Dilema
- Como exemplo, cita o programa de fortalecimento da agricultura
familiar que, segundo ele, não existiria se dependesse
de cada prefeitura. Abramovay, porém, coloca uma questão
no centro das discussões:
como que o Estado, mesmo empenhado em criar programas, faz
para enfrentar as chamadas organizações locais,
que na maioria das vezes são apropriadas pelas forças
dominantes? E emenda com outra indagação: vale
a pena promover a descentralização efetiva de
políticas e delegação de responsabilidades
se os poderes locais estão comprometidos com as oligarquias?
Se você responde que não vale a pena, você
está dizendo que só o poder central pode modificar
as coisas. Se você responde que vale a pena, está
submetendo essas políticas às forças
locais.
Estaria
aí, nessa transferência do poder local para forças
diferentes, o início das mudanças
que, de acordo com Abramovay, são lentas, moleculares
e hoje mais visíveis no interior do país, com
algumas exceções, entre elas Porto Alegre, onde
280 mil pessoas já integraram o orçamento participativo.
É muita gente que deu palpite, que começou
a entender o que é limite. Está mudando. O problema
é que, diante da riqueza do país, essa mudança
tinha que ser mais rápida.
Na
ponta - Joachim Von Ansberg diz que o Banco Mundial já
vem, ao longo dos últimos anos, implantando projetos
nos quais os recursos são diretamente destinados aos
beneficiários, na maioria dos casos membros de comunidades
de pequenos produtores nordestinos. Segundo o economista,
esse modelo rompe com as estruturas dominantes do poder local
ao colocar o dinheiro na mão dos pobres.
Cita experiências de financiamento no Ceará e
no Rio Grande do Norte como exemplos em que o dinheiro chega
na ponta.
Abramovay
considera importantes as iniciativas do Banco Mundial no combate
à pobreza, mas lembra que a pressão da opinião
pública e a crise no Leste europeu resultaram na mudança
de perfil da instituição, que colocou em sua
pauta, a partir dos anos 90, temas até então
ignorados. O sociólogo acredita que, no caso da crise
do comunismo, o Bird constatou que quando uma economia centralmente
planificada se desestrutura, o que vem no lugar espontaneamente
não são mercados, mas sim a corrupção,
o roubo e a máfia. Ressalta também que o acesso
aos mercados passa a ser uma questão política.
O Banco Mundial sofreu um transformação
real porque teve que dialogar com a sociedade e abolir a ideologia
segundo a qual o mercado é um ente mágico em
torno do qual a sociedade se organiza sem que ninguém
interfira.
O
economista Ricardo Henriques, professor da Universidade Federal
Fluminense e um dos integrantes da mesa, concorda com Abramovay.
Para ele, a retórica oficial do Banco Mundial mudou
muito depois de incorporar a questão da pobreza em
sua cartilha. Lembra que, em alguns países, uma das
précondições exigidas pelo banco para
amortizar a dívida externa é o cumprimento de
metas de redução da pobreza. Henriques diz que
vê como muito positivo o novo comportamento
da instituição, embora não consiga vislumbrar
a motivação que, para ele, tanto pode ser o
fato de as elites internacionais estarem incomodadas com a
pobreza, como também uma simples mudança de
percepção do problema. O economista acha prematuro
afirmar que as ações do Bird fazem parte de
uma formulação a ser implementada. Não
sei qual a duração disso para que esses problemas
sejam resolvidos minimamente. A perspectiva histórica
alimenta a desconfiança.
Henriques
lembra que, de meados do século passado para cá,
o pacto pós-getulista marginalizou uma parte significativa
da população. Ele não vê hoje outra
alternativa que não seja o combate à desigualdade,
por intermédio de uma combinação de políticas
compulsórias de redistribuição da terra,
da renda, do crédito e do artigo mais escasso
que é a educação. E exemplifica:
a escolaridade média do trabalhador brasileiro
é de 6,5 anos. Não é possível
que essa mão-de-obra consiga uma boa colocação
no mercado. O economista denuncia que o padrão
educacional é extremamente concentrado, valorizando
as pessoas que detêm esse ativo, depreciando os demais.
O professor
da UFF entende que a educação é um direio,
mas ao mesmo tempo é uma condição econômica
fundamental para um projeto mais sustentado e mais justo.
Aponta algumas experiências redistributivas, a maioria
locais, entre elas a Bolsa-escola, agora encampada pelo governo
federal. Movido na origem como política compensatória,
dar uma renda que complemente a carência das
pessoas o projeto tem um componente estrutural fundamental
que é a educação. Medidas como essa,
se bem-sucedidas, são um bom exemplo. Henriques,
porém, faz uma ressalva. A sociedade civil tem que
criar mecanismos de controle que façam com que essas
políticas sejam perenes e não fiquem passíveis
da boa vontade do novo governante. É esperar para ver.