencial
e, para uma emergência, precisamos contar com sistemas
consolidados. Não é hora de ficarmos pensando
em experimentar novas tecnologias; novidades só devem
ser introduzidas com cautela, após muito aprendizado.
A opção do momento são as termoelétricas.
Isso porque o governo optou por não investir no setor
e por passar o investimento para a iniciativa privada em cima
do gás natural. Infelizmente, as empresas privadas
também não investiram, por uma série
de circunstâncias que não nos cabe discutir aqui.
A conseqüência é a falta de sistemas de
geração comercial de grande porte, que venham
a suprir imediatamente a escassez de energia. Esta situação
emergencial não será resolvida com o hidrogênio.
P
A aplicação do hidrogênio é possível
em quais áreas?
R
- O hidrogênio pode ser usado tanto na geração
de energia como nas mais diferentes áreas industriais:
fabricação de margarina, tratamento de derivados
de petróleo, produção de amônia
para fertilizantes, na indústria metalúrgica,
farmacêutica, etc.
P
Como combustível, ele é melhor do que os tradicionais
derivados do petróleo?
R
O hidrogênio é mais limpo do que os combustíveis
fósseis tradicionais (incluindo os ligados ao gás
natural e carvão), porque nesses processos sempre existe
a emissão de gás carbônico, que, como
todos sabem, contribuem com o efeito estufa, o aquecimento
da atmosfera. Na queima de hidrogênio você tem
a liberação de água e não de gás
carbônico. O hidrogênio oferece ainda a possibilidade
de uso em células a combustíveis.
P -
É possível gerar energia para domicílios
a partir do hidrogênio?
R Tecnicamente, sim. Existem várias maneiras
e a mais apreciada pelos pesquisadores é a instalação
de painéis solares que produzem energia elétrica
durante o dia. Uma parte desta energia é usada imediatamente
na própria residência e a outra parte produz
hidrogênio através da eletrólise da água,
ou seja, a decomposição da água em hidrogênio/oxigênio.
Este hidrogênio é armazenado e, no período
da noite, produz eletricidade a partir de uma célula
a combustível.
P
Por que não se faz uso desta aplicação
atualmente?
R
Porque ainda não é viável economicamente.
P
As pesquisas para a aplicação do hidrogênio
como energia são mais voltadas para as industrias?
R
Realmente, hoje, o grande interesse é para aplicações
industriais. Isso se deve ao fato de que existe uma preocupação
ambiental muito grande. Essa preocupação está
se transformando em imposições, que visam forçar
as empresas a reduzirem as emissões de gás carbônico.
A diminuição do gás carbônico vem
sendo debatida nas últimas décadas e não
há dúvida de que terá de ser implementada
mais cedo ou mais tarde.
P
E o uso do hidrogênio em veículos? Como andam
as pesquisas?
R
O que sabemos hoje é que os veículos
a hidrogênio serão necessariamente elétricos.
Veículos elétricos trazem uma série de
vantagens que não encontramos naqueles movidos a explosão
(combustão interna): diminui muito a quantidade de
ruídos, as emissões com o veículo parado
são praticamente nulas, torna-se menor o desgaste de
componentes porque as partes móveis são reduzidas
e não se registra liberação de calor.
O grande inconveniente é preço.
P
Quanto custaria um carro movido a hidrogênio?
R Os protótipos iniciais levam à
estimativa de 50 mil dólares, considerando-se mesmo
desempenho, autonomia e até algumas vantagens em relação
aos veículos tradicionais. A tecnologia dos protótipos
também não está totalmente compactada,
tornando-os um pouco avantajados. A Mercedez Benz-Chrysler
já trabalha com um veículo nas dimensões
do Classe A, mas o ideal ainda é a aplicação
em veículos Van, devido ao seu custo. Essas mesmas
empresas, no entanto, estimam que o preço poderia cair
facilmente a 30 mil dólares, havendo escala de produção.
P
E o protótipo da Unicamp?
R Nosso protótipo trabalhará ainda
com uma célula menor do que a dos outros. Utilizaremos
um sistema híbrido, constituído de uma célula
a combustível mais um pequeno banco de baterias. Isso
terá vantagens e desvantagens. A grande vantagem será
que a célula menor é mais barata.
P
O que é uma célula a combustível?
R A célula a combustível é
um dispositivo eletroquímico que realiza o processo
inverso da eletrólise. A eletrólise é
mais fácil de se explicar porque a maioria das pessoas
já fez experiências desse tipo no ginásio:
um copo de água com um ácido, um sal ou uma
base onde, com uma pilha e dois fios, você faz a decomposição
da água nos seus constituintes, hidrogênio e
oxigênio. No caso da célula a combustível,
um dispositivo eletroquímico faz exatamente o contrário:
você introduz o hidrogênio e o oxigênio
do ar na célula, obtendo água e energia elétrica
P
No Brasil já existem empresas fazendo uso do
hidrogênio?
R
Temos o projeto conduzido pela EMTU (Empresa Metropolitana
de Transportes Urbanos) de São Paulo, originado no
Ministério das Minas e Energia, com financiamento externo.
Este projeto prevê a implantação de cinco
a oito ônibus em rotas preestabelecidas, supridos por
hidrogênio na forma gasosa. Os coletivos têm baixíssima
emissão de gás carbônico e contribuirão
para diminuir a poluição ambiental em alguns
corredores da Capital. A primeira fase, um diagnóstico
para implantação do sistema, já foi concluída
com êxito. A segunda etapa, em andamento, é o
processo de licitação. Será um edital
internacional e uma empresa já se mostrou muito interessada
em fornecer os ônibus a partir de 2002.
P
É ilusão ou realidade imaginar que, num futuro
próximo, o transporte a hidrogênio vai se massificar
no Brasil?
R Existem visões otimistas e pessimistas.
Algumas empresas como a Daimler Benz-Chrysler são bastante
otimistas e acreditam em uma frota de 100 mil veículos
até 2010. Os pessimistas acham que ainda vivemos uma
etapa de ensaios e que a introdução em massa
desse sistema dependerá do agravamento da situação
ambiental, do suprimento de petróleo ou de alguma outra
anormalidade. A entrada de veículos a hidrogênio
no mercado pode ser forçada mais pela consciência
ambiental. Em Los Angeles (EUA), devido ao nível elevadíssimo
de poluição produzida pelos veículos,
uma legislação muito rígida está
sendo colocada em prática. Lá, a partir de 2003,
será obrigatória a comercialização
de um percentual de veículos limpos, a
hidrogênio ou a bateria, havendo uma preferência
pelo primeiro por parte das empresas. Varias outras cidades
americanas estão copiando este modelo de legislação
e, se houver um efeito cascata, teremos uma frota elevada
de carros a hidrogênio.
P -
O Brasil é um potencial produtor de hidrogênio?
R Esta é uma questão que exige
coerência. Se estamos pensando em associar a importância
do hidrogênio a questões ambientais, estamos
falando em usar o hidrogênio com fontes renováveis.
O hidrogênio não é uma fonte de energia.
Ele é um vetor, um combustível. Vamos ter de
produzir o hidrogênio a partir de fontes renováveis.
O Brasil tem um enorme potencial de fontes renováveis:
hidráulica, eólica, solar, biomassa. Mas, se
pretendemos exportar energia para Europa, por exemplo, precisamos
lembrar que não temos linhas de transmissão
para lá. Então teríamos de produzir hidrogênio
ou outro combustível e embarcá-lo.
P
E podemos fazer isso?
R Fizemos um estudo aqui na Unicamp, comparando
um caso brasileiro com outros realizados no exterior. A Alemanha
e a Arábia Saudita, conjuntamente, executaram um grande
projeto para utilizar a energia solar dos desertos árabes
para produzir hidrogênio, a partir dos painéis
fotovoltaicos. O hidrogênio seria liqüefeito e
transportado em tanques para a Europa. Cumpriram várias
etapas deste ciclo, mas não chegaram a efetivar o transporte
do hidrogênio. Dentro dessa linha, o Canadá propôs
à Alemanha o mesmo sistema, mas utilizando a energia
hidroelétrica. Achamos então que o Brasil poderia
fazer parte desses estudos. Por que não usar nossa
energia solar, eólica e de biomassa do Nordeste, mais
a energia hidráulica da região Norte? Juntaríamos
fontes renováveis em um mix de energia para produzir
hidrogênio, que poderia ser embarcado pelo porto de
Fortaleza para a Europa. Nosso estudo concluiu que esse hidrogênio
teria custos elevados, mas da mesma ordem dos projetos executados
na Arábia Saudita e Canadá.
P
Armazenar hidrogênio não é muito perigoso?
R Evidentemente. O hidrogênio é
um combustível. No entanto, não é mais
perigoso do que o gás natural. E o país está
ampliando os usos do gás natural, incentivando seu
emprego em táxis.