ADRIANA
MIRANDA
novela
brasileira dita a moda, o comportamento e, paixão das
donas-de-casa há décadas, conquista até
machões de carteirinha. A média de pontos no
Ibope reflete esse fascínio. Agora, uma pesquisa realizada
na Unicamp vem inserir um dado novo sobre os telespectadores:
parcela significativa dos adolescentes se vale da ficção
para aprender a paquerar, conquistar e namorar na vida real.
Em sua tese de doutorado O Adolescente e a TV: O Caso da Telenovela
Malhação, a pedagoga Maria Inez Masaro Alves
concluiu que, diante da ausência dos pais no lar e a
pouca participação da escola no processo de
formação pessoal, a televisão acaba cumprindo
papel de agente socializador e modelador do jovem de hoje.
Em
relação ao vestuário, por exemplo, os
jovens estão a cada dia mais parecidos, inspirados
nos personagens da telinha. O tempo que encontram livre,
eles passam em frente à televisão. O texto imagético
serve como uma modelação. Se o adolescente não
sabe o que deve fazer, por falta de uma orientação,
vai encontrar na televisão um espelho para sua vida.
Vai partir da imagem para desempenhar os seus papéis,
agindo de acordo com a novela. O que é positivo na
trama, ele tenta reproduzir; o que é negativo, tenta
negar, aponta a pesquisadora.
O grande
poder da mídia televisiva, entretanto, revela-se de
forma subliminar em questões mais profundas e polêmicas
que envolvem preconceitos e valores. É como uma tortura
chinesa. É o gotejamento, o depósito invisível,
mas contínuo, de cognições que vão
se acumulando através das imagens representadas, repassadas
e repetidas, destaca Maria Inez na conclusão
da tese defendida no ano passado. A tese foi apresentada ao
Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH) e orientada pela professora Ana Maria Meregalli
Goldani.
A escolha
de Malhação, exibida pela Rede Globo há
cinco anos (com exceção dos finais de tarde
de sábados e domingos), foi proposital. A novela é
destinada essencialmente aos adolescentes e estima-se que
1,6 milhão deles estejam em casa com os televisores
ligados no horário de exibição.
Na pesquisa foram entrevistados mais de 400 adolescentes,
em cidades com menos de 10 mil habitantes (caso de Santo Antônio
da Posse) e com mais de 100 mil habitantes (Americana) e com
quase um milhão de habitantes (Campinas). Todos assistiam
à novela, estudavam em escolas públicas ou particulares,
tinham idade variando entre 13 e 18 anos, e em média
9,6 anos de estudos. A amostragem de domicílios feita
pelo IBGE, em 1997, aponta 20,7 milhões de adolescentes
dentro dessa faixa etária no Brasil.
Passada
a fase de levantamento, a pesquisadora centrou-se em seis
grupos focais, cada qual com cinco a doze integrantes cursando
a 8ª série do ensino fundamental. Na primeira
etapa foram ouvidos estudantes também do ensino médio.
Com os grupos foram trabalhadas cenas retiradas de Malhação
no período de março de 1998 a outubro de 1999.
As meninas
dominam Segundo Maria Inez, a pesquisa indica que as
meninas reinam absolutas nos jogos amorosos, na vida real
e na ficção. A mulher, no universo pesquisado,
é um sujeito que se revela claramente no verbo futurar,
como emitido por uma das adolescentes pesquisadas, diz.
A imagem da mulher liberada, emancipada, autônoma, dona
de suas vontades, é justamente a que se faz presente
nas cenas da novela.
A pesquisadora
acrescenta que o namoro, na ficção e na realidade,
não é mais entendido como um momento de compromisso
romântico e apaixonado, onde o conhecimento mútuo
prepara e constrói a idéia do casamento. Visto
através da novela e dos discursos dos adolescentes
pesquisados, o namoro agora representa uma aproximação
mais física e íntima, com compromisso de fidelidade
e de transas, ressalta.
A inclusão
de temas como a Aids e o uso da camisinha é positiva,
segundo Maria Inez, pois faz com que os jovens reflitam sobre
o problema das doenças sexualmente transmissíveis
e passem a usar preservativos. Pelos discursos ouvidos dos
adolescentes constatou-se que essa população
tem informação suficiente sobre os métodos
contraceptivos e que a gravidez é vacilo
ou opção. Na novela, como na vida
real, o corpo é o centro do mundo dos adolescentes.
Meninos e meninas com corpos sarados são
presença constante em Malhação. O
corpo é apresentado de forma menos contida, demonstrando
que o sexo faz parte de um corpo que deve ser usufruído
e não negado, comenta.
Homossexualismo
A opinião dos alunos das escolas particulares
difere daqueles que freqüentam as unidades públicas
quanto às relações de gênero. Quando
se trata do papel do homem e da mulher, os estudantes de escola
pública são mais tradicionais, compara
a pesquisadora. Mas, na questão do homossexualismo,
aqueles de escolas particulares demonstraram maior preconceito.
Apesar da visível presença de homossexuais
nos mais diversos espaços da sociedade, celebrou-se
um pacto, entre o espectador e o texto imagético, na
tentativa de negar esta existência. Nesse sentido, pode-se
considerar que Malhação reforça o preconceito
contra os homossexuais, comenta Maria Inez. Na novela,
os personagens homossexuais saem de cena, nunca integram o
elenco fixo.
Os personagens
da tevê servem como modelo para os adolescentes em vários
aspectos, mas o mesmo não ocorre com relação
à virgindade. Maria Inez observa que a novela continua
apresentando a virgem como exemplo da idoneidade feminina.
Ela é a figura sedutora e o objeto de desejo, valores
que na verdade não mais permeiam as cabeças
de grande parte dos adolescentes.